Acórdão nº 75/08.4TBFAF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelESTELITA DE MENDON
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães ***A…, residente na Rua da Torre, 93, Arões –S.Romão, 4820-758, Fafe, intentou a presente acção de condenação sob a forma de processo sumário contra contra EP – Estradas de Portugal, S.A., com sede no Largo da Portagem, Almada e Aenor – Auto-Estradas de Portugal, S.A., com sede na Rua Antero de Quental, 381-3.º, 4455 – 586 Perafita, peticionando a condenação das RR. a: a) reconhecerem o autor como dono e legítimo proprietário das parcelas de terreno supra identificadas que lhe ocuparam e mantém na sua posse; b) a devolvê-las, ao autor, no estado em que se encontravam à da ocupação; c) a pagarem uma sanção pecuniária compulsória de €250,00 por dia desde a data do Acórdão que declarou nulo o acto expropriativo até à entrega definitiva, destinando-se metade para o Autor e metade para o Estado.

*Para tanto, alega, em síntese, que as RR. ocuparam as parcelas de sua propriedade, após a 1ª R. – EP – ter lavrado auto de posse administrativa, com a construção de uma auto-estrada ao abrigo do Despacho 17.818-G-2002 do Ex.mº Sr. Secretário de Estado das Obras públicas datado de 23/7/2002, publicado no Diário da República de 9/8/2002, Contudo, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 5/2/2004, o acto proferido pelo Ex.mº Sr. Secretário foi declarado nulo.

Alega que as RR. nada fizeram para adquirir as parcelas pela via de direito privado ou para as devolver ao A., no estado em que as ocuparam.

Conclui, assim pelo peticionado.

*Citadas, as RR. apresentaram contestação.

A R. Estradas de Portugal, S.A. pugnou pela sua ilegitimidade para a demanda nos presentes autos.

Mais refere que o Tribunal Judicial de Fafe não é o competente, em razão da matéria, mas, sim, o Tribunal Administrativo e Fiscal.

Menciona que a devolução das parcelas não poderá ocorrer pois a concessão rodoviária está aberta ao tráfego jurídico. A sua devolução acarretaria inúmeros prejuízos para o interesse público ultrapassando os benefícios que para os AA. dela adviriam.

Mais alega que a sanção compulsória peticionada (250€/dia) é excessiva por violação de um princípio jurídico da proporcionalidade.

*A R. Aenor – Auto Estradas do norte, S.A., invocou a incompetência do Tribunal em razão da matéria, bem como a sua ilegitimidade para a presente demanda.

Impugnou a matéria vertida pelo A., realçando que a parcela de terreno não lhes pode ser entregue uma vez que se encontra implantada sobre a mesma uma auto-estrada.

Salientam que o montante peticionado pelos AA. para a aludida sanção pecuniária compulsória é exagerado.

Deduziu pedido reconvencional, peticionando que o Tribunal reconheça o direito de propriedade da R., mediante a verificação dos pressupostos do instituto jurídico da acessão industrial imobiliária.

*O A. respondeu às excepções invocadas, pugnando pela sua improcedência.

Pugnou pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

*Foi deduzido pedido de intervenção principal por parte de M…, nos termos do art.º 28.A, n.º1 do CPC e art.º 1682.º-A n.º1 al. a) do CC, o qual foi deferido.

*Por sentença datada de 13 de Abril de 2010 foi determinada a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al.

e) do CPC.

*Foi interposto recurso, e por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14 de Outubro de 2010, foi julgado provimento ao recurso, ordenando o prosseguimento dos autos.

Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo não foi admitido por o valor da causa não o permitir.

*Proferido despacho saneador as excepções dilatórias invocadas foram julgadas improcedentes.

Foi admitida a reconvenção deduzida.

Realizado o julgamento, foi, a final, proferida sentença que decidiu: a) julgar improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do A. e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a auto-estrada, condenando a Ré EP-Estradas de Portugal, S.A. a pagar ao A., em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido da violação do direito de propriedade dos prédios id. em 1.

b) Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida.

c) Condenar os AA. a pagar as custas da acção e a Ré Reconvinte a pagar as custas da reconvenção (art.º 446.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Inconformados com o assim decidido os AA. interpuseram recurso terminando com as seguintes CONCLUSÕES: I. A sentença recorrida é, na perspectiva dos Recorrentes, susceptível de ser sindicada por este Alto Tribunal na exacta medida em que, por diferentes formas, julgou erradamente a questão que foi submetida ao seu crivo judicial.

  1. Primeiramente, estando em causa uma acção de reivindicação, não obstante reconhecer, do ponto de vista dos factos que deu como provados, mas também no raciocínio da fundamentação jurídica que produziu, a titularidade dos Autores quanto ao direito de propriedade, concluiu, a final, pela improcedência da acção, em geral, e do primeiro pedido (e principal) inerente àquela, que passa pelo reconhecimento da propriedade.

  2. Ora, esta dissonância entre a fundamentação e a decisão consubstancia um vício grave da decisão, que a torna nula, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do C.P.C., que aqui importa declarar e suprir.

  3. Na verdade, surgindo a decisão num procedimento lógico, as premissas de que parte o julgador devem ser coerentes com a solução que propõe para o caso dos autos. Todavia, a situação que por aquela via gerou, tanto mais quando condenou uma das Recorridas ao pagamento de um quantitativo pecuniário, pela impossibilidade de restituição do bem ilicitamente ocupado, gera uma manifesta contradição que, a manter-se, inquina não apenas o teor da decisão havida, como também a composição da questão de Direito.

  4. Sem prescindir, importa perceber que, subjacente à propositura da presente acção esteve, como é consabido, e foi dado como provado nos autos, um juízo de declaração de nulidade, transitado em julgado, do acto de declaração de utilidade pública em que se louvaram as Recorridas para promover uma expropriação por utilidade pública.

  5. Resulta dos cânones jurídicos que, o acto declarado nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, tudo se passando, portanto, como se ele não existisse; de igual sorte, ademais, padecem os actos subsequentes. Isto traduzido, no caso concreto, corresponderá pois a afirmar que, não apenas o acto de génese da expropriação é nulo, como nulos são os demais (investidura na posse, adjudicação da propriedade, e, em termos gerais, o processo de expropriação), porque dependentes daquele.

  6. A omissão, aquando da condição do processo expropriativo, de um pedido atinente à desafectação do solo e a inerente obtenção de parecer favorável da entidade competente, tem reflexos gravosos no acto que encerra o procedimento; daí que o legislador, respeitando os interesses comunitários envolvidos (urbanismo, ordenamento do território), o haja sancionado, quando assim praticado, sabendo que, como acto procedimental, mais do que não poder ser sanado, jamais poderia ser repetido se praticado fora daquele concreto momento e em data posterior à execução da obra.

  7. Ora, a sentença recorrida não perspectiva em tais termos a acção proposta, e a questão subjacente. Na verdade, salvaguardando acima de tudo o “interesse público do betão”, afastou-se da dogmática jurídica, olvidando aquele postulado de base. Todavia, se de entre as formas de aquisição da propriedade, por partes das Recorridas, se encontra a aquisição por via da expropriação, esta exige, ainda assim, a verificação de um conjunto de pressupostos de legitimidade, não sendo alheia à necessidade de previsão na lei e a sua corporização em acto válido.

  8. Na medida exacta em que o acto genético da expropriação foi posto em causa, mais do que estarmos perante uma ofensa a um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, confrontamo-nos com uma utilização abusiva e a non domino do bem.

  9. Destarte, é curioso notar que, assumindo claramente a validade substancial do juízo proferido pelo S.T.A., o Tribunal recorrido não soluciona o problema de saber de que forma as Recorridas adquiriram (e especificamente a E.P.) a propriedade sobre o bem. Se não o fizeram por via da expropriação, atento o que vai dito, e se improcedente foi julgado o pedido reconvencional de reconhecimento de aquisição do imóvel por acessão, invocada pela Recorrida concessionária (que curiosamente não poderia adquirir), XI. Então a posse, porque não titulada, jamais integrou o domínio público, pois que, para acontecer, carecia de título válido (e a usucapião, afora o prazo legalmente previsto, não é forma de aquisição possível).

  10. Consequentemente, não se compreende que o Tribunal recorrido haja julgado totalmente improcedente a acção. E dizemo-lo pois que, independentemente da [im]procedência de um, ou de alguns dos pedidos, implicar ou não a [im]procedência de todos, facto é que tendo os Recorrentes, lançado mão desta acção para reivindicarem o bem, teriam sempre de ver reconhecido o seu direito de propriedade.

  11. Na esteira daquela que é a construção legal, mas também dogmática, desta figura jurídica, como pedido principal apresenta-se o de reconhecimento da propriedade, o qual, uma vez obtido, leva inerente, por consequência, o direito à restituição do bem; apenas assim não sucederá nos casos plasmados na lei (artigo 1311.º, nºs 1 e 2).

  12. Estando demonstrado nos autos de que os imóveis afectados pela expropriação pertenciam aos Recorrentes, que deles foram desapossados ilegalmente (vide os pontos 1.º a 4.º e 6.º do elenco de factos provados), na falta de melhor prova, beneficiando o Recorrente da presunção derivada do registo (artigo 7.º do C.R.P.), não tendo sido a propriedade contestada e tendo sido julgado improcedente o pedido reconvencional (sem que a entidade competente – E.P. – tivesse pedido a declaração de qualquer direito de idêntica natureza), resulta da declaração de nulidade que apenas...

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