Acórdão nº 941/06.1TBMGR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - São três os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso, ou seja, quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados, quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior e, finalmente, no caso de a sua apresentação apenas se revelar necessária, devido ao julgamento proferido em 1ª instância.

II - A anulação do contrato de compra e venda obriga o possuidor de má fé a restituir o que recebeu, incluindo os frutos que a coisa produziu e o valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter recebido, o que, tratando-se de dinheiro, corresponde à sua aplicação pela via de uma operação de depósito a prazo, que justifique que suporte os correspondentes juros de mora.

III - A boa fé do possuidor que cessa com a sua citação para os termos da acção é aquela que se presume, por ser inerente à situação de posse titulada, e não a posse de quem se provou que sabia, ao adquiri-la, que lesava os direitos de outrem.

IV - Se o autor lograr demonstrar que já, anteriormente, à citação o réu conhecia os vícios da sua posse, isto é, conseguir ilidir a presunção legal de boa fé da posse titulada, a cessação da boa fé não dependente da citação, reportando-se, então, a má fé do réu ao momento em que se apurar que tomou conhecimento do vício da sua posse.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA – Compra e Venda de Imóveis, Lda., com sede na Rua da F…, Bidoeira de Cima, Leiria, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB e esposa, CC, residentes no lugar da E…, Rua de L…, nº …, Marinha Grande, pedindo que, na sua procedência, se declare, nos termos do disposto pelo artigo 905º, do Código Civil, a anulação da venda do terreno infra-descrito e constante da escritura pública, datada de 1 de Março de 2005 [a], e, em consequência, que os réus sejam condenados a restituir todas as quantias entregues, a título de preço, no montante de €225.000,00 [b], a pagar todos os valores dispendidos pela autora, a título de despesas inerentes à celebração da escritura pública de compra e venda do terreno, no valor de €2.186,00 [c], a pagar à autora os juros, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, os quais ascendem a €10.174,66, à data da propositura da acção [d] e a pagar à autora a quantia de €50.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da celebração do contrato cuja anulação se pretende, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, sendo uma sociedade que se dedica à compra e venda de imóveis, comprou aos réus um prédio, situado na comarca da Marinha Grande, com vista ao seu futuro loteamento, como era do conhecimento destes, tendo pago aos mesmos o preço de €225.000,00, e bem assim como as despesas inerentes à transmissão.

Com efeito, tendo os réus declarado, quer no contrato-promessa, quer na escritura pública de compra e venda, que o imóvel estava livre de ónus e encargos, a autora celebrou o negócio, vindo, porém, a constatar que o prédio se encontrava arrendado a uma sociedade comercial, que ainda hoje o ocupa e se recusa a libertá-lo.

Por causa desta situação, a autora viu frustrados os planos que a levaram a adquirir o referido imóvel, o que consubstancia uma venda de bem onerado, nos termos do estipulado pelo artigo 905.º, do Código Civil, com a consequente anulação do negócio, por erro ou dolo, devendo ser restituído tudo o que foi prestado, incluindo os juros, enquanto frutos civis.

Na contestação, os réus concluem com o pedido da improcedência da acção, alegando, para tanto, que venderam à autora o imóvel, livre de ónus e encargos, pois que o contrato de arrendamento em causa cessara, por acordo com a locatária, tendo esta entregue, em Fevereiro de 2005, ao réu marido, o imóvel devoluto, sendo certo, porém, que, posteriormente, à revelia dos réus, a referida sociedade, antes arrendatária, ocupou, abusivamente, o mesmo.

Contactada a autora pelo réu, acordaram em que aquela iria tentar negociar a desocupação, prestando-se o réu a toda a colaboração necessária ou, na impossibilidade, a instaurar acção destinada a reivindicar o terreno.

Acontece que não existe qualquer contrato de arrendamento válido com a “S…”, sendo certo que a ocupação do terreno é posterior à venda e entrega do mesmo à autora, não podendo, portanto, os réus ser responsabilizados pela conduta da sociedade, anteriormente, arrendatária.

Não há venda de bem onerado, nem erro sobre o objecto do negócio, para além de que a autora apenas poderia ter direito a juros, desde a citação dos réus, à taxa legal, que, actualmente, é de 4 %.

Na réplica, a autora conclui como na petição inicial.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, anulou o contrato de compra e venda celebrado entre a autora e os réus, no dia 1 de Março de 2005, em escritura pública celebrada, no Cartório Notarial da Marinha Grande (folhas 99 verso a 100 verso do livro de notas para escrituras diversas número 50-H), através da qual a autora, pelo preço de €225.000,00 (duzentos e vinte cinco mil euros) comprara aos réus o prédio descrito no § 3 dos factos provados [1], condenou os réus a restituírem à autora a quantia de €225.000,00 (duzentos e vinte cinco mil euros) [2], condenou os réus a pagarem à autora a quantia de €10.174,66 (dez mil cento e setenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), a título de juros vencidos, à data da propositura da acção, acrescida dos juros vencidos, desde essa data, e vincendos, sobre a quantia de €225.000,00 (duzentos e vinte cinco mil euros), até integral pagamento desta quantia, à taxa legal, prevista no artigo 559º do CC [3], condenou os réus a pagarem à autora a quantia de €2.186,00 (dois mil cento e oitenta e seus euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, prevista no artigo 559º, do CC, vencidos e vincendos, desde a data da citação dos réus nesta acção e até integral pagamento [4] e, finalmente, condenou os réus a pagarem à autora a quantia que se vier a liquidar, em incidente de liquidação, relativa às despesas identificadas no § 24 dos factos provados, sem que possa exceder a quantia global de €50.000,00 (cinquenta mil euros) [5].

Desta sentença, os réus interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Coimbra, os mesmos réus interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua anulação, com a consequente baixa do processo ao Tribunal da Relação, a fim deste discriminar, de forma explícita, os factos que considera como provados, devendo ainda o mesmo ser revogado ou, quando assim se não entender, os recorrentes absolvidos da parte em que o acórdão recorrido os condena em juros, desde a data da escritura pública, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso interposto pelos recorrentes.

2a - Acontece que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é nulo.

3a - Desde logo porque, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 713° do CPC, o acórdão deve expor os fundamentos.

4a - E nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 659° do CPC, nos fundamentos o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

5a - E, ao contrário do que devia, e em clara violação do disposto nas supra citadas normas legais, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não fixou de forma explicita, completa e discriminada os factos que deu como provados.

6a - O Tribunal da Relação limitou-se a referir os factos que o Tribunal de 1a instancia deu como provados e nada mais do que isso.

7a - O acórdão ora recorrido ao não discriminar os factos que considerou como provados, violou o disposto no n° 2 do artigo 659° do CPC, aplicável por força do disposto no n° 1 do artigo 716° do CPC.

8a - E nos termos do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 668° do CPC, aplicável por força do disposto no n° 1 do artigo 716° do CPC, é nulo o acórdão que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nele proferida.

9a - Face à nulidade do acórdão, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 729° do CPC, o processo deve baixar ao Tribunal da Relação de Coimbra a fim deste discriminar de forma explícita os factos que considera como provados, o que aqui se requer expressamente e para todos os legais efeitos.

10a - Sem conceder, sempre se dirá ainda que o Tribunal da Relação, ainda ao contrário do que devia, indeferiu a junção aos autos de uma certidão emitida pelos serviços de finanças da Marinha Grande de acordo com a qual a empresa "S… L…...

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