Acórdão nº 207/22.0T8FND-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelEMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 207/22.0T8FND-B.C1 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra AA e BB, residentes na Rua ..., ... ..., recorreram ao processo especial de acordo de pagamento, a fim de estabelecerem negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento. Para o efeito alegaram que se encontravam em situação económica difícil, na medida em enfrentavam sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez e por não conseguirem obter crédito.

O requerimento foi recebido e foi nomeado administrador judicial provisório.

Findo o prazo das negociações, os devedores remeteram para o tribunal acordo de pagamento.

No decurso do prazo de votação do acordo, o Instituto da Segurança Social I.P. – Centro Distrital ... e a C..., S.A. solicitaram a não homologação do acordo.

Após a remessa ao tribunal do documento com o resultado da votação, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo recusou a homologação do acordo.

Os devedores não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição da decisão recorrida por decisão que homologasse o acordo de pagamento.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. O recurso tem por objecto a douta decisão de não homologação do acordo de pagamento apresentado pelos requerentes/devedores e versa matéria de direito.

  1. Tem fundamento na violação ou incorreta aplicação do disposto nos arts. 215.º e 216.º do CIRE (principalmente art. 215.º), ambos aplicáveis ex vi art. 222.º-F, n.º 5 do mesmo diploma, uma vez que, ao contrário do entendimento veiculado na decisão impugnada, não houve violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

  2. Os requerentes negociaram e apresentaram à votação proposta de acordo de pagamento das respetivas dívidas, totalizando estas o valor total de 7.564.439,06 eur.

  3. Da proposta de pagamento, os requerentes fizeram constar rendimentos mensais de 5.350,00 euros (sendo 4.750,00 euros correspondentes a rendimentos de trabalho e 600,00 euros resultantes de rendas) e património com o valor de aproximado de 312.339,26 euros (sendo 45.000,00 euros correspondentes aos imóveis que servem de morada de família).

  4. Como resulta do plano, os devedores nasceram em 1969 e 1972, contando 53 e 50 anos, sendo certo que o plano conta ser cumprido ao longo de 13 anos.

  5. O plano de regularização de dívida prevê pagamentos mensais de 5.009,10 euros, 5.231,47 euros e, no ano 13.º, 2.283,12 eur.

  6. Perante os dados financeiros do plano, é objectivamente impossível gerir a dívida dos requerentes numa perspectiva de pagamento total ou aproximado do total, o que significa que o objectivo de recuperação, no sentido de ser minimamente realista, se cumpre necessariamente mediante perdão de capital e juros, isto é, mediante sacrifício muito significativo dos credores.

  7. O plano apresentado não ofende o princípio da igualdade pela forma como trata de modo diferentes credores de classes diferentes até porque confere exactamente o mesmo tratamento a credores integrados em cada um dos grupos de credores públicos, credores garantidos e credores comuns.

  8. Mas também não ofende o princípio da proporcionalidade, ainda que imponha um perdão total de juros aos credores comuns, acrescido de perdão de 99% do capital.

  9. De acordo com o plano, os devedores procedem ao pagamento da quantia global de 778.061,07 euros.

  10. Assumindo um período de pagamento de cerca de 13 anos (ou 144 meses), este valor implica entregas mensais de 5.403,20 euros, ou seja, representa a cessão do limite das possibilidades dos requerentes/devedores, quando confrontados os respectivos rendimentos, pouco superiores a 5.000,00 euros.

  11. Os devedores abdicam da totalidade dos respectivos rendimentos mensais ao longo do período de cumprimento do acordo.

  12. O princípio da proporcionalidade não é colocado em causa se se conclui (i) que o sacrifício dos devedores é também muitíssimo relevante (de tal modo que o sacrifício dos credores comuns não é “caprichoso” ou fútil), (ii) que não há solução alternativa susceptível de conduzir à recuperação dos devedores e (iii) que no cenário alternativo da liquidação dos activos a posição dos credores comuns seria ainda mais sacrificada.

  13. O processo especial para acordo de pagamento visa proporcionar a recuperação económica do devedor, assumindo a necessidade de colaboração dos credores que partilham, com o sacrifício do seu interesse colectivo/interesses individuais o alcançar desse objectivo.

  14. Nisso se traduz o designado princípio da prioridade na recuperação económica do devedor.

  15. In casu, a recuperação dos devedores não seria possível se se assumisse o compromisso de pagamento de uma parcela significativa dos créditos comuns, considerando que o desiderato, até à luz da perspetiva de recuperação, é fazer assentar o cumprimento do acordo nos rendimentos mensalmente auferidos pelos devedores.

  16. No cumprimento do plano os devedores, actualmente com cerca de 50 anos, colocam à disposição dos credores o valor limite de todos os seus rendimentos ao longo de um período que se considera razoável, ou seja, 13 anos.

  17. Por outro lado, no cenário da liquidação dos activos em processo de insolvência, a comparação do valor de mercado dos bens dos devedores com o quantitativo de dívidas patenteado no processo, tornam absolutamente seguro que os credores comuns não receberiam qualquer valor e que aquele que lhes estaria destinado seria afectado ao pagamento dos próprios encargos da acção.

  18. Finalmente, é relevante que o plano tenha obtido o consentimento (mediante apresentação de voto favorável) do credor quantitativamente mais relevante de entre os comuns, ou seja, de entre os mais expostos aos sacrifícios exigidos pelo plano.

    A C..., S.A. respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

    * Síntese das questões suscitadas pelo recurso Saber se, ao recusar oficiosamente a homologação do acordo, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE.

    * Não tendo havido impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença recorrida: 1. Foram reconhecidos créditos num valor total de € 7.564.439,06 assim discriminados: · Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor global de 865.872,01 Euros, classificados como comuns; · B..., S.A., no valor de 46.300,71 Euros, classificado como comum; · D..., CRL, no valor global de 523.451,32 Euros, dos quais, 495.207,45 Euros classificados como comuns e 28.243,87 Euros classificados como garantidos; · C..., S.A., no valor global de 1.380.579,60 Euros, dos quais 1.313.031,27 Euros classificados como comuns e 67.548,33 Euros classificados como garantidos; · Instituto da Segurança Social, I.P., no valor global de 198.608,97 Euros, dos quais 26.687,88 Euros classificado como privilegiado, 1.965,51 Euros como comum e 169.955,58 Euros classificado como garantido por hipotecas legais constituídas sobre os prédios: a) Prédio rústico descrito na conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o n.º ...01, registada a favor da credora pela ap. n.º ...81, de 2017/04/10, para garantia de 30.807,02 Euros; b) Prédio urbano descrito na conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o n.º ...09, registada a favor da credora pela ap. ...37, de 2012/08/17, para garantia de 139.148,56 Euros e ap. n.º ...81 de 2017/04/10 para garantia de 30.807,02 Euros; c) Prédio urbano descrito na conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o n.º ...9, registada a favor da credora pela ap. n.º ...74, de 2012/08/16, para garantia de 139.148,56 Euros e ap. n.º ...81, de 2017/04/10, para garantia de 30.807,02 Euros; · I..., Inc., no valor de 4.536.799,84 Euros, classificado como comum; · U..., S.A., no valor de 12.826,61 Euros, classificado como comum.

  19. No acordo de pagamento consta, além do mais: · Que o requerente AA é colaborador do restaurante que opera sobre o nome comercial “...” sob a exploração de CC, NIF: ..., com contrato de trabalho, termo incerto, exercendo funções de “chefe de sala”, auferindo um salário mensal de 1.500,00€. Aufere ainda uma renda mensal de 300,00€, referente à cessão de exploração do referido restaurante e uma renda de igual montante referente à cessão de exploração do posto de combustível a M... Lda. Exerce ainda funções de mecânico na sociedade L..., Unipessoal, Lda., com o NIF ..., auferindo um salário médio mensal de 1.250,00€.

    · Que BB exerce funções de ... da sociedade L..., Unipessoal, Lda., com o NIF ..., auferindo um salário médio mensal de 2.000,00€.

    · Que os requerentes são proprietários dos bens e direitos a seguir identificados: a) Prédio urbano sito no lugar de ... (…) descrito na conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...75...…) com valor patrimonial tributário de 17.659,43€, onerado com uma hipoteca Voluntária a favor da C..., S.A. (…) b) Prédio urbano sito no Lugar ... (…) descrito na conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...74...…) com valor patrimonial tributário de 67.091,50€, onerado com Hipoteca Voluntária a favor da C..., S.A. (…). Os prédios urbanos acima descritos foram avaliados conjuntamente, por perito avaliador inscrito na CMVM, da qual resultou um valor de mercado no estado atual de 214.000,00€ e que se considera aqui integralmente reproduzido (…) c) Prédio urbano sito no Lugar ... (…) descrito na conservatória do Registo...

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