Acórdão nº 372/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 372/2019

Processo n.º 417/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 13 de março de 2019.

O arguido foi condenado em 1.ª instância como coautor de um crime de exploração de jogo ilícito, p. e p. pelo disposto, conjugadamente, nos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e subordinada à observância de determinadas condições (cf. a fl. 8 dos autos).

O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe concedeu provimento parcial, alterando a pena para 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução e subordinada à observância de condições mais brandas (cf. a fl. 22 dos autos). O arguido recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido não admitir o recurso, por despacho de 5 de fevereiro de 2019, com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP). O arguido reclamou desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, que a indeferiu, por decisão de 13 de março de 2019, com fundamento no disposto no mesmo preceito do CPP.

2. A referida decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de março de 2019 apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de dezembro de 2018, foi concedido parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A., condenando-o corno coautor de um crime de exploração de jogo ilícito, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, alínea g), do mesmo diploma legal, com as alterações introduzi das pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição de nesse prazo entregar € 500,00 na … e € 500,00 na B. e na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 15,00, perfazendo o total de € 1.050,00.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O recurso não foi admitido com fundamento nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.

3. O recorrente apresentou reclamação nos termos do artigo 405.º do CPP.

Diz em síntese:

- Em caso de não admissão do recurso fica desprovido de qualquer meio legal de defesa contra a inconstitucionalidade verificada no acórdão da Relação, no que respeita à interpretação efetivada das normas contidas nos artigos 43.º, 50.º e 58.º do CP.

- O seu direito ao recurso para o Tribunal Constitucional no que se refere à inconstitucionalidade verificada no acórdão da Relação pode ficar precludido, por não estarmos perante uma inconstitucionalidade já anteriormente julgada por aquele Tribunal e, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, poderá não ser tomado conhecimento do recurso.

- A inconstitucionalidade verificada no próprio acórdão da Relação tinha forçosamente que ser suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça.

- Não sendo o recurso admitido será de questionar a constitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, na medida em que, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do recurso, na parte respeitante a uma eventual inconstitucionalidade verificada no acórdão objeto de recurso, viola o artigo 32.º da CRP.

4. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre "de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º".

E deste preceito destaca-se a alínea e) do n.º 1 que consagra a irrecorribilidade dos "acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos".»

3. O arguido interpôs então recurso de constitucionalidade, o que fez nos seguintes termos:

«[O]s arts. 400º, n.º 1, al. e) e 432º, n.º 1, al. b) do C.P.Penal foram interpretados de forma inconstitucional na decisão da reclamação apresentada, na medida em que, e conforme referido nessa reclamação, a interpretação dos mesmos no sentido da não admissibilidade do recurso interposto na parte respeitante a uma eventual Inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto, sempre viola o direito do ora Reclamante ao recurso, direito esse constitucionalmente consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

Porquanto, por não estarmos perante uma qualquer Inconstitucionalidade já anteriormente julgada por este Egrégio Tribunal Constitucional, essa não admissão de recurso sempre poderá redundar numa recusa, por parte deste Egrégio Tribunal, em tomar conhecimento do seu recurso no que a tal matéria respeita, caso V. Exas. sejam de entender não haver tal Inconstitucionalidade sido suscitada, de forma formalmente válida, durante o processo, tendo-se colocando assim em "xeque", desde logo o preceituado no art. 205º da C.R.P. e, o direito do Recorrente de vir perante este Egrégio Tribunal Constitucional discutir, via recurso próprio para o efeito, a constitucionalidade de um Acórdão condenatório e atentatório da sua liberdade pessoal e enquanto cidadão.

E porque o recurso é próprio e está em tempo, requer-se a V. Exas. se dignem admiti-lo.»

4. Através da Decisão Sumária n.º 341/2019, decidiu-se indeferir-se o recurso, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, nos termos do qual o relator prefere decisão daquela natureza se a questão em apreço se demonstrar «simples». Foi a seguinte a fundamentação exposta na referida decisão sumária:

«4. O presente recurso diz respeito à norma decorrente do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, nos termos da qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos. Entende o recorrente que esta norma é inconstitucional na medida em que não admite o recurso, «na parte respeitante a uma eventual Inconstitucionalidade verificada no Acórdão objeto», de um acórdão da relação que aplique pena não privativa da liberdade, uma vez que «viola o direito do ora Reclamante ao recurso, direito esse constitucionalmente consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa».

5. A questão que constitui objeto do presente recurso constitui, na verdade, uma questão «simples» para efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. A improcedência da pretensão em apreço decorre com clareza da jurisprudência já prolatada pelo Tribunal Constitucional sobre a temática da irrecorribilidade de determinadas decisões em matéria penal, de que em seguida se dá conta.

5.1. Deve desde logo atentar-se nos Acórdãos n.º 101/2018, n.º 804/2017 e n.º 357/2017, todos prolatados no sentido da não inconstitucionalidade. No último Acórdão referido, este Tribunal afirmou:

«4. A norma que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida foi já objeto de vários arestos proferidos pelo Tribunal Constitucional, que têm afirmado que a garantia de recurso e demais garantias de defesa constantes do art. 32.º da CRP se bastam com a garantia de um grau – e não dois – de recurso (ver, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 189/2001, 336/2001, 369/2001, 49/2003, 377/2003, 495/2003 e 102/2004, disponíveis, assim como a restante jurisprudência constitucional citada, em http://www.tribunalconstitucional.pt). Mais especificamente quanto à irrecorribilidade decorrente da alínea e) do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veja-se o que o Tribunal Constitucional decidiu nos Acórdãos n.º 276/2015, 516/2015 e 418/2016.

De facto, tem sido repetidamente afirmado, pela jurisprudência deste Tribunal, a este propósito, caber na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do STJ, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada. Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03)» (cfr. Acórdão n.º 551/2009, n.º 7).

5. No que ao presente caso respeita, importa reiterar essa jurisprudência sedimentada. De facto, a mesma não é invalidada, no presente contexto, pelo Acórdão n.º 429/2016, o qual julgou inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, resultante da revisão introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que...

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