Acórdão nº 105/10 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução04 de Março de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 105/2010

Processo n.º 993/09

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b), da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 27 de Outubro de 2009 (fls. 1582 a 1589), para que seja apreciada a inconstitucionalidade da “interpretação do bloco normativo composto, pelo art. 380.º, do Código de Processo Penal, que não permite que se lhe aplique na sua interpretação o art.º 669.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, por via do art.º 4.º do C.P.P., quando estivermos perante uma situação de condenação em pena de prisão, alicerçada num «Erro grave de julgamento», não permitindo que se aprecie devidamente essa «decisão errada de condenação» (fls. 1604).

Cumpre, então, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 1609), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.

Se o Relator verificar que alguns deles não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.

3. Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, impendia sobre o recorrente o ónus de prévia e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa que pretendesse ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Sucede, porém, que o próprio recorrente reconhece nunca ter suscitado previamente a questão normativa objecto do presente recurso, conforme lhe competia por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, ainda que tenha procurado justificar essa omissão no facto de a decisão recorrida “constitui[r] em si uma decisão «excepcional», pois ninguém poderia prever que perante uma evidência (…), se invocasse o art.º 380.º do C.P.P.” (fls. 1604 e 1605).

Vejamos então se é possível considerar a decisão recorrida como uma decisão-surpresa, de modo a justificar uma eventual dispensa do ónus de prévia e adequada suscitação da inconstitucionalidade, na medida em que este Tribunal admite a possibilidade de dispensa, a título excepcional, da invocação prévia da inconstitucionalidade de normas aplicadas por decisões dos tribunais comuns, sempre que não for processualmente exigida ao recorrente a previsão de aplicação da norma ou da interpretação normativa efectivamente aplicada. Note-se, contudo, que tal só sucede quando a aplicação da norma ou da interpretação normativa seja objectivamente imprevisível ou insólita. Assim, ver, a título de exemplo:

i) Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o Tribunal Constitucional tem dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como se refere na decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;

ii) Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como este Tribunal também tem salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 352/94), tal situação sofre restrições "em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final". É o que acontece também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse com ela.

Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como "decisão-surpresa", de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;

A natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma ou interpretação normativa efectivamente aplicada depende, todavia, do preenchimento de um grau reforçado de diligência do recorrente. Este grau de diligência implica uma antecipação das diversas soluções jurídicas potencialmente aplicáveis ao litígio controvertido, devendo precaver-se contra a adopção de soluções que, ainda que minoritárias, possam ser configuradas como objectivamente admissíveis face à letra da lei. Só no caso de não ter sido possível antecipar a aplicação de norma ou interpretação normativa contrária à Constituição da República – sendo esta possibilidade sempre aferida de modo objectivo – é que será admissível a dispensa de suscitação prévia da inconstitucionalidade. Neste sentido, ver:

i) Acórdão n.º 489/94O Tribunal tem considerado até que cabe às partes considerar...

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