Acórdão nº 8/08.8PBCHV.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 415 - FLS 02.

Área Temática: .

Sumário: O dano biológico é, respectivamente, indemnizável: a título de dano patrimonial, se a incapacidade dele resultante implicar maior esforço para o exercício da actividade profissional; a título de dano não patrimonial, se não tiver qualquer reflexo àquele nível.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 8/08.8PBCHV Tribunal judicial de Chaves Relatora: Olga Maurício Adjunto: Artur Oliveira Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi o arguido B………. condenado na pena de 80 dias de multa pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art. 148º, nº 1 do Código Penal, com referência aos arts. 103º, nº 1, e 145º, nº 1, al. i), do Código da Estrada, e em 140 dias de multa pela prática de um crime de omissão de auxílio, do art. 200º, nº 1 e 2, do Código Penal.

Efectuado o cúmulo jurídico, foi ele condenado na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de €7.

O pedido de indemnização civil formulado pela demandante C………. contra a D………., S.A., foi julgado parcialmente procedente, tendo esta sido condenada a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 8.050,00 a título de danos patrimoniais.

  1. Inconformada a demandada D………. recorreu da decisão, tendo circunscrito o recurso à indemnização atribuída à demandante. Retirou da motivação as seguintes conclusões: «1ª - A recorrente restringe o seu recurso da douta sentença quanto aos montantes atribuídos à demandante a título de danos não patrimoniais e por danos patrimoniais decorrentes das "sequelas e incapacidade".

    1. - Quanto aos danos não patrimoniais deve ponderar a equidade e "o seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas" e do criterioso sopesar das realidades da vida; 3ª - Estes princípios impõem que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, devendo seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa.

    2. - Quanto aos danos patrimoniais pelas "sequelas e incapacidade" decorrentes da IPP atribuída à demandante, temos que esta nasceu em 20.11.1931, portanto com 77 anos, ficou a padecer de uma IPP de 5%; 5ª - Em consequência do acidente apenas ficou a sofrer de uma incapacidade de 5%, e tal não é impeditiva do exercício de qualquer actividade, como é manifesto, público e notório, pelo que tal IPP é in casu absolutamente irrelevante, e quando muito só pode ter efeitos em termos de danos não patrimoniais e não em termos de lucros cessantes.

    3. - Aliás, tal como resulta dos factos provados e não provados, a demandante à data do acidente não exercia qualquer actividade remunerada ou outra.

    4. - Por isso, salvo o devido respeito, não é de atribuir à demandante qualquer quantia a título de danos patrimoniais por "sequelas e incapacidade", devendo tão só ser valorizadas em termos de danos não patrimoniais.

    5. - Dado que aquela incapacidade não afecta a demandante em termos de autonomia e independência, nem a afecta a sua capacidade ou potencial de ganho; 9ª - Por outro lado foi atribuído à demandante a quantia de 10.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, quando a mesma em consequência do acidente apenas ficou a padecer de uma IPP de 5% sendo o quantum doloris de grau 5.

    6. - Face aos factos expostos a compensação a atribuir globalmente à demandante e correspondente ao dano efectivamente sofrido e de acordo com os valores normalmente atribuídos em casos análogos, deve situar-se nos 2.500,00 euros.

    7. - Pelo exposto e salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483º e 496º do CC aos factos provados».

    Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, nos termos sobreditos.

  2. O recurso foi admitido.

  3. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre decidir.

    * *FACTOS PROVADOS 5.

    Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos: «1. No dia 3 de Janeiro de 2008, pelas 12h05m, o arguido B………. conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, de marca e modelo Chevrolet ………., com a matrícula ..-..-JZ, na ………., no sentido ………. para ………, pela sua metade direita da via, a uma velocidade não apurada.

  4. A determinada altura do seu percurso, o arguido aproximou-se de uma passadeira devidamente assinalada e destinada à travessia daquela rua pelos peões, onde surgiu a ofendida C………. .

  5. A ofendida vinha do lado direito do passeio da ………. no sentido do ………. para ………., onde circulava quando iniciou a travessia da faixa de rodagem para o lado esquerdo onde se situa o café “E……….”.

  6. O arguido em vez de diminuir a velocidade ou mesmo parar em espaço anterior ao da passadeira, continuou a sua marcha, sem tomar qualquer precaução para evitar a colisão com os utentes da passadeira.

  7. O arguido não reparou que a ofendida tinha já iniciado a travessia daquela via de trânsito em local de passagem para peões – sinal no pavimento M11.

  8. Assim, embateu o arguido, com o veículo que conduzia, nas pernas do lado esquerdo da ofendida C………., que tinha já iniciado a travessia daquela rua, utilizando para o efeito a passadeira e depois de se certificar que o podia fazer em segurança.

  9. Em consequência do embate sofrido foi a ofendida projectada para a estrada onde caiu em frente ao carro conduzido pelo arguido, ligeiramente para o lado direito.

  10. Após o embate, o arguido, ao se aperceber do atropelamento verificado, parou em cima da passadeira e, arrancou, logo a seguir, contornando o corpo da ofendida, que se encontrava na faixa de rodagem, como se de um obstáculo se tratasse, tendo abandonado, de seguida, o local.

  11. Posteriormente, foi a ofendida transportada numa ambulância para o Hospital ………. .

  12. O local onde ocorreu o acidente situa-se no interior de uma localidade, com edificações, onde existe um estabelecimento de ensino (F……….), numa recta com boa visibilidade, com várias passadeiras no seu percurso, sem separador, com duas vias, dois sentidos, onde o limite de velocidade era de 40 Km/h.

  13. Na altura em que os factos ocorreram chovia de forma moderada, a visibilidade era boa e a ofendida seguia com o guarda-chuva aberto.

  14. A faixa de rodagem do sentido de marcha da ofendida mede cerca de 4,10 metros, sendo que o local do embate se situa a cerca de 2,80 metros da berma.

  15. Em consequência directa e necessária do embate ocorrido resultaram para a ofendida as seguintes lesões: fractura proximal do perónio e prato tibial externo sem desvio e fractura de quatro arcos costais.

  16. Tais lesões determinaram 155 dias para a consolidação médico-legal, com afectação grave da capacidade de trabalho geral (89 dias até ao fim do mês de Março de 2008, data em que passou a deambular com o auxílio de uma canadiana, correspondendo o restante período de consolidação a uma afectação parcial daquela capacidade (66 dias).

  17. Ao agir da forma descrita, o arguido omitiu os deveres de diligência a que segundo as circunstâncias e os seus conhecimentos e capacidades pessoais era obrigado, confiando que não iria ter lugar a realização do crime.

  18. O embate foi, então, devido ao facto de o arguido não ter tomado as precauções de segurança, no exercício da condução de veiculo automóvel, não tendo parado antes da passadeira, como lhe impõe as regras estradais e como sabia que devia ter actuado por forma a evitar o atropelamento ocorrido.

  19. O arguido, não obstante ter previsto que poderia atentar contra a integridade física daqueles que circulavam na estrada e, em especial, na passadeira para peões, determinou a sua conduta, conformando-se com essa possibilidade.

  20. O arguido não obstante se ter apercebido de que atropelou a ofendida e, embora ciente que do mesmo podia advir, como efectivamente advieram, ferimentos para a mesma, susceptíveis de colocar em perigo a sua integridade física e de que esta carecia de socorros imediatos, abandonou o local nesse momento, sem cuidar de saber do seu real estado, não cuidando de lhe prestar assistência nem providenciando para que esta lhe fosse prestada, quando o poderia ter feito.

  21. Prosseguiu o arguido a sua marcha indiferente às consequências que para a vida ou para a saúde da ofendida pudessem advir do seu comportamento omissivo.

  22. O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente com o propósito de abandonar o local do acidente sem que tivesse providenciado por qualquer auxílio.

  23. Actuou o arguido bem sabendo serem as suas condutas proibidas e penalmente punidas por lei.

    Mais se provou que: 22. O arguido não tem antecedentes criminais.

  24. O arguido está aposentado, auferindo uma pensão de reforma no valor de € 400,00 por mês.

  25. Vive em casa própria, com a esposa que também está aposentada e aufere uma pensão de reforma no valor de € 200,00.

  26. O arguido é tido pelos amigos como uma pessoa não conflituosa, atenciosa e bem comportada.

  27. O arguido é tido pelos amigos como um condutor prudente.

    Do pedido de indemnização civil 27. Das lesões sofridas em consequência do acidente a demandante ficou com as seguintes sequelas: no membro inferior esquerdo: aumento do perímetro do joelho 40 cm (37,5 contralateral); aumento do perímetro da perna, com um perímetro a nível do terço médio de 37 cm (34,5 contralateral), com edema indurado, crepitação à mobilização do joelho com arcos de movimento conservados, sem sinais de instabilidade, sensibilidade e força conservadas, reflexos ósteo-tendinosos presentes e simétricos.

  28. Em consequência do acidente a demandante ficou com a incapacidade permanente geral de 5%.

  29. Enquanto esteve caída na faixa de rodagem a demandante sentiu dores insuportáveis na...

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