Acórdão nº 279/19 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 279/2019

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é reclamante A. e reclamados o Ministério Público, B. e C., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 844-847), com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação, em 30 de janeiro de 2019 (cfr. fls. 807-837), no qual foi decidido conceder provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos assistentes e, em consequência, alterar a decisão recorrida em matéria de facto e condenar o arguido, ora recorrente, pela autoria material de um crime de homicídio por negligência previsto e punível pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período (cfr. III – Dispositivo, alíneas A) e B), a fls. 837).

2. O recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente tem o seguinte teor (cfr. fls. 844-847):

«A., arguido e recorrido nos autos, notificado a fls ... , não se conformando com o teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, vem muito respeitosamente interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos termos seguintes:

1)

O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b), do n.º 1, do art.º 70.°, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação em vigor.

A inconstitucionalidade aqui em apreço não foi invocada até ao momento porque só perante o Acórdão da Relação se colocou questão de inconstitucionalidade, sendo que tal Acórdão é insuscetível de recurso ordinário.

Por esse motivo, só agora a questão da inconstitucionalidade pode ser suscitada.

2)

No que respeita à norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie e à norma ou princípio constitucional que se considera violado, expõe-se o seguinte:

O art. 127.º do Código de Processo Penal é inconstitucional quando interpretado em violação do art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Conforme refere o Supremo Tribunal de Justiça:

"O princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.°, n.º 2, l.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo." - Acórdão do STJ de 12-03-2009, in www.dgsi.pt.

E neste sentido também a Relação de Coimbra:

"O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.

Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa," - Acórdão do TRC de 25-03-2010, in www.dgsi.pt.

Ora, no caso que aqui se analisa, o Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto, considerando como provados factos que tinham sido dados como não provados em 1.ª Instância.

Isto não obstante inexistir prova que permitisse chegar a tal conclusão (aliás, existe prova em sentido oposto, designadamente a pericial, pelo que também no caso concreto ocorreu violação do art. 163.º do Código Processo Penal).

O julgador só poderá apreciar livremente a prova se, existindo dúvida, decidir pro reo.

E se em caso de dúvida o Tribunal deve julgar pro reo, então por maioria de razão também o terá de fazer quando não há dúvida de que a decisão deveria ter sido pro reo.

Refere Figueiredo Dias a propósito do princípio da livre apreciação da prova:

"O princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada 'verdade material' -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)" - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I vol., Coimbra, 1974.

Termos em que se requer que o presente recurso seja admitido, seguindo-se os termos legais.».

3. O TRP, por despacho de 27 de abril de 2017, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes (cfr. fls. 850):

«Na sequência da notificação do acórdão aqui proferido que o condenou como autor material de um crime de homicídio por negligência previsto e punível pelo artigo 137.°, n.º 1, do Código Penal, veio A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, "ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro".

Tem o Tribunal Constitucional entendido...

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