Acórdão nº 1820/17.2T8CHV.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA OLINDA GARCIA |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em conferência: I. RELATÓRIO 1. AA propôs processo especial para acordo de pagamento, alegando não ter capacidade de, por meios próprios, cumprir pontualmente com as suas obrigações. É empresária em nome individual, exercendo a atividade de hotelaria. Alegou que: - Em 2013, já havia proposto um PER, no âmbito do qual foi aprovado e homologado plano de revitalização, que a requerente foi cumprindo.
- Atualmente a requerente encontra-se com grandes dificuldades em cumprir as suas obrigações, estando a ser demandada judicialmente em dois processos e estando iminente e propositura de outras ações contra si; - Reúne todas as condições para recuperar; - Após contacto com alguns dos seus credores a requerente verificou a vontade de os mesmos entrarem no processo especial de acordo de pagamentos.
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A credora BB, S.A. manifestou a sua oposição ao plano de acordo de pagamentos apresentado pela devedora.
Alegou que a requerente tem prestações em atraso relativamente a dois empréstimos, desde 2013 e 2016, respetivamente. E afirmou que, na ausência de plano, ficará numa situação mais favorável, uma vez que se verá ressarcida dos seus créditos num lapso de tempo muito menor.
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A primeira instância, nos termos dos artigos 216.º, n.1, al. a) e 222º-F, n.2, do CIRE, não homologou o Acordo de Pagamento apresentado.
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Não se conformando com essa decisão, a requerente interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 25.10.2018, decidiu pela improcedência do recurso, mantendo a decisão recorrida.
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Inconformada com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou improcedente o recurso de apelação, a recorrente interpôs recurso de revista, com base no art.14º do CIRE (que designou como Recurso Excecional), em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: «A. No entendimento da credora, através da venda imediata do imóvel resultaria o pagamento integral e imediato do montante em dívida ao invés de ter que aguardar o cumprimento do Plano de Prestações constante do Acordo aprovado.
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Ora, tal conclusão não pode jamais e em tempo algum ter acolhimento no âmbito dos presentes autos, senão vejamos: C. O Plano aprovado prevê o pagamento integral do capital em dívida e juros vencidos, acrescido de juros vincendos.
D. Não há lugar a qualquer tipo de perdão, não há lugar a qualquer tipo de carência, sendo que sobre o montante em dívida vencem-se juros, E. e o prazo de pagamento, de 274 prestações, é inclusivamente inferior àquele que decorre dos contratos de empréstimo assinados com a referida credora, com base nos quais existe o presente crédito.
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Os contratos de empréstimo que sustentam o valor em dívida prevêem uma duração de trinta anos, sendo que até à presente data, em relação ao primeiro empréstimo terão decorrido 6 anos e meio e em relação ao segundo, 5 anos e meio, pelo que faltariam ainda 281 prestações no que diz respeito ao primeiro empréstimo e 294 em relação ao segundo, pelo que como se verifica o Plano, ao prever o reembolso em 274 prestações para ambos os empréstimos é mais favorável do que a situação que atualmente se verifica.
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Posto isto, o único ponto do Plano que é menos vantajoso para a credora do que o atualmente em vigor é a taxa de juro, sendo certo que salvo o elevado respeito, não se nos afigura que tal "pormenor" possa ser suficiente para conduzir à não homologação do Plano nos termos do art. 216° do CIRE.
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Ainda para mais quando tal facto é compensado pela diminuição do prazo de reembolso.
I. Sustenta a sentença ora em crise que o PEAP não pressupõe a recuperabilidade dos devedores, tendo este como finalidade única estabelecer a forma de pagamento aos credores, eliminando a possibilidade de recuperação dos devedores pessoas individuais.
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Ora, o PEAP pressupõe a recuperabilidade dos devedores, tendo como finalidade estabelecer uma forma de pagamento aos credores.
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Salvo o reiterado respeito, o processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir a recuperação e revitalização das pessoas singulares através da aprovação de um acordo de pagamento, que preveja uma reestruturação do seu passivo, evitando-se assim, a sua insolvência pessoal.
L. O processo especial para acordo de pagamento (PEAP) entrou em vigor em 1 de Julho de 2017, através do Decreto-Lei n. 79/2017, de 30 de Junho, que alterou profundamente o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
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Em face da redação anterior do CIRE havia dúvidas sobre se o processo especial de revitalização (PER) se aplicava ou não às pessoas singulares.
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Assim, o novo Decreto-Lei n. 79/2017, de 30 de Junho, veio esclarecer que o processo especial de revitalização (PER) se aplica apenas a empresas.
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Deste modo, surgiu a necessidade de criar um mecanismo que permitisse a recuperação e reestruturação das pessoas singulares, o processo especial para acordo de pagamento (PEAP).
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No próprio DL que criou o PEAP consta expressamente "apostou-se na credibilizaçao do processo especial de revitalização (PER) enquanto instrumento de recuperação, reforçou-se a transparência e a credibilizaçao do regime e desenhou-se um PER dirigido às empresas sem abandonar o formato para as pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes." - sublinhado nosso.
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Donde resulta que foi intenção clara de manter o formato de recuperação para as pessoas singulares.
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Não olvidemos que com a alteração legislativa, mesmo as pessoas singulares que exercem atividade comercial, como o aqui devedor, deixaram de puder utilizar o Processo Especial de Revitalização, pelo que a interpretação plasmada na sentença ora em crise que o PEAP não tinha como objetivo a recuperação do devedor, vedaria por completo tal possibilidade a todos os comerciantes que não exerçam a sua atividade através de empresa, o que manifestamente não foi o propósito do legislador.
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Assim sendo, e igualmente em relação a Processos Especiais para Acordos de Pagamento, terá que se atender à reforma operada pela Lei 16/2102, de 20/4, na qual o CIRE passou a ter como objetivo principal, a recuperação, a revitalização da empresa/devedores em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respetiva liquidação.
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Dando-se relevância à recuperação da devedora, em detrimento do anterior objetivo primordial, que era o de, em primeira linha, obter a satisfação dos direitos dos credores, por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora.
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Como refere Menezes Cordeiro, in "Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência", Themis, Ano XII, n. 22/23,2012, como linha inovadora da citada reforma surge "a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo ... a recuperação surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente." V. É no âmbito dos poderes de conformação do acordo de pagamento por parte da maioria dos credores da devedora em estado de pré-insolvência que surge a possibilidade, a título de exemplo, de perdoar ou reduzir do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionar o reembolso de créditos; modificar os prazos de vencimento e taxas de juros; constituir garantias e efetuar cessão de bens aos credores.
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Neste sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.
a Edição, Quid Júris, 2013...
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