Acórdão nº 2158/08.1 TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução25 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

F… com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento porquanto alegadamente incurso, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática de factualidade consubstanciadora da autoria material consumada de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Findo tal contraditório, acabou condenado enquanto agente do ilícito assacado, na pena de 80 dias de multa, á taxa diária de € 4,00, ou seja, na multa global de € 320,00.

1.2. Não conformado com o sancionamento assim decretado, recorre o arguido, extraindo da motivação apresentada as conclusões seguintes: 1.2.1. Na sentença proferida, o M.mo Juiz a quo, por entender que os factos aí considerados provados sob os pontos 1 a 5, preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de desobediência [dito artigo 348.º, n.º 1, alínea b)], e, porque não ocorria qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, sancionou penalmente o recorrente.

1.2.2. De acordo com a matéria fáctica considerada assente, o arguido consciente e intencionalmente, tendo sido notificado, na sua própria pessoa, para, no, prazo de dez dias, após trânsito em julgado da sentença, entregar a carta de condução na secretaria do Tribunal sindicado, na DGV ou em qualquer posto policial, sob pena de não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, não a entregou nesse prazo, nem posteriormente, pelo que o título de condução veio a ser-lhe apreendido no dia 14.10.2008.

1.2.3. Assim, seja qual for a interpretação que possa fazer-se do mencionado normativo, a conduta do arguido não preenche indubitavelmente quer o elemento objectivo, quer o elemento subjectivo do tipo legal de crime de desobediência.

1.2.4. Não é controverso que estamos perante uma norma “norma penal em branco”, ou, de uma norma penal com “espaços em branco”, que no caso concreto, compete à autoridade judicial preencher esse espaço.

1.2.5. Contudo, a “cominação só é válida se for, de entre o mais, materialmente legítima”, o que “remete por força para a consideração da proporcionalidade dela e para o paradigma de um modelo político-criminal constitucionalmente sancionado como um modelo de intervenção mínima (art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), de acordo com o qual ao direito penal é reservada uma função residual, de última linha da politica social.

1.2.6. Inquestionável resulta também o carácter subsidiário desta incriminação, considerado no sentido de que a autoridade ou o funcionário só podem fazer uma tal cominação quando o comportamento em causa não constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa mesma conduta, seja ela de natureza criminal, contra-ordenacional ou outra[1], e, sempre, tendo por horizonte o paradigma da intervenção mínima constitucionalmente consagrado no citado artigo 18.º, n.º 2.

1.2.7. Tendo a incriminação prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 348.º do Código Penal carácter subsidiário, a autoridade ou funcionário só podem fazer a cominação aí prevista quando o legislador não tenha estabelecido expressamente que o comportamento deve ser sancionado diversamente, seja por outra incriminação, seja como um ilícito de diferente natureza[2].

1.2.8. Assim, seja qual for a interpretação que possa fazer-se desse preceito, a conduta do arguido não preenche quer o elemento objectivo, quer o elemento subjectivo do tipo legal de crime de desobediência.

1.2.9. No caso concreto, embora o arguido não tenha entregue a carta de condução no tempo cominado, certo é que o Tribunal, fazendo apelo ao regime constante do artigo 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, ordenou a apreensão desse título, assim cumprindo o recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir que fora decretada.

1.2.10. Acrescendo que esta entrega se destina meramente a exercer um melhor controlo acerca da execução da sanção de inibição de conduzir.

1.2.11. Aquele artigo 500.º, n.º 3 prevê a entrega coerciva da carta de condução e, tendo a mesma produzido o efeito pretendido, não se esgotaram os meios legais, pelo que a condição essencial à cominação mais gravosa: a legitimidade.

1.2.12. Acresce que, caso o arguido se escusasse ao cumprimento, sempre seria sancionado pelo crime de violação de proibições, previsto e punido pelo artigo 353.º, do Código Penal.

Terminou pedindo que no provimento da impugnação, seja eximido da responsabilidade penal decretada.

1.3. Notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público sustentado também o provimento do recurso e consequente irresponsabilização penal do arguido.

Admitida a oposição, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica procedência.

Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do dito inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, ordenou-se a recolha dos vistos legais, o que sucedeu, bem como o prosseguimento do recurso com submissão á presente conferência.

Urge ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. Após discussão da causa, deu-se como provada a seguinte factualidade: 1. No dia 18 de Maio de 2007, no âmbito do Processo Abreviado n.º 67/03.0 PTLRA, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, o arguido foi notificado, na sua...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT