Acórdão nº 17878/16.9T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA e BB intentaram ação declarativa de condenação contra Novo Banco, S.A. e Banco Espírito Santo, S.A. alegando que como emigrantes na Suíça e clientes do BES, efetuaram diversos depósitos a prazo na agência do BES em ..., Suíça. Em 2013, tendo os AA. pretendido consultar os seus depósitos a prazo, foi-lhes referido que o Banco não os localizava tendo feito exposição escrita da situação e obtido resposta que o BES devolveria 33,33% dos depósitos não reconstituídos, além do valor dos outros depósitos, em singelo. Entretanto em 03.8.2014 o Banco de Portugal aplicou a medida de resolução que deu origem ao ora R. Novo Banco S.A. e até apesar de os terem reclamado não foram reembolsados dos depósitos e respetivos juros.

Os AA. Pediram os RR. fossem condenados, solidariamente, a restituir: - ao A. AA a quantia de € 39 878,00 francos suíços (que corresponde a € 36 474,89) e a quantia de € 24 296,25, no valor total de € 60 771,14; - ao A. BB as quantias de € 34 301,80 e 10 000 francos suíços (que corresponde a € 9 146,62), no valor total de € 43 448,42, acrescidos de juros de mora sobre o capital, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Na contestação O Novo Banco contrapôs que a relação bancária existente entre os AA. e o BES era mediada por um funcionário do BES (falecido em 2013) que, extravasando as suas funções e forjando documentos, desviou fundos dos clientes em proveito próprio, nunca tendo os mesmos sido depositados junto do referido BES, defendendo que não pode ser responsabilizado por tais quantias, assim como o não pode ser o Novo Banco, uma vez que o crédito reclamado constitui contingência ou responsabilidade não contabilizada no BES aquando da aplicação da medida de resolução, pelo que não se transmitiu para o Novo Banco.

O Novo Banco concluiu pela improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido por exceção peremptória de ilegitimidade passiva, ou extinguindo-se a instância por impossibilidade superveniente da lide ou, se assim não se entendesse, com a sua absolvição dos pedidos.

Também o BES contestou, invocando a inutilidade da lide, uma vez que havia sido revogada a autorização para o exercício da sua atividade e havia sido proferido despacho judicial de prosseguimento do respetivo processo de liquidação. No mais, impugnou a ação aderindo, no que fosse aplicável, ao teor da contestação do Novo Banco.

Proferido saneador-sentença em que se decretou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao BES, considerou-se o Novo Banco parte processualmente ilegítima e absolveu-se o Novo Banco dos pedidos, por se entender que por força das deliberações do Banco de Portugal a invocada responsabilidade do BES não se havia transferido para o Novo Banco.

Os AA. apelaram desta decisão e, por acórdão da Relação ..…, datado de 12.7.2018, a decisão recorrida foi revogada na parte em que se absolveu o Novo Banco do peticionado, tendo sido determinada a prossecução dos autos nessa parte.

Realizada audiência foi proferida sentença em que se julgou a ação inteiramente procedente por provada e consequentemente se condenou o R. Novo Banco a pagar aos AA. as quantias peticionadas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

O Novo Banco recorreu da sentença e por acórdão veio a apelação a ser julgada improcedente mantendo-se a decisão recorrida.

De novo inconformada com esta decisão a ré veio a interpor revista excepcional e, uma vez que o acórdão da Relação confirmara sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente a decisão da primeira instância, invocou como fundamento o das als. a) e b) do nº1 do art. 672 , isto é, que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, também, que estão em causa nos autos interesses de particular relevância social.

Enviado o recurso à Formação a que alude o art. 672 nº3 foi admitida a revista excepcional.

… … Os recorrentes concluem que: “ 1) A douta decisão em crise encerra, de forma grave, a desconsideração dos critérios que presidiram ao estabelecimento da medida de resolução determinada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, em particular o critério distintivo e essencial para a transferência do passivo do Banco Espírito Santo, S.A. (doravante BES) para o Recorrente; 2) Desconsiderando, gravemente, as Deliberações emanadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03 e 11 de Agosto de 2014.

3) Bem como das Declarações de 29 de Dezembro de 2015.

4) Sendo imperioso uma apreciação mais aprofundada relativamente à efectiva delimitação das referidas Deliberações, nomeadamente no que concerne à transferência dos elementos que transitaram do BES para o Novo Banco, S.A..

5) É simplista o fundamento contido na douto Acórdão aqui em questão que, salvo melhor opinião e com o devido respeito, careceu de ponderar o real sentido e alcance das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal aqui em causa.

6) A questão sub judice carece, pela sua complexidade e importância jurídica, de uma avaliação e análise criteriosa.

7) Ao contrário de uma apreciação simplista e diagonal de matérias tão complexas e juridicamente relevantes como o âmbito e alcance da transmissão de responsabilidades e passivos de uma entidade bancária extinta para um banco de transição, criado por uma medida de resolução emanada do Conselho de Administração do Banco de Portugal.

8) É inegável que a questão subjacente ao presente recurso, dotada de uma especial complexidade, exige uma acurada análise e interpretação do regime legal vigente, considerando os interesses envolvidos.

9) Sendo clara e indubitavelmente necessária a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, com a consequente apreciação das questões suscitadas, para uma melhor e correcta aplicação do direito.

10) Até porque foram proferidas sentenças que, versando sobre matéria de facto igual ou muito semelhante à discutida nos presentes autos, decidiram pela não transmissão das responsabilidades em apreço para o Recorrente, S.A., postulando uma interpretação jurídica manifestamente contrária à perfilhada no douto Acórdão recorrido.

11) Encontra-se preenchida a alínea a) do número 1 do artigo 672.º do CPC que dispõe que cabe, excepcionalmente, recurso do Acórdão da Relação referido no artigo 671º, n.º 3 do mesmo diploma legal, quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

12) Por forma a evitar que sejam proferidas decisões judiciais manifestamente opostas referentes a igual ou semelhante matéria de facto.

13) Nos termos da alínea b) do supra referido artigo 672º do CPC, cabe ainda revista excepcional do acórdão referido no artigo 671º, nº 3, quando estejam em causa interesses de particular relevância social.

14) Sendo unanimemente considerado, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que o requisito ínsito na supra referida alínea tem como pressuposto que a aplicação do preceito a que os factos sejam subsumidos possa interferir com a tranquilidade, a segurança e a paz social, havendo a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito.

15) Ora, a questão suscitada na acção e no presente recurso ultrapassa a situação singular dos autos.

16) Pois, transitado em julgado o doutro acórdão de que ora se recorre, cristaliza-se a transmissão para o Recorrente de responsabilidades que, nos termos das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, não se transmitiram.

17) O que coloca em crise os interesses, de cariz nacional, que estiveram na génese da aplicação da medida de resolução ao BES e à criação do Novo Banco como banco de transição.

18) Assim, a decisão a proferir nos presentes autos tange, indiscutivelmente, interesses de inegável relevância social, sendo susceptível de colocar em causa a confiança no sistema bancário e financeiro, consubstanciando um interesse comunitário de grande relevo.

19) Por outro lado, foi proferido, por esta Secção, o douto acórdão no âmbito do processo 12968/16...... que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, confirmou a sentença proferida pela primeira instância e absolveu o aqui Recorrente dos pedidos formulados 20) Neste aresto, confirmando-se a decisão recorrida, considerou-se que, face às Deliberações emanadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, as responsabilidades peticionadas pelos Autores / Apelantes não foram transferidas para o aqui Recorrente.

21) Sendo cristalino gritante contradição entre Acórdãos proferidos pelo mesmo tribunal de recurso quanto à mesma questão, não só fundamental de direito, como sobre a mesma questão stricto sensu - a qualificação e diferente tratamento jurídico sobre o provado extravasar de funções do antigo colaborador do Banco Espírito Santo na recepção (indevida) de fundos dos clientes.

22) Esta incontestável contradição entre acórdãos, para além de fundamento adicional para a admissão da presente revista, ao abrigo do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 672º do CPC, gera um incontestável e intolerável tratamento jurídico sobre a mesma questão fundamental de direito, o que cumpre dirimir.

23) A revista pode ter por fundamento a violação de lei substantiva, que pode consistir no erro na interpretação ou de aplicação.

24) Confirmando a decisão recorrida, o aresto objecto da presente revista, faz tábula rasa das Deliberações emanadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, que revestem a natureza de actos administrativos, aptas a produzir os efeitos a que estão destinadas e serão consideradas legítimas e válidas até que sejam impugnadas, com sucesso, em sede própria, isto é, por via da impugnação administrativa das mencionadas Deliberações.

25) As deliberações do Conselho de Administração do Banco de...

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