Acórdão nº 938/09.0TXCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução25 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.º 938/09.0TXCBR do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, recorre o Ministério Público do despacho da Mmª Juíza, datado de 15 de Julho de 2009, que decidiu negar a apreciação da concessão da liberdade condicional ao arguido O,,,, porque, tendo o mesmo sido colocado, por despacho de 30/6/2009, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, é legalmente inadmissível e impossível de cumprimento, em tal situação, a dita liberdade condicional.

2. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): «1. Antes da última revisão do CP apenas a prisão carcerária podia ultrapassar os seis meses.

  1. O regime de semi-detenção ou prisão por dias livres não podia ter duração superior a seis meses.

  2. Não existia a pena de prisão domiciliária, cuja duração máxima pode ser superior a seis meses.

  3. A todas as formas de cumprimento de pena de prisão com uma duração superior a seis meses, tem de se aplicar o instituto da liberdade condicional.

  4. Não se vê a razão de ser de distinguir as diversas formas de cumprimento da pena de prisão para se concluir que apenas à prisão carcerária se aplica o instituto da liberdade condicional.

  5. Não existe qualquer norma que limite o direito de um qualquer preso condenado a mais de 6 meses de cadeia, a ver apreciada a sua libertação condicional.

  6. Não pode ser discriminado um preso condenado a pena de prisão superior a 6 meses por se encontrar em regime de prisão domiciliária.

  7. Não é licito restringir direitos individuais senão perante norma expressa que claramente os restrinja.

  8. Havendo dúvidas interpretativas nunca se deve deixar prevalecer uma interpretação restritiva dos direitos, liberdades e garantias individuais.

  9. Aquilo que no espírito da lei releva é a privação drástica do bem jurídico que é a liberdade, não apenas que esta privação resulte da cadeia.

  10. Foram violadas as normas dos artigos 61° do Código Penal e 484° do Código do Processo Penal e bem assim a norma do n° 2 do artigo 18° da Constituição Politica.

    Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e o douto despacho recorrido revogado, ordenando-se a apreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!» 2.

    O Juiz auxiliar do TEP de Coimbra sustentou, a fls 65 a 68, o despacho proferido, entendendo que não estão reunidos os pressupostos elencados no artigo 61º do Código Penal para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP.

    3.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, seguindo em grande parte a argumentação do Ministério Público de 1ª instância, concluindo (em transcrição): «1. Acompanhamos, integralmente, a bem fundamentada posição do Ministério Público na 1ª instância na sua motivação de recurso, pelo que entendemos que o recurso merece provimento; 2. Assim, e para não repetirmos argumentos, apenas se aditará o seguinte: 3. O instituto da liberdade condicional constitui um incidente de execução da pena de prisão, “(...) que se justifica político-criminalmente à luz de finalidades preventivo-especiais de reintegração do agente na sociedade e do princípio da tutela de bens jurídicos”; 4. Os pressupostos — formais e materiais — de que depende a liberdade condicional são, para além do consentimento do condenado, que se encontre cumprido metade da pena e no mínimo seis meses (artigo 61°, corpo do n° 2), que seja fundamentadamente de esperar, atenta as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e evolução durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes [alínea a)] e que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social [alínea b), ambas do mesmo art° 61º n°2 do C.P.]; 5. Uma vez verificados esses pressupostos -- formais e materiais — de que a mesma depende, o tribunal tem o poder-dever de conceder a liberdade condicional.

  11. Ora, o regime de permanência na habitação, prevista pelo art° 44° do C.P, na redacção também introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, quer se considere como uma verdadeira pena de substituição, seja como uma forma de execução da pena de prisão, o que realmente releva é que se trata, tal como a pena de prisão, de uma medida detentiva, privativa da liberdade; 7. Com a única diferença, assim, a de que, enquanto esta é cumprida em estabelecimento prisional, a obrigação de permanência na habitação consiste na permanência na habitação do arguido ou de terceiro, mediante vigilância electrónica; 8. De todo o modo — como se disse — ambas as medidas são restritivas da liberdade do indivíduo, na manifestação do seu jus ambulandi, de modo que a obrigação de permanência na habitação se configura como uma verdadeira prisão domiciliária; 9. Tanto assim que, quando aplicadas como medida processual cautelar (art°s 198° e 202° do C.P.P.), ambas são descontadas por inteiro no cumprimento da pena (art° 80, n.° 1 do C.P.); 10. E estão sujeitas ao mesmo regime de reexame dos seus pressupostos (art° 213° do C.P.P.) e aos prazos máximos da sua duração (art°s 215° e 218° n° 3, do mesmo C.P.P.), sendo-lhe, igualmente, aplicável o regime de suspensão, em caso de doença e de libertação, por extinção da medida ou esgotamento dos respectivos prazos (art°s 216°, 217°, aplicáveis à obrigação de permanência na habitação, por força do art°218°, n.º 3 do C.P.P.); 11. E assim que, como bem refere a Digna magistrada recorrente, ubi lex non distinguit. nec nos distinguere debemus; 12. Pelo que não vislumbramos, por isso, qualquer razão para afastar do regime da concessão da liberdade condicional os condenados que, nos termos do art° 44° do C.P, se encontrem a cumprir pena no regime de obrigação de permanência na habitação; 13. Posto, que se verifiquem os demais pressupostos acima referidos, designadamente quando se formule um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade; 14. Acresce que, quando o condenado é sujeito ao regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, por efeitos da concessão da adaptação à liberdade condicional (art° 62° do C.P.), findo o período respectivo, sem que a mesma tenha sido revogada, o Juiz do TEP, após parecer do Ministério Público, tem, também, de avaliar as necessidades preventivas do caso com vista á concessão da liberdade condicional, seguindo os critérios gerais do art° 61º n°2 do C.P.; 15. Não sendo de convocar o Conselho Técnico do EP, desde logo porque o condenado já não se encontra submetido ao regime prisional; 16. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo admissível a concessão da liberdade condicional a condenado que se encontra sujeito ao regime de permanência na habitação, nos termos do art° 44º, n° 1 do C.P., não se vêem, igualmente, que dificuldades práticas possam impedir a aplicação aos mesmos da liberdade condicional, verificados que sejam os seus pressupostos; 17. Dificuldades, todavia, que nunca poderiam fazer postergar a aplicação do regime da liberdade condicional, com restrição do direito à liberdade, protegido pelo art° 27° n° 1 da CRP; 18. E daí que, a interpretação do disposto no artigo 61° do Código Penal, conjugado com o artigo 484° do Código de Processo Penal, no sentido de a concessão da liberdade condicional não abranger os condenados sujeitos ao regime de obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica, aplicada nos termos do art° 44°, n.° 1 do Código Penal, é inconstitucional, por violação do artigo 18°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 19. Inconstitucionalidade que foi, expressamente arguida pelo Ministério Público na instância, em conclusão da sua motivação de recurso (conclusão 11), e que, aqui, se reitera.

    Termos em que se entende, assim, que o recurso interposto pelo Ministério Público merece integral provimento».

    4.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se é aplicável o instituto da liberdade condicional ao regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, aplicado nos termos do artigo 44º do Código Penal.

    2.

    O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Conforme resulta dos autos, o arguido, encontra-se desde 03 do corrente mês, em cumprimento de pena, em regime de Obrigação de Permanência na Habitação, fiscalizada por Vigilância Electrónica, aplicado este, pelo Tribunal da Condenação, nos termos do disposto no artigo 44° do Código Penal.

    Nesta matéria sufragávamos posição de não ser aplicável a liberdade condicional e referíamos o seguinte: Parece-nos, salvo melhor opinião, que o Instituto da Liberdade Condicional, não terá aqui, aplicação, para além...

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