Acórdão nº 2753/06.3TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Z..., após julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular, o arguido F...

, casado, natural do concelho de Z..., economista, condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de instigação pública a um crime, p. e p. no artigo 297.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 20 (vinte euros).

* 2.

Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1. O arguido recorrente foi julgado e condenado pela prática do crime p.p. pelo artigo 297.º, n.º 1, do Código Penal.

  1. Não concordando com esta douta sentença condenatória o arguido interpôs o presente recurso, articulando a motivação que antecede.

    3.1. A sentença recorrida não se pronunciou, em concreto, sobre os factos invocados na contestação, nomeadamente sobre o uso em sentido figurado da expressão “corram-nos à pedrada” e o exercício do direito de liberdade de expressão por parte do arguido, no contexto e circunstancialismo em que aconteceram.

    3.2. Estes factos revelavam-se essenciais para a verificação dos pressupostos do tipo de crime, de tal modo que a sentença nem os deu como provados e sendo certo que quanto à demais, constante do respectivo relatório, não consta, sequer, qualquer parte respeitante a “factos não provados”.

    3.3. Carecendo por isso de fundamentação, em violação do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, do Cód. Processo Penal, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República, sendo assim nula, ex vi do disposto no artigo 379.º, n.º 1, a), do Cód. Processo Penal, nulidade esta que, nos termos do disposto no n.º 2 desta norma, se invoca para os devidos e legais efeitos.

  2. Salvo o devido respeito por outra opinião, a sentença recorrida omite inúmeros e múltiplos factos, inequivocamente provados em audiência de julgamento e inquestionáveis para qualquer sujeito processual, pois resultam de: - dois documentos (a acta da sessão da XX... e a gravação áudio da mesma sessão) cujo valor probatório pleno foi por aquela enaltecido (acentuando a sua genuinidade e fidedignidade); - das declarações do arguido; e - da prova testemunhal (produzida, de acordo com a sentença, de forma clara, isenta, convicta e desapaixonada), todas gravadas.

    4.1. A sentença recorrida, relativamente a todos estes meios probatórios, limitou-se a reproduções parciais, redutoras, fora do contexto factual em que aconteceram, quase sempre incoerentes e desconexas, o que teve como consequência a distorção, deturpação e falsa representação da realidade, com evidente prejuízo para o arguido ora recorrente.

    4.2. Se a sentença recorrida tivesse considerado e valorado todos os factos resultantes de toda esta prova (real, verdadeira e não enfabulada ou produto da imaginação), teria facilmente concluído pela inexistência do crime imputado ao arguido, por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos para o preenchimento do seu tipo legal (objectivo e subjectivo).

    4.3. Em concreto, a sentença recorrida omitiu excertos da certidão da transcrição da acta da XX... nos quais o arguido, poucos minutos depois de proferir a expressão “corram-nos à pedrada”, se refere ao seu sentido figurado; 4.3.1.

    Omitiu qualquer referência ao facto de da gravação áudio resultar bem audível, em simultâneo com o uso da expressão “corram-nos à pedrada”, risos e gargalhadas de fundo, provenientes dos presentes na sessão daquela assembleia, para além, naturalmente, das palavras referidas no parágrafo anterior.

    4.3.2.

    Omitiu partes importantes das declarações do arguido, onde este explicava com detalhe o significado verdadeiro da expressão e, por conseguinte, não se chegou a pronunciar sobre as mesmas, de modo crítico e fundamentado.

    4.3.3.

    Omitiu partes importantes das declarações de várias testemunhas, o Sr. Dr. R...

    , o Sr. N...

    , o Sr.

    J...

    (de quem disse, aliás, que depuseram de forma clara, convicta, isente e desapaixonada) e o Sr. Eng. L... (cuja idoneidade não pôs em causa) e em consequência a totalidade dos factos que delas resultaram.

    4.3.4. Como consequência do exposto neste ponto 4 das conclusões, dúvidas não restam que deve o Tribunal de 2.ª Instância modificar a decisão ora recorrida sobre a matéria de facto e, ponderados e interpretados que sejam, devida e correctamente os factos omitidos, revogar a douta sentença recorrida e proferir douto Acórdão, absolutório do arguido (aplicação conjugada dos artigos 412.º, n.º 3, a) e b) e 431.º, a) e b), ambos do Código de Processo Penal.

    4.3.5. Na sequência do mencionado no parágrafo anterior a reapreciação da matéria de facto deve obedecer aos seguintes requisitos: - Dos factos que o texto da douta sentença recorrida deu como provados deverão ser eliminados, pelo menos, os seguintes: - No ponto II-5 da fundamentação, o segmento “…em tom sério”; - No ponto II-6 da fundamentação, o segmento “…estava a apelar à intimidação e à agressão física à pedrada dos YY... que, dali em diante, no legítimo exercício das suas funções, se propusessem autuar as juntas de freguesia do concelho de Z... por infracções ambientais, tendo perfeita noção que a actuação a que apelava era adequada – e era isso que pretendia alcançar – a impedi-los de exercer tais funções”; - No ponto II-7 da fundamentação, o segmento “…os factos a cuja prática assim incitava integravam ilícitos tipificados na lei penal como crimes – o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143.º/1 e 146.º do Código Penal e o crime de resistência e coacção sobre funcionários previsto e punido pelo artigo 347.º do Código Penal”; - Todo o conteúdo do ponto II-8 da fundamentação; - No ponto II-9 da fundamentação, o segmento “…bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

    Dos factos omitidos pela sentença recorrida mas que efectivamente resultam provados tendo em conta a totalidade da prova produzida, deverão ser inseridos, a título de “factos provados”, os seguintes: - A intervenção do arguido na sessão da XX... em que foi proferida a expressão em causa nos autos, aconteceu depois de trinta intervenções de outros deputados presentes (cfr. fls. 19 v.º e 20 da acta da sessão, a fls. 62.º v.º e 63 dos autos – págs. 11 e 12 da motivação); - No momento em que proferiu as palavras transcritas no ponto 5 da fundamentação (com a redacção resultante da eliminação atrás referida), a plateia presente soltou uma sonora gargalhada (cfr. gravação da sessão da assembleia, dos 10:45 min aos 17:33 minutos, do lado A da cassete 3, págs. 19 a 22 supra); - Logo que, no decurso da Assembleia foi interpelado acerca das declarações transcritas no ponto 5 da fundamentação (com a redacção resultante da eliminação atrás referida), o arguido afirmou que “estava naturalmente a falar em sentido figurado” (cfr. fls. 19 v.º e 20 da acta da sessão, a fls. 62 v.º e 63 dos autos – págs. 11 e 12 da motivação e gravação da sessão da assembleia, dos 10:45 min aos 17:33 minutos, do lado A da cassete 3, págs. 19 a 22 supra); - Na audiência de julgamento o arguido explicou o que no seu entender era o significado da expressão “corram-nos à pedrada” (cfr. gravação das declarações do arguido, dos 14:15 min aos 16:03 minutos e dos 28:00 aos 28:47 minutos – págs. 23 e 24, supra); - O deputado municipal do Partido … Sr. Dr. R...

    , que no próprio acto ofereceu réplica à pronúncia do arguido constante do ponto 5 da fundamentação (depois de corrigido no sentido indicado) qualificou-a como um excesso de linguagem, característico do debate político próprio de uma XX... e interpretou essa intervenção do arguido como um ataque político à direcção dos serviços que dirigiam os YY... (cfr. gravação do seu depoimento, dos 3:41 min aos 10:26 minutos, fls. 27 a 31 desta motivação); - O chefe dos serviços que à data dirigiam os YY... era membro do Partido …, Vereador da oposição no executivo camarário e estava presente naquela assembleia (cfr. gravação do depoimento de N..., dos 8:26 aos 9:43, dos 11:05 min aos 15:06 minutos e dos 18:00 aos 21:30 minutos, págs. 37 a 42, supra); - Depois da intervenção do arguido naquela sessão da XX... não houve mudança no funcionamento daqueles serviços (cfr. gravação do depoimento de N...

    , dos 11:07 min aos 15:06 minutos, págs.38 e 39 supra); - Também depois da mesma intervenção os YY... não pediram alteração quanto ao modo de exercício da actividade que desenvolviam, continuando por isso a processar-se como antes daquela intervenção (cfr. gravação do depoimento de N...

    , dos 18:00 aos 21:30 minutos, pág. 41 supra, e do depoimento de L..., dos 3:59 min aos 5:01 minutos, págs. 35 e 36, supra); - Após esta mesma intervenção do arguido, por causa e utilizando a expressão “corram-nos à pedrada”, algumas pessoas dirigiam-se aos YY... em tom de gozo (cfr. gravação do depoimento de J...

    , dos 4:38 min aos 6:26 minutos, págs. 45 e 46 desta motivação); - Os YY... não apresentaram qualquer queixa escrita aos serviços ou a qualquer entidade policial (cfr. gravação do depoimento de N...

    , dos 18:00 aos 21:30 minutos, pág. 41 supra, e do depoimento de L...

    , dos 3:59 aos 5:01 minutos, págs. 35 e 36, supra); - Os YY... e em particular a testemunha N...

    teve a percepção de que nunca o arguido pretendeu ou desejou que no exercício das suas funções os YY... fossem molestados ou agredidos (cfr. gravação do depoimento de N..., dos 11:07 aos 15:06 minutos, pág. 39 supra); 5. Salvo o devido respeito por outra opinião, o texto da sentença recorrida contém vários fundamentos inconciliáveis e contraditórios entre si; essencialmente trata-se da incompatibilidade entre os factos que (apesar das omissões mencionadas no ponto 4 destas conclusões) resultam da prova documental e testemunhal constante da sentença (revelando a valoração que foi feita do depoimento das testemunhas – que depuseram de forma clara, convicta, isenta e desapaixonada) e a estatuição de que o arguido proferiu a expressão...

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