Acórdão nº 2128/16.6T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | BERNARDO DOMINGOS |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL * Relatório[1] AA e esposa BB; CC e esposa DD; e EE, intentaram a presente acção de condenação contra a Ré, FF, S.A., «alegando, em síntese, que são proprietários de um prédio cujo rés-do-chão foi dado de arrendamento, há mais de 30 anos, à empresa «GG, S.A..», para o exercício da sua atividade de transportes, sociedade esta que, mediante fusão, foi incorporada na Ré.
Que a Ré não aceitou a proposta de transição do contrato de arrendamento para o NRAU segundo proposta dos Autores, datada de 16 de janeiro de 2013, e denunciou o dito contrato, por carta de 8 de fevereiro de 2013 e entregou o locado aos Autores em 7 de maio de 2013.
Os Autores alegam que o locado foi entregue em elevado estado de degradação, exclusivamente causado pela Ré após a incorporação da sociedade acima mencionada, danos cuja reparação ascende a €39.729,95.
Acresce que por causa do estado em que se encontra o imóvel os Autores não o puderam arrendar e tiveram de recusar propostas de renda anual que ultrapassavam os €24.000,00, dano este que ascende na data da interposição da ação a €70.000,00.
Com estes fundamentos concluíram pedindo a condenação da Ré no seguinte: 1. A reparar o imóvel nos termos referidos no art. 19.º da PI, sob o acompanhamento de um técnico indicado pelos Autores, no prazo máximo de 90 dias após o trânsito em julgado da presente ação, ou a pagar a estes a quantia de €39.729,95, acrescida de juros legais vincendos a partir da citação até integral pagamento; 2. A pagar aos Autores a quantia de €70.000,00, a título de lucro cessante já apurado, e ainda nas rendas futuras, a liquidar em sede de incidente de liquidação, que os AA. deixarão de receber até que a reparação do r/ch do prédio se encontre finalizada, e a dita fração pronta a arrendar.
A Ré contestou referindo que até 30 de março 2013 os Autores designadamente através do 3.º A., sempre mantiveram uma relação efetiva com o locado, enquanto procurador e administrador da arrendatária, sabendo do estado em que se encontrava o locado, tendo intentado a presente ação devido à denúncia do contrato operada pela Ré, que se manteve no local cerca de 5 anos, nunca tendo os Autores alertado para qualquer deficiência nas condições de conservação do imóvel.
Após a entrega do locado, e na sequência de reclamação oral do 3.º R., a Ré mandou efetuar uma peritagem ao local, que concluiu que a maioria das patologias encontradas não estão associadas a má utilização do edifício pela Ré, tendo esta assumido perante os Autores a obrigação de proceder às reparações referidas no art. 46.º da contestação, no valor de € 2.700,00, mas os Autores recusaram aceitar.
Acrescentou que os Autores, ao longo das décadas de utilização para o mesmo fim do imóvel, nunca procederam a quaisquer obras de conservação, designadamente para eliminação das infiltrações e conservação da fachada.
E que não lhes é imputável o não arrendamento do imóvel, quer pelas razões invocadas, quer por não ser responsável pelos quase 3 anos que os Autores demoraram em intentar a presente ação e reclamar tal dano, quer ainda por poderem os Autores ter procedido à reparação, de forma a não incorrerem em tal prejuízo.
Concluem pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente e os Autores condenados como litigantes de má fé No final foi proferida a seguinte decisão: «Na parcial procedência da acção, condenar a R. a pagar aos AA. o montante necessário à execução das reparações dos danos descritos nos pontos 10 e 13 dos factos provados, cujo valor se liquida, provisoriamente, em €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, relegando-se para liquidação o apuramento do valor concreto das mesmas reparações, fixado no referido mínimo, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC.
Absolve-se a R. do restante peticionado pelos AA.
Custas por AA. e Ré, na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e notifique».
* Inconformados apelaram para a Relação de Coimbra, impugnando a decisão de facto e de direito. A relação, concedeu parcial provimento ao recurso tendo aditado à condenação da 1ª instância a condenação em indemnização pela «supressão das manchas de óleo no pavimento e reconstituição das portas de modo a que fiquem completas, a liquidar também posteriormente nos termos que constam da sentença».
Mais uma vez inconformados, vieram os AA., interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões « I - Do disposto nos artigos 1043º, n.ºs 1 e 2, e 1044º, ambos do C.C., resulta, por um lado, a obrigação do locatário de executar actos de manutenção sobre a coisa locada e, por outro, uma dupla presunção legal; uma referente ao início da locação, ao momento da entrega da coisa, e outra após o seu termo, no momento da sua restituição ao locador.
II - Na decorrência dessa presunções, é à R. que compete demonstrar que o locado não lhe foi entregue em bom estado de conservação, competindo-lhe, igualmente, provar que os danos e deteriorações existentes no contrato, e findo o mesmo, não resultaram de causa que lhe seja Imputável.
III - Os danos produzidos no prédio dos autos resultaram, do não cumprimento, por parte da incorporada da R., das obrigações típicas que caracterizam e integram o conteúdo da relação contratual, consubstanciada no contrato de arrendamento que lhe proporcionou o uso e fruição desse prédio, designadamente, as prevista no citado artigo 1043º, n.º 1 do C.C..
IV - Tais danos situam-se, assim, no âmbito do perímetro do contrato, pelo que, também, por isso, sempre competiria à R. provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua, nos termos do artigo 798º do C.C..
V - Devem ter-se por compreendidos no conteúdo da relação contratual os deveres de cuidado adequados a evitar os danos pessoais ou patrimoniais susceptíveis de serem produzidos por qualquer actividade ou execução dessa actividade.
VI - A conduta da R., traduzida na entrega do prédio dos autos, - de que a sua incorporada foi arrendatário e que, por isso, esteve sob o seu domínio material -, revela nada ter feito no sentido de os evitar, em afronta ao dito princípio de boa-fé, que subjaz e enforma toda a ordem jurídica obrigacional e modela a conduta das partes contratuais, desde os preliminares do negócio até à sua extinção, passando peia sua conclusão e execução.
VII - A natureza e as características da actividade exercida no locado pela R., e dos meios utilizados nesse exercício, por meio da sua incorporada, em seu exclusivo benefício e proveito, justificavam, claramente, o cumprimento a seu cargo de especiais deveres de vigilância, de cuidado, manutenção e conservação, sendo, também por isso, ilícita e censurável a sua conduta e manifestamente contrária à que normativamente se lhe impunha e à razoavelmente exigida nas circunstâncias concretas em que usou e fruiu o locado, sendo totalmente reprovável, mesmo à luz dos menos exigentes padrões éticos por que se deveria nortear.
VIII - A fissuração constatada no pano exterior da parede do alçado principal deve ser imputada à R, na medida em que, recaindo sobre a R. o encargo da prova, em caso de dúvida, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova, nos termos do artigo 3469 do C.C..
IX - A utilização de um bem realiza-se através de um variado número de actos materiais sobre ele exercidos que se reconduzem a um comportamento global.
X - A qualificação terá que resultar da avaliação do comportamento, em si mesmo considerado na sua exterioridade, e não pela natureza e características (dos) danos produzidos por esse comportamento.
XI - Da matéria de facto apurada não resulta qualquer materialidade, já que nem sequer foi alegada, da qual se pudesse inferir em que termos se processou o uso e fruição do locado, pelo que se afigura insustentável, por inexistência de base factual, atribuir-se qualquer dos produzidos no locado a um uso prudente por parte da R.
XII - O que o quadro material sugere é que a actuação da R. se revelou manifestamente imprudente, já que não realizou, como lhe competia, quaisquer actos conservatórios do locado, especialmente exigidos no caso concreto, considerando a natureza da actividade desenvolvida, por forma a dar cumprimento à obrigação no n.º l do artigo 10439 do C.C..
XIII - É sobre a R. que impende a responsabilidade de reparar os danos decorrentes da sua actuação sobre o imóvel, especialmente quando essa actuação, considerando a sua natureza e os meios utilizados, em seu exclusivo benefício e proveito, ser adequada a produzi-los e a infligir-lhe um acentuado desgaste, a responsabilidade da sua reparação impende sobre os ora recorrentes, eximindo-se, consequentemente, da responsabilidade o agente que os produziu, nos termos dos artigos 1043º, n.º 1 e 403º nº 2, ambos do C.C.
XIV - Assentamentos diferenciais produzidos pela actuação da R. constituem um dano no prédio dos ora recorrentes, devendo, consequentemente, ser a R. responsabilizada pela sua reparação.
XV - Essa actuação provocou alteração na situação do prédio dos ora recorridos violando, desse modo, o seu direito, juridicamente tutelado, à integridade do imóvel e, portanto, a recebê-lo isento de assentamentos diferenciais ou a serem ressarcidos por quem ilicitamente os gerou.
XVI - Esta alteração afigurou-se suficientemente relevante para o perito, já que da mesma deu nota no seu relatório, tendo o douto tribunal de 2ª instância integrado tal facto nos factos considerados assentes.
XVII - O desconhecimento do significado do termo da expressão " assentamentos diferencias " não poderia exonerar a R. da sua responsabilidade, já que, a dúvida manifestada pelo douto Acórdão ora impugnado não recaí sobre o próprio facto, mas sim sobre se o mesmo constitui, ou não constitui, um dano.
XVIII - Perante essa dúvida, tendo em vista ser o fim último do processo, a justa composição do litígio que constitui...
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