Acórdão nº 584/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução21 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 584/2019

Processo n.º 759/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, “LTC”), da decisão proferida pela Vice-Presidente daquele Tribunal, datada de 12 de junho de 2019, que indeferiu a reclamação do despacho de não admissão do recurso, proferido no Tribunal de primeira instância, com fundamento em intempestividade.

2. Através da Decisão Sumária n.º 620/2019, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, conheceu-se do objeto do recurso de constitucionalidade, tendo-se decidido não julgar inconstitucional a norma extraível da conjugação dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), 104.º, n.º 2, e 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, «segundo a qual, em processo com arguido preso, o prazo para interposição de recurso por arguido não preso corre em férias judiciais».

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

6. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional “das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.

Tal como delimitado no requerimento de interposição, o objeto do presente recurso é integrado pela interpretação dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), 104.º, n.º 2, e 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual, «em processo com arguido preso», «o prazo para a interposição de recurso de acórdão condenatório por arguido não preso corre durante as férias judiciais», interpretação que o recorrente entende violar o disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, e 18.º, n.º 2, da Constituição.

Por ter sido já objeto de sucessivos e concordantes pronunciamentos no âmbito da jurisprudência deste Tribunal, a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso é simples, razão pela qual será apreciada através de decisão sumária nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

7. Conforme resulta da decisão aqui recorrida, para indeferir a reclamação dirigida contra o despacho proferido pelo Juízo Central Criminal de Lisboa, que não admitiu o recurso interposto do acórdão proferido por aquele Tribunal com fundamento em extemporaneidade, a Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa considerou que tal recurso não era legalmente admissível na medida em que, tratando-se de processo com arguidos presos, o prazo de interposição de recurso não interrompe durante as férias judiciais relativamente aos coarguidos que, tal como sucede com o ora recorrente, não se encontram sujeitos a medida de coação privativa da liberdade.

8. Os preceitos que suportam a interpretação sindicada dispõem o seguinte:

«Artigo 411.º

Interposição e notificação do recurso

1 - O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:

a) A partir da notificação da decisão;

b) Tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria.

[…]»

«Artigo 103.º

Quando se praticam os atos

1 - Os atos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.

2- Excetuam-se do disposto no número anterior:

a) Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas.

[…]»

«Artigo 104.º

Contagem dos prazos de atos processuais

1- Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as disposições da lei do processo civil;

2- Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.

[…]».

A norma extraível do artigo 411.º, n.º 1, conjugado com os artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal (doravante, «CPP»), segundo a qual, nos processos com arguidos presos, o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais mesmo em relação aos coarguidos que não se encontrem presos - que constitui, como verifica, o fundamento jurídico do juízo subjacente ao indeferimento da reclamação contra a decisão de rejeição do recurso -, foi já por mais do que uma vez apreciada por este Tribunal, que concluiu reiteradamente pela sua não inconstitucionalidade.

9. Logo no Acórdão n.º 213/93, o Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade «das normas dos artigos 103º, nº 2, alínea a), e 104º, nº 2, do Código [de Processo] Penal de 1987», na interpretação segundo a qual «"correm em férias os prazos relativos a processos com arguidos detidos ou presos"», «não apenas [quanto] aos atos a praticar pelo arguido preso, mas também [quanto] aos atos dos restantes intervenientes processuais, designadamente dos co-arguidos não presos, do Ministério Público e dos assistentes».

Confrontando tal interpretação com o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, o Tribunal afirmou então o seguinte:

«A diferenciação operada pelo legislador, a qual se traduz num regime de desfavor, no que respeita aos prazos para a prática de atos processuais, dos arguidos em processos em que algum ou todos estejam detidos ou presos em comparação com os arguidos em processos em que não haja nenhum naquelas situações, poderia, prima facie, afigurar-se como materialmente infundada.

Mas, numa análise mais aprofundada das coisas, facilmente se chega à conclusão de que tal não sucede.

Na verdade, o legislador, ao adotar um regime distinto para os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, moveu-se, fundamentalmente, pela defesa de valores constitucionalmente relevantes, tais como os da celeridade e eficiência da justiça criminal, da liberdade do arguido e da eficácia do sistema penal.

Uma vez que todos os intervenientes processuais, sempre que haja arguidos detidos ou presos, estão sujeitos à mesma regra de celeridade, não ocorre qualquer afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada.

Nem se argumente, ex adverso, que, no que respeita aos recursos, o curso do prazo em férias só se justifica nas situações em que o recurso abranja arguido preso e que, quanto a este, se houver já decisão transitada, a regra segundo a qual correm em férias os prazos relativos a processos nos quais haja arguidos detidos ou presos perde o seu fundamento ou a sua razão de ser.

É que, como se salientou no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 1989, do nº 1 do artigo 402º do Código de Processo Penal resulta que, "em regra, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão. Pode haver limitação do objeto do recurso nos termos do art. 403º, mas é operação a realizar pelo Tribunal 'ad quem'. No momento da apreciação da motivação do recurso essa limitação não era possível".

A diferenciação de regimes acima apontada não se baseia, assim, em motivos subjetivos ou arbitrários, nem é materialmente infundada.»

10. A mesma orientação foi subsequentemente reafirmada no Acórdão n.º 384/1993.

Em tal aresto, o Tribunal entendeu não haver «qualquer inconstitucionalidade na norma do artigo 104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, entendida com o sentido que o Supremo Tribunal de Justiça lhe atribui[ra]». Isto é, «que corr[e]m em férias os processos nos quais devam praticar-se os atos referidos no n.º 2 do artigo anterior (citado artigo 103.º), de acordo com o artigo 104.º do mesmo diploma, e hajam de submeter-se todos os que intervêm no processo aos princípios harmónicos da concentração, da continuidade e daquela celeridade, independentemente de o recorrente ser arguido preso, bastando que se trate de arguido preso, seja ou não recorrente».

11. O referido juízo de não inconstitucionalidade foi recentemente reiterado na Decisão Sumária n.º 362/2019, confirmada através do Acórdão n.º 350/2019.

Apreciando, tal como os anteriores, a exata dimensão normativa que integra o objeto do presente recurso, e confrontando-a diretamente com o artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, escreveu-se em tal aresto o seguinte:

«[e]ste Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no número 1, do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, como uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido (v., os Acórdãos n.os 482/14, 584/16, 29/2016, 672/2017, 232/2018, 595/2018, 677/2018). Como se assinalou no acórdão n.º 186/2019, a jurisprudência jusfundamental tem também reconhecido que a modelação legislativa do processo penal, mesmo no que tange ao exercício do direito ao recurso, não pode deixar de obedecer a exigências de racionalização e celeridade que igualmente decorrem da Constituição e «encontra[m] justificação, não apenas na necessidade de garantir proteção rápida e eficaz aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal (artigo 40.º do Código Penal), como no próprio princípio da presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, primeira parte, da Constituição), que é naturalmente incompatível com o atraso ou prolongamento indefinido de um processo que visa determinar a sua responsabilidade criminal em face da acusação formal da prática de um ou mais crimes (…).»

Ora, como é bom de ver, a circunstância de a decisão recorrida ter interpretado os artigos 103.º, n.º 2, alínea...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT