Acórdão nº 75/14.5GAORQ-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução22 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

A Meritíssima Juíza do Juízo de competência genérica de Ourique, da Comarca de Beja, veio suscitar a resolução do conflito negativo de competência surgido no âmbito do processo comum singular n.º75/14.5GAORQ em que é arguido FF, porquanto, quer o tribunal coletivo (Juízo Central Criminal de Beja – Juiz 1), quer o tribunal singular (Juízo de competência genérica de Ourique), declinaram a sua competência material para a realização do julgamento no âmbito dos referidos autos.

Foi cumprido o disposto no art.º 36.º do Código de Processo Penal.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, depois de ter requerido a instrução do incidente com elementos que considerou pertinentes para a boa decisão do conflito suscitado, emitiu o douto Parecer que antecede, no sentido de que o presente conflito deve ser resolvido atribuindo-se a competência para a realização do julgamento ao Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Juiz 1.

Não se torna necessário recolher outras informações e provas.

Cumpre decidir.

Com o presente incidente pretende-se, em síntese, obter decisão que resolva definitivamente a quem deferir a competência para o julgamento do processo em causa, que já se arrasta desde 16 de Novembro de 2017.

Dos elementos juntos aos autos incidentais resultam assentes os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir: - O Ministério Público deduziu acusação e, fazendo uso do disposto no artigo 16.º, n.º3 do CPP, requereu o julgamento do arguido, em processo comum e por tribunal singular, imputando-lhe a prática, em autoria material, de 1 (um) crime de coação sexual, previsto e punível pelo artigo 163.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e de 1 (um) crime de fraude sexual, previsto e punido pelo artigo 167.º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma.

- No Juízo de competência genérica de Ourique foi recebida a acusação e designada data para julgamento perante o tribunal singular.

- Na data designada para a realização da audiência, o senhor juiz, após a abertura da audiência e depois de tomar declarações ao arguido e o assistente, proferiu o seguinte despacho: “Vem o arguido FF acusado, em autoria material e na forma consumada, e em concurso efectivo, por um crime de coacção sexual, previsto e punido pelo artigo 163.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, e de um crime de fraude sexual, previsto e punido pelo artigo 167.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo código.

Ora, analisando a acusação de fls. 473 a 484, resulta o seguinte: - Que os factos descritos sob os pontos 28.º a 31.º da acusação são susceptiveis de configurar a prática de um crime de violação, previsto e punido nos termos do art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; - Que os factos descritos sob os pontos 33.º da acusação são susceptiveis de configurar a prática de um crime de violação, previsto e punido nos termos do art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; - Que os factos descritos sob os pontos 34.º da acusação são susceptiveis de configurar a prática de um crime de violação, previsto e punido nos termos do art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; - Que os factos descritos sob os pontos 35.º da acusação são susceptiveis de configurar a prática de um crime de violação, previsto e punido nos termos do art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; - Que os factos descritos sob os pontos 36.º da acusação são susceptiveis de configurar a prática de um crime de violação, previsto e punido nos termos do art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; Acresce que tendo sido iniciada a produção de prova em audiência de julgamento, o arguido optou por prestar declarações, tendo admitido – ainda que sob reserva – alguns destes factos descritos nos pontos da acusação aqui mencionados, designadamente, que o ofendido praticou em si próprio os actos descritos nestes pontos da acusação por receio de serem divulgadas fotografias e vídeos em que o mesmo aparecia a praticar determinados actos sexuais, ameaça feito pelo próprio arguido.

Por sua vez, o assistente PP, alegada vítima dos factos descritos na acusação, no depoimento que prestou também referiu ter praticado em si próprio os actos descritos nos pontos da acusação acima mencionados por receio de o arguido divulgar as fotografias e vídeos em que o ofendido aparecia a praticar determinados actos sexuais, tendo inclusivamente sofrido com os actos que praticou em si próprio e que não os faria em circunstâncias normais, apenas os tendo praticado por receio de serem divulgadas na internet determinadas fotografias e vídeos da sua intimidade.

Ora, verifica-se assim que, de acordo com os factos descritos na acusação, da sua leitura e em conjugação com a prova produzida até ao momento nesta audiência de julgamento, resulta a prática de factos susceptiveis de configurar a prática, não só dos crimes imputados na acusação (coacção sexual e fraude sexual), mas também de pelo menos cinco crimes de violação, nos termos do art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

Assim sendo, uma vez que todos estes factos são susceptiveis de configurar a prática do crime de violação, poderá estar aqui em causa uma relação de concurso efectivo com os crimes de coacção sexual e de fraude sexual por força do carácter eminentemente pessoal do bem jurídico em causa – o da liberdade da determinação sexual – ainda que se trate da mesma vítima.

Ora, interessa agora aqui destacar um determinado aspecto face a esta alteração da qualificação jurídica dos factos que o Tribunal considera ter diante de si, que é o seguinte: o Ministério Público remeteu este processo para ser julgado por um Tribunal Singular, aplicando o disposto no art. 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ou seja, estabelecendo que não deve ser aplicado ao arguido, em caso de condenação, uma pena de prisão superior a cinco anos, no pressuposto de que o arguido vem acusado pela prática de um crime de coacção sexual e de um crime de fraude sexual; portanto, não considerando que os factos descritos na acusação sejam integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de violação. Em relação ao elemento subjectivo do crime de violação, importa referir que o facto descrito sob o ponto 40.º da acusação refere-se ao elemento subjectivo [do crime de coacção sexual] e o mesmo tanto vale para um crime de coacção sexual como para um crime de violação, atendendo que a diferença entre os dois crimes recai basicamente na natureza do acto sexual praticado: no crime de coacção sexual trata-se de um acto sexual de relevo; no crime de violação trata-se de um acto sexual de relevo qualificado, conforme descrito nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 164.º do Código Penal. Portanto o Tribunal considera que o elemento subjectivo descrito no ponto 40.º da acusação, da forma como está redigido, vale igualmente para os crimes de violação.

Em suma, da acusação e da prova produzida até ao momento na audiência de julgamento resulta que vêm descritos factos que são susceptiveis de configurar a prática de mais cinco crimes de violação.

Interessa ainda destacar o seguinte aspecto: é certo que o art. 358.º do Código de Processo Penal não dispõe de norma idêntica àquela que está prevista no art. 303.º, n.º 2 do mesmo código, no entanto a situação com que o Tribunal se depara é idêntica àquela que foi prevista pelo legislador nesta norma do n.º 2 do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT