Acórdão nº 18/06.0 TAPNC.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução28 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Após pronúncia, o arguido DA, já mais devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento porquanto indiciariamente incurso, entendeu-se, na prática de um crime de difamação, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal.

Operado o contraditório, por sentença de 7 de Janeiro de 2009 [por lapso manifesto, que se corrige, ut artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, consignou-se “7 de Janeiro de 2008” – fls. 672 -], entretanto alvo de correcção deferida – fls. 813 –, decretou-se a absolvição daquele mesmo arguido.

1.2. Porque se não revê no veredicto assim emitido, recorre a assistente Maria, também já devidamente identificada, extraindo da oportuna motivação as seguintes (diga-se que, por vezes, repetitivas) conclusões: 1.2.1. Impõe-se proceder à correcção de alguns lapsos constantes do texto da decisão, mormente, dos factos provados.

1.2.1. Isto uma vez que o Tribunal a quo ao reproduzir as entrevistas concedidas pelo arguido aos diversos meios de comunicação social optou por efectuar uma apresentação truncada das mesmas, limitando-se a transcrever os trechos que continham afirmações que pudessem consubstanciar a prática do crime de difamação de que o arguido vinha acusado.

1.2.3. Todas as afirmações assim proferidas foram dadas como provadas. Porém, certamente por lapso, o Tribunal recorrido olvidou transcrever algumas passagens que se mostram relevantes para a apreciação da presente impugnação. Especificando, não transcreveu o Tribunal a quo o seguinte trecho: Quanto ao ponto 5 da matéria dada como provada – Entrevista concedida pelo arguido à Rádio ….: “Teve que fazer o abate dos animais porque entretanto algumas ficaram com brucelose, é evidente que se suspeita que possa ser da invasão dos pastos por esses animais, mas isso é apenas uma suspeita, não afirmamos absolutamente mais nada, mas que realmente aconteceu, aconteceu e estas coisas não se podem continuar a verificar.” Quanto ao ponto 3 da matéria dada como provada – Entrevista concedida pelo arguido à Rádio C…: “Desta vez as pessoas perderam simplesmente a paciência para continuarem a ser usadas no meio disto tudo porque quem não trata do seu gado e por simplesmente se limitar a receber o subsídio, eu acho que o próprio Ministério da Agricultura aí é responsável e foi também um pouco este o teor da conversa que eu tive com o próprio director regional que está dentro do dossier.” Quanto ao ponto 4 da matéria dada como provada – Entrevista concedida pelo arguido à Rádio ….: “Nós também não queremos que a população se sinta ainda mais injustiçada relativamente à forma lenta como a justiça tem funcionado, porque há queixas no tribunal encaminhadas via GNR e que neste momento a população perdeu a paciência e a Câmara Municipal está solidária com a população, porque realmente não se consente que no Século XXI estejamos a atravessar situações destas.” Quanto ao ponto 8 da matéria de facto provada onde consta que à Rádio V… o arguido declarou as mesmas expressões aludidas no ponto 7 deverá passar a constar pontos 3, 4 e 5, pois que se depara mero lapso susceptível de reparação no Tribunal ad quem, e resulta directamente da transcrição das entrevistas concedidas.

1.2.4. Porque a matéria de facto constante das gravações áudio foi, na sua íntegra, dada como provada e imputada ao arguido, ocorre estarmos na presença de um mero lapso cuja eliminação não importa qualquer modificação essencial e que como tal deve ser corrigida, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.

Como corolário, depois de corrigida, deve tal matéria passar a integrar a matéria dada como provada.

1.2.5. A decisão recorrida padece de nulidade, que se invoca, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Isto porquanto: 1.2.6. O arguido vinha acusado de ter insinuado que a assistente propagou a brucelose a uma exploração vizinha; que, como consequência e culpa sua, o proprietário dessa exploração foi compelido a abater todos os seus animais – 550 cabeças de gado; aquela propagação, segundo insinuação do arguido, resultou do facto de os animais de que a assistente é proprietária contaminarem os campos que alegadamente invadem. Tais factos foram dados como provados nos pontos 5 e 7 da matéria provada.

1.2.8. Ora, não obstante o Tribunal sindicado ter dado tais factos como provados e, o artigo 180.º do Código Penal prever e punir como difamação os factos ou juízos, que sejam imputados, ainda que sob a forma de suspeita.

1.2.9. Bem como apesar de a assistente ter deduzido acusação particular, quanto a estes factos, certo é que não conheceu da referida suspeição.

1.2.10. Caso assim se não considere, sempre por tal circunstância padeceria a sentença recorrida do vício de insuficiência da matéria de facto, nos termos a que se alude no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, vício que, aliás, é de conhecimento oficioso do Tribunal.

1.2.11. Da factualidade vertida no ponto 9) dos factos dados como provados o Tribunal a quo retirou, no que aos factos atinentes ao sequestro por brucelose e prejuízos dos agricultores respeita, que: “é legitimo concluir que o arguido, em boa fé, reputou as suas afirmações como verdadeiras sendo que actuou na qualidade de Presidente da Câmara com o objectivo de esclarecer os populares das medidas adoptadas pelas instituições públicas no sentido de resolver a situação dos animais da exploração da assistente não continuarem a deambular pelas propriedades vizinhas e não provocarem estragos nem disseminarem doença, podendo originar o abate de animais de outras explorações.” 1.2.12. Ora, se nos ativermos a tal factualidade, conclusão será a de que, então, se limitou a transcrever os factos constantes da fundamentação de um Acórdão que teve o seu trânsito em julgado no dia 24 de Janeiro de 2006.

1.2.13. Ou seja, 4 anos após o arguido ter proferido as expressões que integram o crime de difamação com publicidade, pelo qual se encontra acusado nos presentes autos.

1.2.14. Entende, pois, a recorrente, que o Tribunal da 1.ª instância ao concluir da boa fé do arguido e da verdade das afirmações sobre os alegados apenas com fundamento nos factos a que se alude em 9), violou o cumprimento do dever de descoberta da verdade que lhe é imposto pelo normativo do artigo 340.º do Código de Processo Penal.

1.2.15. Na verdade, não consta da descrição da matéria de facto, que o arguido, à data da prática do ilícito, tivesse conhecimento da matéria a que se alude no ponto 9) da matéria de facto dada como provada.

1.2.16. Desconhece-se, não resultando da decisão recorrida, que o arguido, no momento em que concedeu as entrevistas aos diversos órgãos de comunicação social tinha conhecimento das queixas apresentadas? Era conhecedor do seu teor e dos alegados prejuízos? O arguido sabia que as entidades competentes tinham decretado o sequestro? Perguntas que ficaram por responder.

1.2.17. Todas elas absolutamente relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente, para se poder aquilatar da boa fé do agente e da verdade das imputações.

1.2.18. Boa fé e/ou verdade, cuja verificação, cumulativamente com a realização de interesse legítimo [alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º, do Código Penal], constituem condições necessárias à procedência da causa de justificação.

1.2.19. Assim, para que fosse legítimo ao Tribunal lançar mão da causa de justificação – de que se socorreu para formular o seu juízo absolutório – impunha-se que a boa fé do arguido se encontrasse provada, sendo exigível que o seu suporte fáctico constasse da decisão, o que não sucede. Bem como se impunha que da matéria de facto provada constasse que à data o arguido era conhecedor dos alegados prejuízos.

1.2.20. Na presença de factos essenciais para a formulação de um juízo seguro de absolvição, forçoso será então concluir, no que à boa fé do arguido respeita e à verdade dos prejuízos causados, os factos provados na decisão são insuficientes para justificar a decisão proferida.

1.2.21. O que comina a decisão proferida com o vício do artigo 410.º, n.º 2, bem como preterição aos artigos 340.º e 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal.

1.2.22. Acresce não haver logrado o Tribunal a quo proceder à melhor apreciação da prova produzida, e que a mesma, devidamente interpretada e julgada, imporia decisão diversa da recorrida.

1.2.23. Esse Tribunal assentou a decisão absolutória essencialmente no depoimento da testemunha F. médico veterinário, alegadamente, “municipal” e que, presumivelmente, teria veiculado as informações sobre a situação sanitária dos animais ao arguido.

1.2.24. Daí retirou a boa fé do arguido e o cumprimento, por parte deste, do dever de informação a que alude a alínea b) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 180.º citado.

1.2.25. Fazendo-o incorreu, porém, num erro de julgamento.

1.2.26. A mencionada testemunha é, efectivamente, médico veterinário, trabalha na Câmara Municipal .., não fazendo parte dos seus quadros, antes ocupa um cargo no gabinete de desenvolvimento local, não exerce funções de Veterinário Municipal.

1.2.27. Todos estes factos foram confirmados pelo próprio ao Tribunal a quo, aquando da prestação do seu depoimento constante da Cassete Seis, lado A – parte final – rotações 588 a 1742 e lado B, parte inicial – rotações – 0 a 482.

1.2.28. Ora, não obstante ser médico veterinário, a testemunha exerce funções na Câmara Municipal, no gabinete de desenvolvimento local, dispondo a Câmara dispõe de um Veterinário Municipal que tem as funções acometidas por lei e aí amplamente definidas, sendo a este que compete o aconselhamento do executivo, prestação de informações e a emissão de pareceres.

1.2.29. Não tendo resultado provado nos presentes autos, que tal entidade tenha sido ouvida sobre os problemas sanitários, alegadamente, existentes na exploração da assistente, não se vislumbra como pôde o Tribunal a quo considerar...

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