Acórdão nº 45/06.7PIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Janeiro de 2010
Magistrado Responsável | JORGE GONÇALVES |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 615 - FLS 40.
Área Temática: .
Sumário: Um resultado pericial inconclusivo não conduz necessariamente a uma dúvida insanável: por não agregar um verdadeiro juízo pericial mas antes um estado dubitativo, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto.
Reclamações: Decisão Texto Integral: RECURSO N.º 45/06.7PIPRT.P1 Tribunal Judicial de Gondomar – ..º Juízo de competência especializada criminal Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 45/06.7PIPRT, do ..º Juízo de Competência especializada criminal, procedeu-se ao julgamento dos arguidos B………. e C………., melhor identificados nos autos, a quem foi imputada a prática, em co-autoria e em concurso efectivo: de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelos artigos 256.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Penal; de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Por decisão de fls. 350, em face de desistência de queixa, devidamente homologada, foi julgado extinto o procedimento criminal contra os arguidos pela prática do crime de burla por que vinham acusados.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu: «
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Absolver o arguido C………. da prática do crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do CP, pelo qual vinha acusado; b) Condenar o arguido B………. como autor material de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do CP, na versão em vigor à data dos factos – actualmente, após as alterações da Lei n.º 59/2007, de 04.09, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. d), e n.º 3, do CP -, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, substituída pela pena de prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, mediante plano de execução a homologar posteriormente pelo Tribunal; (…)» 2. Inconformado, o arguido B………. recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1) Foi o arguido condenado na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, substituída pela pena de prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, como autor material de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1 al. b) e n.º 3 do C.P.
2) A decisão do tribunal baseou-se nos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas e ainda nas declarações do arguido C………. .
3) Dos depoimentos das testemunhas não se pode retirar que fora o recorrente a preencher o cheque em causa nos autos.
4) Nenhuma testemunha afirmou ter visto o recorrente preencher o cheque.
5) O exame pericial de fls. 179 a 183 dos autos não foi conclusivo quanto à autoria do preenchimento, não referindo quem preencheu o cheque.
6) Fica desta forma, a dúvida se foi o recorrente quem preencheu o cheque em causa nos autos.
7) Pelo que deveria ter sido aplicado pelo Tribunal a quo o principio in dubio pro reo.
8) Considera-se que deveria ter sido dada distinta resposta à al. e) do ponto II (fundamentação), i (factos provados) da Sentença ora recorrida, devendo a mesma ser respondida nos termos atrás expostos e por força da prova testemunhal produzida e documentada nos autos; 9) Sem prescindir, consideramos, também, que a decisão do Tribunal a que deverá ser revogada sendo substituída por Acórdão no qual se determine a absolvição do recorrente; 10) Com a decisão ora recorrida o Tribunal a quo violou o disposto no art. 32.º n.º1 da C.R.P.
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O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, em que sustenta a improcedência do recurso, concluindo (transcrição das conclusões): 1. Nem só da prova directamente produzida se tiram ilações da prática de factos criminosos, que também decorrem da apreciação conjunta de factos indiciários.
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De outro modo dificilmente se faria prova em processo penal, porque o mundo do crime é secreto, nem sempre, ou raramente, havendo prova directa dos factos criminosos.
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A prova concretamente produzida, apreciada no seu conjunto, indica indelevelmente a prática dos factos pelo arguido e recorrente.
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Da inspecção ocular da ficha de assinaturas do legítimo titular do cheque, do seu depoimento credível, e da informação policial constante de fls. 7 é de concluir que não são de autoria de D………. os dizeres apostos no cheque em crise.
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O interesse do arguido e recorrente na aquisição da mercadoria paga pelo cheque, e o seu domínio dos termos do negócio são, também, ser este o único interessado na falsificação; 6. O arguido acordou que a entrega da mercadoria seria feita contra a entrega do pagamento.
A data da entrega das mercadorias coincide com a data aposta no cheque.
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Os dizeres constantes do cheque foram preenchidos todos pela mesma pessoa e com o mesmo utensílio de escrita.
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Logo, impõe-se a conclusão do facto de o cheque ter sido preenchido após a realização da encomenda.
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Após a encomenda, só o arguido e recorrente e o arguido C………. estiveram em posse do cheque.
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O exame pericial conclui pela possibilidade de não ter sido o arguido C………. a escrever os dizeres constantes do cheque.
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O mesmo exame pericial não exclui a possibilidade de serem da autoria do recorrente esses mesmos escritos.
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Os factos supra expostos decorrem razoável, objectiva e inteligivelmente da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento.
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A apreciação crítica de todos estes factos impõe a conclusão de que foi o arguido quem preencheu abusivamente o cheque, praticando o crime de falsificação de documento pelo qual foi condenado.
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Se há provas que permitem recriar directamente a realidade acontecida; não são estas as únicas a autorizar a formação de uma convicção e a reconstrução de factos do passado também decorre da leitura atenta e inteligente de factos acessórios e instrumentais.
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Ainda que não haja confissão do arguido, nem testemunhas presenciais, nem provas periciais a atestar directamente, por terem visto ou por concluírem directamente nesse sentido, que foi o arguido quem, pelo seu punho, preencheu o cheque, há outros elementos de prova que conduzem, inelutavelmente, a essa conclusão.
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Na douta decisão recorrida o Ex.mo Senhor Juiz a quo convoca e aprecia todo um acervo de factos que, apreciados criticamente e em conjunto, impõem a convicção da prática do crime de falsificação pelo arguido.
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Não é por não haver prova directa que tem de fazer-se operar o princípio in dubio pro reo, que só intervém quando se gere uma dúvida razoável no espírito do julgador.
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Não havendo dúvida, não tem de convocar-se o princípio, e no caso concreto essa dúvida não se formou.
Assim, a douta decisão recorrida observou a lei e o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser confirmada e improceder o recurso.
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Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o mesmo deverá ser julgado procedente (cfr. fls. 444 e 445).
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação 1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, atento o teor das conclusões, as questões a apreciar e decidir consistem em saber se a sentença recorrida errou quanto à decisão sobre a matéria de facto e se foi violado o princípio in dubio pro reo, devendo o recorrente ser absolvido.
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Da sentença recorrida 2.1. Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): a) Em data e de forma não concretamente determinada, mas anterior a 15/12/2005, pelo menos o arguido B………. entrou na posse do cheque com o...
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