Acórdão nº 51/17.6PBAMD.L2-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Maio de 2019

Data14 Maio 2019
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº–1.

– No processo nº51/17.6PBAMD, da Comarca de Lisboa Oeste (Juízo de Instrução Criminal de Sintra - Juiz 2), procedeu-se a inquérito, findo o qual, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos.

O assistente, F. , requereu a abertura de instrução, admitida após douto acórdão deste Tribunal da Relação (3ª Secção), que terminou com despacho de pronúncia, com o seguinte teor: “… Os presentes autos tiveram início com a queixa contra M. por factos suscetíveis de consubstanciar, em abstrato, a prática de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo do artigo 152º-A, nº 1 alínea a) do Código Penal e um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, e nº 4 alínea b) do Código Penal.

Encerrado o inquérito, o Ministério Público foi de parecer de que «nada se apurou quanto aos crimes denunciados, nomeadamente por não ter ficado suficientemente indiciado que o dinheiro não estivesse sempre na disponibilidade do ofendido. (...) a arguida confirmou na íntegra os movimentos financeiros, declarando que quis por diversas vezes entregar o dinheiro ao tio, o que não conseguiu, por este se opor, sendo que era a mesma que procedia ao pagamento mensal da instituição onde o mesmo se encontra acolhido. A versão apresentada pela arguida e pelo seu marido afigura-se não menos credível que a versão apresentada pelo ofendido (de idade avançada e que já padeceu de um AVC), sendo que a queixa inicial nem foi apresentada pelo mesmo. (...) Concluiu o Ministério Público que os elementos coligidos nos autos não seriam suficientes para sustentar um libelo acusatório, tendo, por consequência, determinado o seu arquivamento, quer quanto ao crime de abuso de confiança, quer quanto ao crime de maus tratos.

Inconformado com o arquivamento F. veio requerer a abertura da fase de instrução com o objetivo de ver declarada a pronúncia da arguida pela prática de um crime de abandono p e p pelo artigo 138.º do C.Penal e um crime de abuso de confiança, agravado, p e p pelo disposto no artigo 205.º n.º1 e n.º4 do C.Penal.

O tribunal rejeitou o Requerimento de Abertura da Instrução por considerar que; a) O crime de abandono não foi sequer investigado e, sobre tal matéria não incidiu decisão do Ministério Público que pudesse ser sindicada por via da abertura da fase de instrução e, b) Relativamente ao crime de abuso de confiança, por ser o RAI omisso quanto ao elemento subjetivo do referido tipo de crime..

Inconformado com a decisão veio o assistente dela recorrer recurso julgado procedente por douto acórdão da Relação de Lisboa, junto aos autos.

Em cumprimento do ordenado no douto acórdão foi declarada aberta a fase de instrução.

Foi requerida a realização de diligências probatórias que o tribunal indeferiu por considerar que os autos estão instruídos com todos os elementos necessários à prolação da decisão. A decisão não foi objeto de reclamação.

Teve lugar o debate instrutório com respeito pelas formalidades legais.

O tribunal é competente.

O assistente é dotado de legitimidade.

A presente instrução a requerimento da assistente visa a comprovação judicial do requerimento de abertura de instrução e, consequentemente, a verificação de indícios da prática pela arguida dos factos constantes daquela peça processual.

À luz do disposto no artigo 308º n.º1 do Código Processo Penal há que apurar se dos autos resultam indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação a arguida de uma pena, entendendo quer a doutrina, quer a jurisprudência, que os indícios são os suficientes quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição (...)» - ac do STJ de 28-06-2006, processo n.º 06P2315).

Com fundamento nas declarações parcialmente confessórias da arguida e vasta documentação bancária junta aos autos, considera-se indiciada a factualidade narrada no RAI, mormente que a arguida procedeu a transferência do dinheiro do assistente para uma conta bancária que era inacessível ao assistente. Em face dos indícios recolhidos nos autos justifica-se a submissão da causa a julgamento.

Destarte, Com os fundamentos expostos, decide-se pronunciar a arguida M. pela prática dos factos constantes do requerimento de abertura de instrução, com a qualificação jurídica que dele consta e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais ( artigo 307.º n.º2 do CPP).

….”.

  1. – Inconformada, a arguida M. recorreu, motivando o recurso com as seguintes conclusões: a.

    - No âmbito do processo supra identificado, entendeu o Ministério Público que, encerrado o Inquérito, os elementos coligidos nos autos não seriam suficientes para sustentar uma acusação, motivo pelo qual determinou o arquivamento dos autos.

    b.

    - Uma vez que nada se apurou quanto aos crimes denunciados, nomeadamente por não ter ficado suficientemente indiciado que o dinheiro não estivesse sempre na disponibilidade do Assistente.

    c.

    - Na sequência do digníssimo (e certeiro) Despacho de Arquivamento, veio o Assistente requerer a abertura da Instrução, com o objetivo de ver declarada a pronúncia da Recorrente pelos crimes de Abandono - sem embargo do que se deixou expresso a este respeito em sede de Motivações - e de Abuso de confiança agravada, p. e p., respetivamente, pelos artigos 138.° e 205.°, n.° 1 e n.° 4, do Código Penal (doravante “CP”).

    d.

    - O douto Tribunal veio a rejeitar a abertura da Instrução (cf. fls. 447 e seguintes) por entender que o crime de Abandono não foi investigado em sede de Inquérito e por o requerimento de abertura da Instrução ser omisso quanto ao elemento subjetivo do tipo de abuso de confiança agravado.

    e.

    - Após interposição de recurso pelo Assistente da decisão de rejeição do requerimento de abertura da instrução (cf. fls. 450 e seguintes), veio o Tribunal da Relação de Lisboa a determinar a revogação do despacho que não admitiu o RAI, substituindo- o por outro que recebesse aquele requerimento e, consequentemente, determinasse a abertura da Instrução (fls. 508).

    f.

    - Em sede desta fase processual, surpreendentemente e contrariamente à posição adotada pelo Ministério Público no encerramento do Inquérito, o Tribunal considerou indiciada a factualidade narrada no requerimento de abertura da Instrução, decidindo pronunciar a ora Recorrente pela prática dos factos constantes daquele requerimento, com a qualificação jurídica nele constante.

    g.

    - Sucede, contudo, que nem os fundamentos invocados na Decisão Instrutória de pronúncia da ora Recorrente merecem provimento - por evidente contradição com a realidade dos factos -, nem tão-pouco se encontram minimamente indiciados os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena, por referência a qualquer dos crimes constantes do requerimento para abertura da Instrução.

    h.

    - O presente Recurso tem, por isso, como objeto a matéria, de facto e de Direito, constante da Decisão Instrutória que pronunciou a Recorrente no âmbito dos presentes autos, quer no que respeita aos fundamentos convocados, quer no que respeita à não recolha de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena.

    i.

    - Ora, entendeu o Tribunal a quo, na Decisão Instrutória de pronúncia objeto do presente recurso, que «Com fundamento nas declarações parcialmente confessórias da arguida e vasta documentação bancária junta aos autos, considera-se indiciada a factualidade narrada no RAI (...)» [sublinhados da Recorrente].

    j.

    - Concluindo que «Em face dos indícios recolhidos nos autos justifica-se a submissão da causa a julgamento».

    k.

    - Assim, a Decisão Instrutória de pronúncia alicerça-se, exclusivamente, em dois fundamentos: i) em declarações supostamente «parcialmente confessórias» da Recorrente; ii) e em alegada «vasta documentação bancária junta aos autos».

    l.

    - Sucede que, contrariamente ao que possa transparecer da referida Decisão Instrutória, nem a Recorrente teve quaisquer declarações parcialmente confessórias, nem tão pouco resulta da documentação bancária junta aos autos que aquela tenha procedido, em momento algum, a uma qualquer forma ilegítima de apropriação (para usar a terminologia contida no tipo do artigo 205.°, n. 1, do CP) do dinheiro do Assistente.

    m.

    - Como antes se referiu, o primeiro dos fundamentos invocados na Decisão Instrutória para a conclusão que alcança de se encontrar indiciada a factualidade narrada no requerimento para a abertura da Instrução reconduz-se a supostas «declarações parcialmente confessórias da arguida».

    n.

    - Desde logo, por referência a tal argumento, ficaria sempre - e fica! - por esclarecer a que declarações da ora Recorrente a Decisão a quo se refere e, bem assim, de que forma essas alegadas declarações se poderiam, mesmo formalmente, considerar «parcialmente confessórias».

    o.

    - É que das várias declarações prestadas pela ora Recorrente ao longo do Inquérito, quer na qualidade de testemunha (cf. fls. 34), quer já na qualidade de Arguida (cf. fls. 208 e seguintes), jamais poderá ser extraída uma qualquer confissão dos factos que lhe são imputados.

    p.

    - Aquilo que a ora Recorrente fez, então como Arguida, mas já antes como testemunha, e, nessa medida, como se usa dizer, sabendo bem “ao que ia”, foi, podendo remeter-se ao silêncio na presença de todos os “pareceres” produzidos ao longo do Inquérito de inexistência de indícios (cf. fls. 74 e 78), colaborar com a Justiça.

    q.

    ...

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