Acórdão nº 397/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Claudio Monteiro
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 397/2019

Processo n.º 78/17

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Cláudio Monteiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

1. Nestes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., Lda. interpôs recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. A aqui recorrente, na qualidade de arguida em processo contra-ordenacional, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Agência Portuguesa do Ambiente, que lhe aplicou a coima de € 38.500,00, pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.

Por decisão de 4 de maio de 2016 da Secção Criminal da Instância Local de Almada, foi confirmada a condenação contra-ordenacional proferida pela autoridade administrativa, tendo, porém, o valor da coima sido reduzido para €12.000,00, por efeito, por um lado, da aplicação de regime concretamente mais favorável, atenta a alteração da lei incidente sobre as molduras abstractas da coima, e, por outro lado, por aplicação da atenuação especial da coima, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

Inconformada, a arguida interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 20 de dezembro de 2016, negado provimento ao mesmo, confirmando a decisão recorrida.

É este último acórdão que consubstancia a decisão recorrida, no âmbito do presente recurso de constitucionalidade.

3. A recorrente delimita o objecto do recurso, no respectivo requerimento de interposição, nos seguintes termos:

“(...) a inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade consignado no artigo 18.º da Constituição, da norma constante do art.º 81.º/3/a do Dec.Lei n.º 226 A/2007, de 31 de maio, quando prevê que a mera utilização não titulada de recursos hídricos, incluindo terrenos, independentemente de quaisquer danos ambientais, constitui contraordenação ambiental muito grave”

4. Notificada para apresentar alegações, a recorrente conclui, nos termos seguintes:

«1ª) A recorrente é titular do equipamento (estabelecimento de restauração e bebidas) com funções de apoio e da correspondente licença de concessão balnear, consistindo a infração na colocação de espreguiçadeiras e toldos no areal fora da área licenciada para o efeito.

2ª) Foi precisamente no âmbito da sua actividade privada empresarial de exploração do seu equipamento com funções de apoio de praia e da respectiva concessão balnear, ambas utilizações do domínio público hídrico tituladas de acordo com a legislação aplicável, que a recorrente, por negligência, colocou espreguiçadeiras e toldos no areal fora da área licenciada para o efeito.

3ª) E com fundamento na circunstância dessa área não estar compreendida no respetivo título de utilização dos recursos hídricos (in casu terrenos dominiais) a recorrente foi condenada, por falta de título de utilização dos recursos hídricos, pela práctica de uma contra-ordenação ambiental muito grave prevista no citado artº 81º/3/a do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (punível nos termos do artº 22º/4/b da Lei n.º 50/2006, na versão introduzida pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto) na coima mínima de € 24.000, a qual foi especialmente atenuada e reduzida para € 12.000.

4º) De acordo com o art.º 204.º da CRP “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados”.

5ª) No caso vertente estão em colisão o direito ao ambiente (cfr. artº 66º/1 da CRP) versus o direito de iniciativa privada (cfr. artº 61º/a da CRP).

6ª) O núcleo essencial do direito ao ambiente é a garantia de um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, o qual não é afectado pela mera utilização não titulada de recursos hídricos, incluindo terrenos, sem produção de quaisquer danos ambientais.

7ª) Enquanto que o conteúdo essencial do direito de iniciativa privada previsto no artº 61º/1 da CRP é atingido de forma desproporcionada quando a lei prevê no artº 81º/3/a do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, que a mera utilização não titulada de recursos hídricos, incluindo terrenos, independentemente de quaisquer danos ambientais, constitui contraordenação ambiental muito grave, cuja coima é no montante mínimo de €24.000.

8ª) Isto sendo certo que, no caso vertente, a utilização não titulada de terrenos do domínio público hídrico não causou quaisquer danos ambientais, conforme ficou provado na sentença proferida em 1.ª instância.

9º) E, por isso, a aplicação à recorrente de uma coima, ainda que reduzida a metade por via de atenuação especial, de €12.000 é manifestamente desproporcional tendo em conta que o valor que o legislador quis proteger ao instituir a obrigação de que todo o utilizador de recursos hídricos esteja titulado, autorizado e licenciado nessa utilização, não foi minimamente afectado, dada a ausência de produção de quaisquer danos no ambiente.

10ª) A norma ínsita no artº 81º/3/a do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, segundo a interpretação normativa que lhe foi conferida pelo tribunal de 1ª instância e sufragada pelo recorrido acórdão da Relação de Lisboa é assim inconstitucional por violação do principio da proporcionalidade com assento no artº 18º da CRP.»

5. O Ministério Público igualmente apresentou alegações, defendendo, relativamente à delimitação do objecto do recurso, que a questão de constitucionalidade incide sobretudo no montante mínimo da coima e não na mera qualificação da infracção respectiva como contra-ordenação muito grave, enquanto questão autónoma desligada da fixação legal do montante da sanção. Acrescenta, em abono da sua tese, que a recorrente, apesar de não incluir o artigo 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, que fixa o valor da coima aplicável, na delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade, alude a tal preceito quer no requerimento de interposição respectivo, quer na peça processual em que cumpre o ónus de suscitação prévia previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, ou seja, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação.

Em conformidade, conclui o Ministério Público que deve considerar-se que o objecto do recurso corresponde à questão de constitucionalidade da norma do artigo 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na medida em que prevê o montante de € 24.000,00 como coima mínima aplicável às pessoas colectivas que, com negligência, pratiquem a contra-ordenação prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-lei n.º 226-a/2007, de 31 de maio, qualificada como muito grave.

No tocante ao mérito do recurso, o Ministério Público conclui nos termos seguintes:

«1. Numa jurisprudência uniforme e constante, o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de conformação, na...

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