Acórdão nº 473/16.0JAPDL.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelTERESA FÉRIA
Data da Resolução12 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Por Acórdão proferido nestes Autos, foi julgada parcialmente provada e procedente a Acusação pública que imputava ao Arguido MSC a autoria material de e em concurso real, de um crime de violação agravada, dos artigos 164° n° 1 al. a) e 177° n° 6, de um crime de pornografia de menores na forma tentada agravado, dos artigos 176° n°s 1 al. b) e 8 e 177° n° 7, e de um crime de importunação sexual, dos artigos 170° e 171° n° 3 al. a), todos do Código Penal.

Tendo o Arguido sido absolvido da autoria dos crimes de pornografia de menores na forma tentada agravado, dos artigos 176° n°s 1 al. b) e 8 e 177° n° 7, e de um crime de importunação sexual, dos artigos 170° e 171° n° 3 al. a), todos do Código Penal.

E condenado pela prática de um crime de violação agravada, dos artigos 164° n° 1 al. a) e 177° n° 6 do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

II Inconformado com esta decisão, o Arguido veio interpor recurso. Da respetiva Motivação retirou as seguintes Conclusões: Nulidades da decisão: 1. O facto "provado" segundo qual «O arguido agiu da forma descrita sabendo que obrigava a ofendida J a manter consigo sexo anal e oral contra a vontade da mesma, através do recurso à força», é puramente conclusivo e não parte de qualquer facto, ocorrência, acontecimento, evento ou circunstância, que consubstancie violência, seja física, seja psicológica, seja verbal, não havendo, na sentença recorrida, uma única palavra que justifique tal decisão, não sendo referida qualquer prova e nada, mesmo nada se dizendo que se aproxime de um exame crítico dessa prova.

  1. Ao que acresce que, dos demais factos provados, nada resulta a propósito de qualquer espécie de violência ou ameaça exercida pelo Arguido relativamente à Ofendida, como meio de a constranger a suportar quaisquer actos sexuais ou como meio de vencer qualquer resistência, não havendo, sequer, qualquer facto susceptível de consubstanciar uma putativa resistência da ofendida à actuação do Ofendido, sendo consequentemente nulo o Acórdão recorrido, nos termos do art. 410.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  2. O mesmo ocorre relativamente ao facto segundo o facto «O arguido agiu da forma descrita (...) conhecendo a idade daquela», pois sendo certo que o Acórdão recorrido fixa como facto provada a data de nascimento da Ofendida (11/07/2002) e que «A Ofendida (...) conheceu o Arguido quando tinha entre nove e onze anos de idade (...) tendo este passado a conviver, de vez em quando, com a família daquela», inexistem factos provados a descrição de qualquer evento do qual tal conclusão possa ser retirada, na medida em que esta poderia ter, então, entre 14 e 16 anos de idade, não permitindo de forma alguma dar subsunção ao disposto no art.° 177°, do Código Penal, no que respeita às agravantes ali previstas, nos números 6 e 7.

  3. Não havendo qualquer facto provado, também não há qualquer prova que permita aferir do conhecimento da idade da ofendida, por parte do Arguido, à data dos factos e daí que o Tribunal não elenque as provas em que fundou essa conclusão, nem analise qualquer prova da qual resulte tal convicção, o que aliás acontece porque "nada", mas mesmo nada, resulta da própria acusação, a esse respeito, o que determina, não só a total inexistência de fundamentação, quanto a tal facto, como a própria nulidade da acusação, nos termos do artigo 283°, do CPP, por omissão de alegação de um elemento do tipo quanto à agravação prevista no art.° 177°, n° 6 e 7, do Código Penal, de conhecimento oficioso, porquanto, face ao n.° 3 do artigo 311.° do CPP, e que omitido, gerou, agora, quer nulidade por falta de fundamentação, quer a nulidade prevista no art. 410.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  4. A alocução segundo a qual «9. A prova da idade da ofendida J, por parte da ofendida J, decorre do relacionamento já há alguns anos, quando esta tinha entre 9 e 11 anos de idade, o que, de resto, mostra-se consentâneo com regras de experiência comum», não faz qualquer sentido do ponto de vista cognitivo, sendo impossível compreender a razão pela qual o «relacionamento já há alguns anos, quando esta tinha entre 9 e 11 anos de idade» poderá ter contribuído para tal conhecimento, e assim descortinar-se o processo lógico e racional seguido pelo julgador na formação dessa sua convicção, que só seria plausível se demonstrado estivesse que o Arguido, quando conheceu a Ofendida, teria conhecimento (por uma qualquer circunstância) de que esta teria uma determinada idade, não elencando nem fazendo exame crítico de qualquer prova produzida que permita dar como provado e demonstrar porque deu como provado tal conhecimento, assim como outros factos nomeadamente no que tange aos movimentos com as ancas, o que determina a nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do art.° 379°, n°1, al. a), com referência ao art.° 374°, n°2, ambos do CPP.

  5. Também quanto aos factos dados como não provados o acórdão é omisso de exame crítico 7. Quanto à medida da pena, tudo o que se arrazoa na decisão recorrida são generalidades, abstracções absolutas extraviadas do caso concreto, ocorrendo manifesta contradição entre o advérbio de modo "objetivamente" e tudo o que, no Acórdão recorrido, se segue alegado: O livre desenvolvimento da personalidade da ofendida menor de idade na sua esfera sexual terá sido (terá sido!) irreversível e irremediavelmente comprometido; sem prejuízo de se terem por indeterminadas as sequelas que a conduta determinará no desenvolvimento futuro daquela; em termos genéricos, a violação ou o abuso sexual de crianças "surge como aquela que está mais associada a uma quebra (...)", chegando-se mesmo a fazer referência, para dar corpulência ao acórdão, aos casos em «o abuso ocorre no interior da própria família», quando não é esse sequer o caso.

  6. De resto, respaldando a utilização de fórmulas tabelares, como "extrema gravidade", que não são "uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão", mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil, sobretudo, como é o caso, quando não constam dos autos qualquer descrição factual das consequências ou sequelas psicológicas dos factos, ou tão pouco, quaisquer factos dados como provados para se poder entender a personalidade e eventual perigosidade do arguido, que relevam para a determinação do grau de culpa e da sanção, assim deixando o tribunal ad quem impossibilitado de tomar uma decisão justa, em violação do art. 71.° do CP e o n.° 2 do art. 374.° do CPP e incorrendo na nulidade prevista no respectivo art. 379.°, al. a). Deverá considerar-se inconstitucional a norma do n.° 2 do artigo 374.° do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1° Instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, por violação do dever de fundamentação das decisões dos Tribunais previsto no n.° 1 do artigo 205.° da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 410.° do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.° 1 do artigo 32.° também da Constituição, o que desde já se argui, porque foi essa a interpretação e aplicação das normas que o Tribunal fez.

  7. Nulidades processuais: 10. Relativamente ao depoimentos para memória futura da Ofendida, no dia 06-11-2017, com início às 15:23:18 horas, confessadamente fundamental para a convicção do tribunal na determinação da matéria de facto, as declarações mostram-se, no essencial, imperceptíveis, devido por um lado à pronúncia acentuada da Ofendida J, típica da ……….., mas também devido ao facto de a qualidade da gravação ser deficiente, conforme ocorre ao minuto 4.47, quando se refere a avisos sobre o Arguido que teria recebido da prima V; Ao minuto 8, quando perante a incompreensão do MM.° Juiz sobre os motivos pelos quais sentiria medo do Arguido, tenta explicar os mesmos; E ao minuto 6, quando questionada sobre os eventos ocorridos numa festa que decorreu nos Mosteiros, cerca de 1 ano antes dos factos que determinaram a acusação e que terão despoletado esse receio que sentiria do Arguido.

  8. Posto que a situação é equiparável à ausência de registo da prova (art°s 363° e 364°, n°1 do CPP), uma vez que um registo cujo conteúdo não se consegue apreender vale tanto como nenhum registo, trata-se de uma irregularidade susceptível de afectar o valor do acto, reconduzível ao n°2, do art° 123°, do CPP, visto que a sua verificação é decisivamente prejudicial para os direitos dos sujeitos processuais e tem influência no exame e decisão da causa, máxime, em sede de recurso da matéria de facto, constituindo lacuna insuperável que inviabiliza uma apreciação global da prova, que constitui um erro apenas imputável á actividade do tribunal, arguível em sede de recurso e independentemente da sua prévia arguição perante a 1° instância.

  9. No caso dos autos, a Ofendida J não foi inquirida em audiência de discussão em julgamento, não tendo sido lida nessa audiência as declarações para memória futura, prestadas na ausência do arguido, sem defensor por si escolhido, sem que o mesmo tivesse sequer conhecimento do âmbito do processo, e numa fase de inquérito altura em que a defesa não tinha acesso ao processo por estar em segredo de justiça, sendo porém valoradas na sentença como principal - senão mesmo único - meio de prova determinante para a condenação do Arguido, sem que fosse sequer proferido despacho que dispensasse tal leitura, ou determinado que fossem dadas a ler aos intervenientes processuais as respectivas actas, que no caso dos autos até teriam de acrescer à...

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