Acórdão nº 348/19.0T8VNL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. A. M.

e mulher, O. C.

, residentes na Avenida …, em Vila Real (aqui Recorridos), propuseram processo especial para acordo de pagamento (com o concurso de respectivo credor – A. F., residente na Quinta …, Rua …, …, em Vila Real), pedindo que fosse promovida a sua tramitação.

Alegaram para o efeito, em síntese, serem casados entre si, encontrarem-se reformados (auferindo reformas respectivas de € 738,15 e de € 1.965,96), e possuírem diversas dívidas (num montante global bruto de € 428.356,81), resultantes de garantias pessoais prestadas a favor de um negócio de montagem de pneus que o Autor marido possuiu.

Alegaram ainda que, tendo as mesmas sido judicialmente exigidas (e visto penhoradas as suas reformas, bem como a casa onde habitam, único activo que possuem), e alcançado acordos com os respectivos credores, recearem agora não conseguir suportar por muito mais tempo o pagamento das respectivas prestações.

Por fim, alegaram que, encontrarem-se em situação económica difícil (que colocaria em perigo a sua capacidade para fazer face aos compromissos assumidos), não seria a mesma de pré-insolvência, existindo fortes perspectivas de conseguirem suprir as suas dificuldades económicas, nomeadamente por meio de um plano de recuperação, onde estariam aptos a reestruturar com sucesso as suas dívidas.

1.1.2.

Foi proferido despacho, nomeando administrador judicial provisório e ordenando a citação dos credores identificados e dos demais interessados, para que reclamassem eventuais créditos.

1.1.3.

Os Requerentes apresentaram um plano de pagamentos (que é fls. 160 a 165 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde nomeadamente se lê: «(…) 5.2.2. Créditos Garantidos A regularização da dívida ao Credor Garantido e relativamente ao seu crédito garantido deverá ocorrer da forma que de seguia se discrimina: . Pagamento de 100% dos valores em dívida (capital e juros vencidos), (…) em prestações iguais, mensais e sucessivas de 600 euros (amortizando capital e juros) cada, vencendo-se (…) a última no dia 30 de Novembro de 2025 (…) e de uma prestação bullet, em 31 de Dezembro de 2025 com o valor sobrante após contabilização das prestações pagas e acima definidas e o valor do crédito garantido reclamado.

. Manutenção das garantias prestadas nos exatos termos em que estas foram acordadas.

. Perdão de juros vincendos.

5.2.3. Créditos Comuns A regularização da dívida aos Credores Comuns deverá ocorrer da seguinte forma que de seguida se descrimina: . Perdão integral de juros vencidos (405.117,91 Euros) e vincendos; . Perdão de 97,5% do valor do capital em dívida (equivale a perdão de 861.183,87 Euros); . Estabelecimento de um período de carência de pagamento de capital e juros até 31 de dezembro de 2025, data em que se propõe terminar o pagamento do crédito garantido; . Pagamento de 2,5% do capital reclamado (o que equivale a 22.081,64 Euros) em 36 prestações mensais, sucessivas e postecipadas, de 613,38 Euros cada uma, vencendo-se a primeira em 31 de Janeiro de 2026 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, a ratear pelos credores comuns na proporção relativa e direta dos seus créditos.

(…)» 1.1.4.

O plano de pagamento foi objecto de votação, por quórum deliberativo de 95,08% do total dos créditos reconhecidos; e foi aprovado por 59,06% dos votos emitidos, todos correspondentes a créditos comuns.

1.1.5.

Foi proferida sentença, homologando o plano de pagamentos, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Homologo por sentença, nos termos do 222º-F nºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de acordo de pagamentos dos devedores A. M. e O. C.

, constante de fls. 160/167 (processo em papel).

*A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artº 222º-F, nº 8 do CIRE.

*Custas pelos devedores - arts. 222º-F, nº 9 e 302º nº 1, ambos do CIRE - sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do art. 301º do CIRE.

Registe, notifique e publicite nos termos dos arts. 37º e 38º, ex vi do art. 222º-F n.º 8, todos do CIRE.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a credora Caixa ..., S.A.

interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo procedesse.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): A) DA NULIDADE DA SENTENÇA 1.ª) Nos termos e tempo legalmente previstos, a Caixa ... manifestou a sua oposição ao acordo de pagamento apresentado e requereu a recusa da sua homologação, invocando três distintas ordens de razão: i) os devedores estão em situação de insolvência actual, pelo que lhes está vedado o uso de processo especial para acordo de pagamento, destinado apenas a quem esteja em situação económica difícil ou de iminência de insolvência; ii) o acordo de pagamento é violador do princípio par conditio creditorum, ínsito no art. 194º do CIRE, atenta a abismal diferença de tratamento entre os credores garantidos – com pagamento da totalidade do capital e juros vencidos – e os credores comuns – que serão ressarcidos de somente 2,5% do respetivo capital em dívida; iii) a situação da Caixa ... ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência daquele.

  1. ) Proferida a necessária decisão, a Meritíssima Juiz a quo julgou improcedente o pedido formulado pela Caixa ..., mas não se pronunciou sobre todos os argumentos ali invocados.

  2. ) Em concreto, não foi, de modo algum, apreciado o pedido na parte respeitante à impossibilidade de recurso a processo especial para acordo de pagamento por estarem os devedores, desde antes do início do presente processo, em situação de insolvência actual e efectiva, e não meramente iminente.

  3. ) Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC que é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

  4. ) Deve, pois, atento o exposto, ser declarada a nulidade da decisão de que ora se recorre.

    Sem prescindir, B) DAS ALEGAÇÕES 6.ª) São vários os motivos pelos quais a Caixa ... entende não ser o acordo de pagamento apresentado passível de homologação, começando desde logo por se constatar não estarem verificados os pressupostos para o recurso a processo especial para acordo de pagamento, dado que os devedores estão, e desde antes de iniciado este processo, em situação de insolvência actual.

    Vejamos: 7.ª) No que concretamente concerne aos créditos da Caixa ...: a) nos empréstimos, de natureza garantida (por força das hipotecas voluntárias constituídas pelos devedores sobre o seu único bem), identificados pelos n.ºs 00352115000592185 e 00352115000097085, as últimas prestações pagas datam do ido ano de 2011; b) nos empréstimos, de natureza comum, identificados pelos n.ºs 00359350090319384 e 00352115001706284, as últimas prestações pagas datam dos anos de 2011 e 2010, respectivamente; c) o saldo do cartão de crédito, de natureza comum, identificado pelo n.º 10010070844 encontra-se em dívida desde 2010; d) o saldo da conta de depósitos à ordem, igualmente de natureza comum, identificada pelo n.º 2115014171930 está em dívida desde 2014; e) e, finalmente, a última prestação paga no financiamento, também de natureza comum, contraído pela sociedade “X – Comércio de Pneus, Lda.”, de que os devedores são avalistas e identificado pelo n.º 00350615002148092, data de 2008.

  5. ) Significa isto que os devedores estão há vários anos a incumprir responsabilidades vencidas, facto que é extensível à generalidade dos seus credores.

  6. ) Nesta matéria cumpre realçar que, no passado, os devedores recorreram a processo especial de revitalização, o qual encerrou sem aprovação do plano ali apresentado e em que foram incluídos na competente lista, publicada em 19.05.2016, créditos no montante global de € 830.370,44 (oitocentos e trinta mil trezentos e setenta euros e quarenta e quatro cêntimos).

  7. ) Cotejado o teor da lista publicada no seio dos presentes autos (e comparando-a com aqueloutra lista), verifica-se que: - na lista a que alude o art. 222.º-D, n.º 3 do CIRE foram relacionados créditos no valor global de € 1.413.128,84 (um milhão quatrocentos e treze mil cento e vinte e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), o que implica um incremento, face à lista antecedente, de mais de € 580.000,00 (quinhentos e oitenta mil euros); - a esmagadora maioria dos credores que a ambas são comuns viram os seus créditos aumentar; - os créditos que surgem em ambas as listas apresentam valores de capital idênticos ou superiores na lista referente ao presente processo, donde, de lá para cá, nenhum pagamento foi efectuado; - atentos os valores dos juros relacionados é evidente que todos esses créditos estão em incumprimento.

  8. ) Fica, portanto, demonstrado com toda a saciedade que há muito os devedores ultrapassaram uma mera situação económica difícil ou de iminência de insolvência, estando, antes, em situação de insolvência actual.

  9. ) Facto que é ainda corroborado pelo conteúdo do acordo de pagamento apresentado, em que os devedores esclarecem que o seu património é unicamente composto pelo imóvel hipotecado em benefício da Caixa ..., aqui recorrente – anunciado para venda, em processo executivo, por € 85.000,00 -, e que os seus rendimentos provêm exclusivamente das pensões de reforma que auferem, no total de € 2.704,11, sendo que o devedor marido tem 74 anos de idade e a devedora mulher tem 69 anos de idade.

  10. ) Acresce que o proposto nesse acordo, quanto aos créditos garantidos (da Caixa ...) é o pagamento do capital e juros vencidos em prestações mensais, iguais e sucessivas, de € 600,00 até 30.NOV.2025 e uma última prestação...

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