Acórdão nº 1342/06.7PGMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: REENVIO DO PROCESSO.

Indicações Eventuais: LIVRO 414 - FLS. 193.

Área Temática: .

Sumário: Se alguém pretende aceder a um determinado local e vê o respectivo acesso “barrado” por outra pessoa que deliberadamente se coloca no caminho para, desse modo impedir aquele de chegar ao respectivo destino (assim tornando impossível o acesso ao local em causa e anulando a possibilidade de a vítima concretizar a sua vontade de o alcançar), verifica-se – ainda que não exista contacto físico entre os corpos dos envolvidos – uma interferência sobre a livre actuação da vontade individual, que é, jurídico-penalmente, susceptível de integrar o conceito de “violência”.

Reclamações: Decisão Texto Integral: P.º n.º 1342/06.7PGMTS.P1 Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial de Matosinhos, foi o arguido B……………., devidamente identificado nos autos a fls. 751, condenado pela prática de dois crimes de coacção p.p. nos termos do artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 120 dias de multa, à razão diária de €5,00, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 150 dias de multa, à referida razão diária.

Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, cuja motivação concluiu nos termos seguintes: I – O recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de coacção, previsto e punido pelo ar. 154º do Código Penal.

II – O Tribunal a quo deu como provado no ponto 5, que “como a assistente não saiu das instalações e ali permaneceu, dois dos seguranças, não identificados, que acompanhavam o arguido C…………… empurraram-na para o exterior da loja e impediram-na de entrar, o que esta por várias vezes tentou fazer e não conseguiu, devido à permanência do arguido B…………… na porta, que lhe barrou a passagem”.

III – De igual forma deu como provado no ponto 9, que “Quando o assistente saiu da viatura e tentou entrar novamente na loja, foi impedido de o fazer pelo arguido B……………, que lhe barrou a passagem”.

IV – O preenchimento dos elementos que compõem os crimes imputados ao recorrente, não existiram em momento algum da formação da vontade do arguido.

V – Nos autos não foi invocado, muito menos demonstrado, que o arguido sabia que os assistentes eram sócios gerentes.

VI – O arguido, apenas estava a exercer as funções de que foi incumbido, o de vigilante com ordem para informar as pessoas que os estabelecimentos estavam fechados para balanço, não deixando, ninguém entrar.

VII – É elemento típico do crime de coacção o emprego de violência ou a ameaça com um mal importante. Quanto ao que deve ser entendido por mal importante há uma larga margem de indefinição, a ser preenchida pelo prudente critério do julgador. Não se quis, evidentemente, tornar punível toda a actividade social susceptível de causar um mal, mas só a actividade susceptível de causar um mal importante, ou seja um mal que tenha um acentuado relevo, um mal que a comunidade repele e censure pelo dano relevante que causa ou pode causar.

VIII – Ora, os factos praticados pela conduta do arguido não revelaram um acentuado relevo, um mal que a comunidade repele e censura pelo dano relevante que causa, pois que tal não se verificou.

IX – O carácter não censurável da utilização da coacção é um elemento normativo do tipo que remete para uma valoração global sobre a ilicitude da conduta bastando para afirmação do dolo do tipo o conhecimento dos pressupostos fácticos da valoração. Portanto, o carácter não censurável da utilização da coacção é uma causa de justificação do facto ou uma causa de exculpação.

X – A causa de exclusão da culpa mais frequente é a falta de consciência da ilicitude não censurável. Este erro sobre a ilicitude tanto pode ser directo como indirecto ou seja: tanto pode consistir na ignorância de que a acção praticada é ilícita, como pode consistir na errónea convicção.

XI – O recorrente não sabia que estaria a praticar um facto ilícito, apenas recebeu ordens para exercer a sua função, não tinha consciência da ilicitude, facto que não é censurável.

XII – O fundamento a que se refere a alínea a) do n.º 2 do art. 410º CPP é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, coisa bem diferente.

XIII – É clara a insuficiência da matéria de facto provada para motivar a decisão de direito tomada pelo Tribunal a quo.

XIV – Motivando, como motivou o Tribunal a quo outra não seria a sentença de que absolver o arguido na prática de dois crimes de coacção, previsto e punido pelo art. 154º do Código Penal.

Termos em que concluímos que nenhum dos elementos do tipo legal de crime analisados se encontram preenchidos, pelo que o Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de coacção, previsto no art. 154º do Código Penal.

XV – O Tribunal a quo decidiu tendo por base factos, que para além de não provados, nem sequer foram alegados, tornando-se evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violando, ainda, o princípio do “in dubio pro reo”.

XVI – É, ainda de destacar que a condenação em apreço, parte, erroneamente, do pressuposto de que o arguido, quando “barrou a entrada” aos assistentes os ameaçou com mal importante.

XVII – Ora, tal afirmação não assenta em qualquer facto provado, alegado ou suscitado nos presentes autos.

XVIII – Também o invocado princípio é, aqui, atingido.

XIX - Pelo exposto o tribunal a quo violou, ainda, o disposto no nº 2 do art. 32º, da Constituição da República Portuguesa.

XX – Dúvidas não existem, nem se pretende questionar tal facto de que toda a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, como resulta do disposto no art. 127º do Código de Processo Penal. Ma tal liberdade não se pode confundir com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão – subjectiva – gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

XXI – Sendo manifesta a existência dos vícios do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal, mormente a insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma há que determinar a absolvição do recorrente.

XXII – Pelo que o Douto Acórdão deve ser revogado, nos termos sobreditos.

X X XNa 1.ª instância responderam ao recurso o Ministério Público e os assistentes D…………… e E……………., pronunciando-se todos pelo seu não provimento, sendo no mesmo sentido o parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste tribunal.

Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do C. P. Penal, respondeu o arguido reiterando a posição por si já defendida na motivação do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

X X XEste tribunal conhece de facto e de direito – art. 428.º do C. P. Penal.

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única questão suscitada pelo arguido diz respeito ao enquadramento jurídico-penal da matéria de facto provada, que considera errado. Com efeito, embora alegue que o acórdão recorrido enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, que foram violados o princípio in dubio pro reo e o art. 32.º, n.º 2, da CRP, e faça referência ao art. 127.º do C. P. Penal, do conjunto da motivação e conclusões resulta que o que efectivamente pretendeu foi pôr em causa o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto provada, por entender que esta não preenche os elementos constitutivos dos crimes por que foi condenado.

É a seguinte a matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido, que se transcreve apenas na parte que interessa à decisão da questão do invocado errado enquadramento jurídico-penal.

Fundamentação de facto: Factos provados da Acusação: 1- Os assistentes E…………. e D…………… e o arguido C………………. eram sócios gerentes das sociedades “F………….., Lda.” e da sociedade “G………….., Lda.”, sendo que os assistentes ali prestavam funções.

2- No dia 3 de Novembro de 2006, cerca das 10.15 horas, encontravam-se os assistentes no interior da loja das supra mencionadas sociedades, sita na ………….., ……., em Matosinhos, nos seus locais de trabalho, quando aportou ao local o arguido C……………, acompanhado dos arguidos H……….. e B…………., estes últimos a exercer funções de vigilantes, contratados pelo arguido C……………., e de outros indivíduos, também seguranças.

3- Os arguidos C………….. e H……………. entraram no interior da loja, tendo o arguido B………….. ficado no exterior, a impedir que alguém entrasse nas referidas instalações.

4- O arguido C…………… dirigiu-se desde logo à assistente D………….. e disse-lhe para se retirar da loja e que não podia “levar nada da empresa”.

5- Como a assistente não saiu das instalações e ali permaneceu, dois dos seguranças, não identificados, que acompanhavam o arguido C…………….. empurraram-na para o exterior da loja e impediram-na de entrar, o que esta por várias vezes tentou fazer e não conseguiu, devido à permanência do arguido B…………...

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