Acórdão nº 17924/16.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 17924/16.6T8LSB.L1.S1 REL. 101[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO AA e BB, residentes em ... n.º …, ..., …, intentaram contra CC, S.A. e DD, S.A., ambos sediados em Lisboa, a presente acção declarativa, pedindo que sejam condenados solidáriamente: Na restituição das quantias entregues pelos Autores, na conta de depósito a prazo identificada, acrescidas dos juros contratualmente fixados, vencidos e vincendos, no montante global de € 926.126,00; No pagamento da quantia não inferior a € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; Subsidiáriamente, pedem que o Réu DD seja condenado a pagar-lhes o montante de € 926.126,00 e a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, a título de responsabilidade extracontratual por actos do comissário.

Para tanto, alegaram, em síntese e no essencial, o seguinte: - No início de 2003, os Autores, que se encontravam emigrados na ..., deslocaram-se ao balcão do BB, na ..., em ..., onde abriram uma conta bancária para depósitos a prazo e uma outra conta para depósitos à ordem; - Ao longo dos anos, e até 2013, foram entregando, nesse balcão, quantias em dinheiro para serem depositadas na conta a prazo, num total que ascende a € 760.128,00; - Era o gerente do balcão, EE(que veio a felecer em 04.09.2013), quem sempre atendia o Autor; - Vieram a descobrir, posteriormente, através de carta que lhes foi enviada pelo DD em resposta ao pedido de esclarecimento sobre os montantes existentes na conta de depósito a prazo, que as quantias entregues não haviam entrado nessa conta, como julgaram e como solicitaram; - Ambas as instituições bancárias são responsáveis pela restituição destes valores, quer porque o dito funcionário sempre se apresentou ao serviço do DD e as aludidas operações sempre se realizaram nas instalações do Banco, criando aos Autores a total convicção de que o dinheiro estava a ser devidamente depositado, quer porque, já no que concerne ao CC, todos os depósitos feitos junto do então DD foram transferidos para a nova instituição bancária, tendo todas as responsabilidades contratuais e patrimoniais do DD transitado para o CC.

O Réu CC contestou defendendo-se por excepção e por impugnação, pedindo a procedência da excepção da sua ilegitimidade passiva ou, cautelarmente, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide. Caso assim não se entenda, pede a sua absolvição dos pedidos formulados pelos Autores.

Para tanto e em síntese alegou não existir à data dos factos alegados na petição inicial, aos mesmos sendo alheio. Mais invocou que a alegada responsabilidade do DD, por efeito de actuação ilícita de um seu funcionário, não constitui um passivo consolidado, registado na contabilidade, estando-se perante uma mera contingência que não foi transferida para o CC.

O Réu DD também contestou a acção, defendendo-se por excepção e por impugnação, pugnando pela extinção da instância, ao abrigo do artigo 277º, alínea e), do CPC. Caso assim não se entenda, pede que se ordene a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272º, n.º 1, do CPC, e/ou se julgue improcedente a acção absolvendo-se o Réu dos pedidos contra si formulados.

Os Autores responderam às matérias de excepção, pedindo a improcedência das mesmas.

Findos os articulados, o Mmº Juiz da 1ª instância proferiu saneador-sentença, no qual: - Declarou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 277.° alínea e) do Código de Processo Civil, quanto ao Réu DD SA, em liquidação; - Julgou improcedente a excepção dilatória de ilegimidade, declarando o Réu CC SA parte legítima; - Julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada, no que respeita ao Réu CC SA, o qual, em consequência, foi absolvido dos pedidos contra si formulados.

Inconformados com a decisão, no segmento relativo ao CC, os Autores interpuseram recurso de apelação.

No entanto, a Relação de Lisboa confirmou o julgado, embora com voto de vencido de uma Ex.ª Desembargadora.

Novamente inconformados, interpuseram os Autores recurso de revista, cujas alegações terminam do seguinte modo: A acção instaurada pelos ora Recorrentes contra o CC centrou- -se, a título principal, na existência de um contrato de depósito e no exercício do respectivo direito contratual de restituição dos montantes depositados, isto é, no reembolso de todas as quantias entregues pelos Recorrente ao DD, acrescidas dos juros contratualmente fixados vencidos e vincendos, no montante global de € 926.126,00 (depósito que, com a medida de resolução do ..., se transmitiu para o CC); A matéria de facto é inequívoca e não foi impugnada pelo CC, que poderia tê-lo feito, mas não fez; Ficou demonstrada nos autos: i) a existência de um contrato de depósito a prazo celebrado entre os ora Recorrentes e o DD (FACTO ASSENTE N.º 1), ii) Os depósitos efectuados pelos Recorrentes ao longo de cerca de dez anos (entre 20.10.2013 e 11.04.2013) totalizaram CHF 828.744,92 (o que equivale a cerca de € 760.128,00) [FACTOS ASSENTES N. OS 3 E 5], e iii) Os vários depósitos foram sendo sucessivamente aplicados em novos 180.990,77 (€ 165.999,00)[FACTOS ASSENTES N.OS 6 E 7]; D) Perante o aludido enquadramento factual, a solução jurídica não pode ser outra senão a de considerar os depósitos como tendo sido transmitidos para o CC, conclusão que foi defendida pela Veneranda Desembargadora que votou vencido no Acórdão recorrido, segundo a qual «o crédito dos Autores fundamenta-se num vulgar contrato de depósito bancário e, por isso, transferiu-se para o CC»; E) A circunstância de se reconhecer - como faz o Acórdão recorrido e a sentença do Tribunal de 1.ª instância - a existência dos depósitos bancários dos Recorrentes impõe o reconhecimento da sua transmissão para o CC; F) É que os depósitos bancários são isso mesmo: depósitos bancários, querendo com isto os Recorrentes fazer notar que não existem depósitos bancários vulgares e depósitos bancários invulgares, sendo, s.m.o., absurdo considerar que os créditos dos Recorrentes não são “idênticos aos referentes a um vulgar contrato de depósito bancário, esses sim, por princípio, transferidos para o CC” (cfr. fls. 15 do Acórdão recorrido).

G) Nos termos do regime geral, a partir do momento em que as já aludidas quantias monetárias foram entregues pelos Recorrentes no antigo DD, a propriedade transferiu-se para este último, assim como o risco de perecimento dessas quantias.

H) Assim, errou o Acórdão recorrido na aplicação do direito à matéria factual provada, impondo-se, nessa medida, a sua revogação e substituição por outro que considere integralmente procedente, por provado, o pedido deduzido pelos Recorrentes contra o CC (nas alíneas a) e b) da petição inicial).

I) Acresce que o Acórdão recorrido desvirtua a causa de pedir dos Recorrentes, que alicerçaram o seu pedido principal na existência de um contrato de depósito bancário celebrado com o DD e no direito de exigir a restituição dos montantes depositados (artigos 214.º a 238.º da petição inicial)! J) Com efeito, a conclusão do Acórdão recorrido, no sentido de que «nem se vislumbra que os preceitos legais e deliberações do Banco de Portugal (...) a par da restante factualidade provada (...) em que se alicerçou a decisão singular (...) tenham sido objecto de errada intepretação e aplicação.» encontra-se inquinada, na medida em que tal conclusão teve como ponto de partida a actuação do Director do balcão do então DD - o que está errado.

  1. Em suma, tal como concluiu a Veneranda Desembargadora que votou vencido encontram-se provados factos que exigem a seguinte conclusão: «o crédito dos Autores fundamenta-se num vulgar contrato de depósito bancário e, por isso, transferiu-se para o CC” (pág. 2 do Voto de Vencido).

  2. Por outro lado, o Acórdão recorrido constitui uma decisão manifestamente ilegal, na medida em que contraria o fundamento último e essencial da medida de resolução do DD e a criação do banco de transição - o CC, ou seja: a protecção dos depositantes; M) Com efeito, é público e notório que, em 3 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal deliberou proceder à resolução do DD (cfr. Doc. 2, junto com a petição inicial), com um grande objectivo: a proteção dos depositantes e a manutenção da estabilidade do sistema financeiro Português (cfr. facto assente n.º 9 da sentença recorrida); N) Para proteger os depositantes, o Banco de Portugal optou pela criação de “um banco para o qual é transferida a totalidade da atividade prosseguida pelo DD, S.A.”, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 145.º-E do RGICSF (cfr. página 5 do Doc. 2, já junto com a petição inicial); O) Na verdade, com a Deliberação de 3 Agosto de 2014 do Banco de Portugal foi fixado o conjunto de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais transferidos do DD para o CC foram definidos nos Anexos 2 e 2 A, sendo que o princípio geral definido no Anexo 2 da Deliberação foi o de que seriam transferidos do DD para o CC todos os “ ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do DD, registados na contabilidade, que serão objeto da transferência para o CC, S.A.”; P) Ora, no caso concreto, e como é evidente, o contrato de depósito em causa nos autos não se encontra excluído da transmissão para o banco de transição, o CC, pois não se encaixa em nenhum dos tipos de exclusão definidos no Anexo 2 da Deliberação de 3 Agosto de 2014 do Banco de Portugal; Q) Em suma, o caso em apreço encontra-se, justamente, abrangido pela teleologia do regime da resolução e, concretamente, da Deliberação de 3 de Agosto de 2014 do Banco de Portugal, isto é: a...

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