Acórdão nº 3076/03.5TVPRT-H.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. Nos presentes autos, foi proferido o seguinte despacho: «No já longínquo dia 30 de Maio de 2003 os autores AA, BB, e CC intentaram a presente acção declarativa, então sob a forma ordinária, sendo réus DD e EE.

O fundamento da acção é simples de relatar - invocando a qualidade de filhos do falecido FF, afirmam que este em vida constituiu determinada sociedade (de seu nome "GG - Laboratório de Anatomia Patológica, SA"), de cujo capital social era proprietário quase exclusivo, apesar de, por na altura estar em litígio judicial com a sua então ainda esposa, ter solicitado à aqui ré DD que formalmente detivesse em seu nome a participação que verdadeiramente pertencia ao FF.

Afirmaram que a ré DD, à data do falecimento do FF, verdadeiramente não era titular de mais de 100 acções da sociedade "GG - Laboratório de Anatomia Patológica, SA", e que a mesma ré tem recusado reconhecer o direito dos herdeiros à titularidade das ditas acções.

A acrescer, alegaram que os réus se apropriaram da quantia total de € 204 507,12, pertença do mesmo FF, cuja restituição à herança pretendem.

Esta quantia teria estado depositada na conta bancária do então "Banco HH" com o n° 3…06, da qual os réus alegadamente teriam utilizado € 73 822,08, e reteriam ainda € 130 685,04 (cfr artigos 86° a 91° da petição inicial).

Concluíram pedindo o reconhecimento dos direitos da herança sobre os ditos títulos, a anulação de eventuais deliberações sociais que tenham sido tomadas após o falecimento do FF, e a condenação dos réus a restituírem à herança a quantia global de € 204 507,12, acrescida de juros moratórios.

Na sua contestação os réus, após arguirem a ilegitimidade processual activa dos autores, a incompetência absoluta do tribunal quanto a um dos pedidos, a cumulação ilegal de pedidos e a ilegitimidade processual passiva dos réus, limitaram-se a pedir a improcedência do pedido dos autores, defendendo a sua titularidade das acções a que os autores se referem e negando a apropriação de dinheiros alheios.

Na sua réplica, os autores, em súmula, à cautela vieram requerer a redução do pedido, manifestando intenção de excluir da acção o pedido de declaração de nulidade de deliberações sociais, e requereram a intervenção principal provocada activa de II e JJ.

Admitido que foi o chamamento, as intervenientes apresentaram articulado autónomo, que foi mandado desentranhar por extemporâneo (cfr fls 234).

Foi proferido despacho saneador que, no que para o caso releva, admitiu a redução do pedido na réplica declarada pelos autores, julgou prejudicada as excepções dilatórias de ilegitimidade processual, e improcedentes as restantes excepções dilatórias.

Instruída a causa, foi em primeira instância proferida sentença que a) declarou a herança indivisa de FF exclusiva proprietária de 8400 acções, no valor nominal unitário de € 4,99, da sociedade "GG - Laboratório de Anatomia Patológica, SA"; determinou a entrega à mesma herança indivisa dos títulos emitidos com referência à sociedade "GG - Laboratório de Anatomia Patológica, SA"; e condenou os réus a restituírem ainda à mesma herança a quantia de € 130 685,04, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 14 de Outubro de 2001.

Interposto recurso pelos réus, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença proferida em 1ª instância.

Novamente não se conformando com o decidido, os réus interpuseram revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que a negou.

Tendo os réus ainda questionado a conformidade constitucional de determinada interpretação/entendimento, que consideraram ter sido deixado expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto ao sentido e alcance dos artigos 577°, 578° e 580°, todos do Código de Processo Civil, pelo Tribunal Constitucional foi decidido não conhecer do recurso.

Já de regresso a este tribunal, os réus vieram requerer a apreciação da existência de caso julgado, concretamente entre a decisão proferida no presente processo e o decidido no âmbito da acção n° 1999/04.3TVPRT (questão que, verdade seja dita, já anteriormente haviam suscitado no processo, além do mais nas alegações do recurso que interpuseram da sentença proferida em 1a instância), pretensão que inicialmente mereceu a decisão prolatada a fls 4446 (indeferindo a apreciação pretendida), decisão que veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação do Porto (no âmbito do apenso E), expressamente determinando a prolação de decisão que conheça da eventual existência de contradição entre a decisão final proferida nestes autos e a proferida no âmbito do processo n° 1999/04.3TVPRT, decisão que pelo Supremo Tribunal de Justiça foi mantida em recurso de revista na matéria interposto pelos autores.

Ora, como linearmente resulta de fls 4506 e ss, a acção n° 1999/04.3TVPRT foi intentada pela aqui interveniente II, na qualidade de cabeça-de-casal da herança deixada por óbito de FF, contra os aqui réus, a qual, afirmando que os aqui réus mantinham na sua posse valores em títulos e dinheiro pertença da dita herança, depositados nas contas do então "Banco HH" n° 3…06 e n° 3…36, pretendeu a condenação dos réus a restituírem os títulos e valores nessas contas depositados.

Na dita acção n° 1999/04.3TVPRT a II e os réus acabaram por transigir, reconhecendo os réus àquela o direito à administração dos valores depositados nas contas bancárias n° 38…06 e n° 38…36 do agora "Banco KK, S.A.", à data em que nesse processo foi decretado o arrolamento, dando ordem a esta instituição para transferência de tais valores para conta bancária titulada pela ali autora, II, que identificam.

A transacção foi homologada por decisão transitada em julgado, proferida a 26 de Novembro de 2004.

Escusado seria dizê-lo, as excepções de litispendência e de caso julgado antes de mais visam impedir a prolação de 2 decisões sobre a mesma questão.

E a força do caso julgado manifesta-se em 2 vertentes: por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada [excepção dilatória (ou efeito negativo) do caso julgado]; por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adoptada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie [autoridade (ou efeito positivo) do caso julgado].

Na sequência, o artigo 625° do Código de Processo Civil regula quanto à existência de decisões de mérito contraditórias sobre a mesma questão jurídica, proferidas no âmbito de processos diversos, ambas insusceptíveis de recurso ordinário.

Contradição que, pelo menos, se deverá traduzir na existência de comandos com conteúdo não conciliável no segmento decisório das sentenças proferidas - ou seja, devemos estar perante "(...) decisões não conciliáveis nos seus próprios termos, quanto ao seu próprio objecto" (acórdão do STJ de 24 de Outubro de 2002, disponível em www.dgsi.jsti.pt/).

No caso não parece oferecer dúvida que a presente acção e a que correu termos sob o n° 1999/04.3TVPRT possuíram objecto parcialmente sobreposto - concretamente a matéria relativa à titularidade dos valores depositados na conta bancária do então "Banco HH" n° 3…06.

Em ambas acções a qualidade jurídica dos sujeitos intervenientes foi indiscutivelmente idêntica - na presente acção assumiram a posição de autores alguns dos herdeiros do falecido FF, em representação desta herança demandando as pessoas físicas que igualmente assumiram a qualidade de réus na acção n° 1999/04.3TVPRT.

Esta última foi intentada, como se disse, pela II, na qualidade de cabeça-de-casal da herança deixada pelo falecido FF.

A mesma II que, precisamente porque interessada na herança do dito FF, foi chamada a intervir como parte principal na presente acção.

Mas o que ao signatário surge absolutamente surpreendente é a manifesta falta de fundamento do alegado pelos aqui réus no seu requerimento de fls 4292 a 4299 pelo simples motivo de ... inexistir qualquer contradição entre o decidido nas 2 acções!!.

É que na acção que correu termos sob o n° 1999/04.3TVPRT, por transacção, foi reconhecida a pertença dos valores depositados na conta bancária n° 3…06 (hoje do "Banco KK, S.A.") à herança do falecido FF, por referência à data do decretamento do arrolamento no mesmo processo n° 1999/04.3TVPRT, reconhecimento que, como se disse, igualmente teve lugar no âmbito dos presentes autos (com a pequena especialidade de nesta acção se liquidar em € 130 685,04 o valor a restituir).

Ou seja, a existência de casos julgados contraditórios, realidade a que se refere a norma consagrada no actual artigo 625° do Código de Processo Civil (norma em absoluto equivalente ao artigo 675° do regime processual civil anterior à reforma), e pressuposto da sua aplicação, simplesmente não se verifica.

O requerido a fls 4229 manifestamente não possui fundamento.

** * Pelo exposto, pela manifesta inexistência de qualquer contradição entre o conteúdo material da decisão final proferida no âmbito destes autos e o conteúdo material da decisão final proferida no âmbito da acção declarativa que correu termos sob o n° 1999/04.3TVPRT, indefiro o requerido a fls 4229.

Custas do incidente pelos réus, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs - artigo 527° do Código de Processo Civil e artigo 7º e tabela II do regulamento das custas processuais.».

  1. Inconformados com esta decisão, dela apelaram a DD e marido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 18.12.2018, julgou totalmente improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. 3. Inconformados de novo com esta decisão, vieram DD e marido interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações cm as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1.ª - Na parte da condenação no pagamento de 130.685,04 euros, a sentença transitada em julgado e proferida no processo principal com o n.º 3076/03.5 TVPRT e a sentença homologatória da transação efetuada no processo 1999/04.3TVPRT da … Secção da extinta … Vara Cível dizem respeito à mesma pretensão dos autores em ambos os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT