Acórdão nº 1536/03.7TAGMR-A. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Data20 Janeiro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO Decisão: REVISÃO AUTORIZADA Sumário : I -Para efeito do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, enquanto fundamento do recurso extraordinário de revisão, a generalidade da doutrina tem vindo a pronunciar-se no sentido de que são novos aqueles factos ou meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou condenação, por serem desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, embora pudessem ser do conhecimento do condenado na altura do julgamento.

II - Apesar de ser também este o entendimento dominante no STJ, ultimamente ganhou adeptos uma outra corrente segundo a qual, dada a natureza extraordinária do recurso de revisão, este não é compatível com complacências perante a inércia do arguido na dedução da sua defesa ou perante estratégias de defesa incompatíveis com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais e, por isso, o requerente só pode indicar novos factos ou novas testemunhas, quando estes também para ele sejam novos, ou porque os ignorava de todo, ou porque estava impossibilitado de fazer prova sobre eles.

III -A revisão de sentença transitada em julgado só é possível se os novos meios de prova, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o que sucede sempre que, perante novos factos ou novos elementos de prova, se colocarem dúvidas sérias acerca da verificação, ou não verificação, dos fundamentos de facto em que assentou a condenação.

IV -O requerente foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do CP e de um crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. a), do CP, mas nas declarações prestadas na audiência de julgamento afirmou que fez transferências em numerário para a Nigéria, que recebeu do estrangeiro o cheque a que se reportam os presentes autos, que foi esse o cheque que entregou à assistente na sua agência bancária, que perdeu a correspondência trocada com o estrangeiro e que tinha sido ouvido no âmbito de um inquérito que correu termos pela Polícia Judiciária por causa dessas transferências bancárias, dado haver suspeitas de branqueamento de capitais, sem que tenha apresentado os correspondentes meios de prova (talões dos depósitos das alegadas transferências, ou, no mínimo a correspondência trocada com as pessoas da Nigéria para quem transferiu dinheiro).

V - Tendo conseguido localizar esse inquérito, onde se encontra a correspondência a que o ora requerente fez referência (cartas e faxes que o arguido recebeu da Nigéria em 1997 que revelam a existência dos contactos que lhe foram feitos por residentes na Nigéria, prometendo uma elevada remuneração do capital que remetesse àquele país), deve considerar-se que o condenado, no momento da audiência de julgamento, não tinha acesso a estes meios de prova, que, em consequência, devem ser tidos por novos.

VI -Se o tribunal tivesse podido dispor destes elementos de prova e, por consequência pudesse ter por verdadeiras as declarações do arguido na parte em que afirmou ter enviado dinheiro para a Nigéria, poderia ter ficado perante uma situação de dúvida capaz de produzir reflexos na autoria da falsificação do cheque e no crime de burla que se lhe seguiu, pelo que é lícito concluir que os novos elementos de prova suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

VII - Nem a circunstância de terem decorrido cerca de 4 ou 5 anos entre o momento das transferências de dinheiro para a Nigéria e a apresentação do cheque no banco deve levar a ter por necessariamente improvável que a posse do cheque adviesse deste negócio. Com efeito, se as transferências para a Nigéria se destinavam a pôr o dinheiro a render, tinha necessariamente que passar um lapso de tempo razoável para se obterem os lucros e se operar a devolução do capital.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, identificado nos autos, foi condenado, por tribunal singular, no processo nº 1536/03.7TAGMR do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 a) e 3 do Código Penal na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 8,00, num total de € 1.600,00 e de um crime de burla qualificada p. e p. pelos art. 217º nº 1 e 218º nº 2 alínea a) do Código Penal na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. Em cúmulo material, foi condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, num total de € 1.600,00 e na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos. Foi ainda condenado em indemnização civil a favor do Banco BB na quantia de € 347 970,51, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7% desde 6 de Maio de 2002 até 30 de Abril de 2003 e de 4% desde 1 de Maio de 2003 até integral pagamento, devendo os juros vencidos à data da dedução do pedido cível limitar-se ao peticionado.

Para tanto, foi dada como provada a seguinte matéria de facto: 1. AA, arguido, é titular da conta n.º … domiciliada no Banco CC, S.A., agência de Guimarães (actual Banco BB, S.A., dado o facto de o CC ter sido incorporado, através de fusão, no BB).

  1. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, mas entre os dias 14 de Janeiro de 2002 e 17 de Abril de 2002, o arguido entrou na posse do cheque bancário com o nº …, emitido por ''DD" - … de Barcelona, Espanha, a favor de EE.

  2. Uma vez na sua posse, o arguido decidiu fabricar, a partir daquele, e pelo seu punho, um outro cheque bancário.

  3. Assim, o arguido eliminou as referências anteriores constantes do cheque e, após, preencheu, emitiu e assinou o aludido cheque bancário à sua ordem, emitido por "DD" - ... Barcelona, Espanha, fazendo constar que o mesmo havia sido sacado sobre o FF Bank, sedeado em Nova Iorque, Estados Unidos da América e apondo-Ihe o valor de USD 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil dólares americanos).

  4. Assim, no dia 17 de Abril de 2002, o arguido dirigiu-se à agência de Guimarães do então CC com a finalidade de depositar na conta supra referida, de que é titular, o cheque bancário que havia fabricado, no montante de USD 350,000,00 (trezentos e cinquenta mil dólares americanos).

  5. No dia 17 de Abril de 2002, a assistente ficou com o referido cheque e nesse dia não o movimentou, nem creditou o seu valor na dita conta nº …, de que o arguido naquela agência é titular.

  6. Além de administradores e directores da assistente, vários funcionários da assistente viram e examinaram o referido cheque. Várias pessoas do escalão IV da cadeia hierárquica da assistente aprovaram como seu contra valor € 395.002,00.

  7. Na conta do arguido, a assistente, com designada descrição "Origem Do Doe Oper Estr”, no dia 19 de Abril de 2002, movimentou esse cheque e nela com a descrição "CMB chq Est”; no dia 22 de Abril de 2002 creditou €391.894,07. (trezentos e noventa e um mil oitocentos e noventa e quatro euros e sete cêntimos). 9. Só a partir de 29 de Abril de 2002 é que, com autorização da assistente, o arguido passou a movimentar a referida quantia monetária, utilizando-a em seu proveito.

  8. A assistente enviou para Nova Iorque o referido cheque para o banco sacado, o FF Bank - New York lho pagar e lhe creditar o respectivo valor na sua conta, 11. Contudo, o cheque bancário supra-referido não tinha qualquer correspondência com a realidade, pois nunca o Banco ''DD" o havia emitido, razão pela qual, em Maio de 2002, veio a ser devolvido pelo banco sacado (o FF Bank), sem pagamento.

  9. Os encargos de tal devolução ascenderam a € 72,80.

  10. Em consequência da devolução, sem pagamento, do cheque em apreço, em 6 de Junho de 2002, e com data valor de 6 de Maio de 2002, a assistente lançou a débito na referida conta bancária do arguido, e a seu crédito, o montante de € 391.966,87, correspondente ao valor do mesmo cheque (€ 391.894,07) acrescido dos respectivos encargos de tal devolução, no valor de € 72,80.

  11. Imediatamente antes de ser efectuado tal lançamento, a conta do arguido apresentava um saldo credor a favor dele de € 43.996,36.

  12. Por operação de compensação, que naquele dia realizou com aquela quantia de 43.996,36 € e que fez sua, a assistente fez com que essa conta ficasse com o saldo devedor, por parte do arguido para com ela, de €347.970,51.

  13. Assim, em consequência da acção delituosa do arguido, a assistente sofreu um prejuízo que, em 6 de Maio de 2002, se cifrava em, pelo menos, € 347.970,51, montante que ainda se encontra em dívida.

  14. A assistente apenas aceitou o aludido cheque bancário e creditou o montante nele titulado na conta do arguido, porque se convenceu que aquele se encontrava, legitimamente, na posse do mesmo, atendendo até à sua própria natureza, dado tratar-se de cheque bancário aparentemente sem vícios ou irregularidades e porque o arguido se apresentou como seu legítimo possuidor.

  15. Na verdade, a própria qualidade do documento em si e a sua aparência em tudo idêntica à real foram determinantes para que os funcionários da assistente aceitassem para depósito o mencionado título de crédito.

  16. O arguido AA, ao entregar para depósito em conta de que é titular o cheque bancário supra referido, fazendo crer aos funcionários da assistente que se encontrava, efectivamente, na posse legítima do mesmo, actuou com o propósito, conseguido, de enriquecer o seu património no valor de, pelo menos, €391.894,07 (trezentos e noventa e um mil oitocentos e noventa e quatro euros e sete cêntimos), em prejuízo da assistente, uma vez que tinha perfeito conhecimento que o referido título de crédito não existia, efectivamente, determinando, atentas as qualidades e fé pública de que goza o aludido título de crédito (características de que tinha perfeito conhecimento), a assistente a pagar-lhe a quantia por ele titulada, com o inerente prejuízo patrimonial para aquela.

  17. Para o efeito, o arguido, com a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 253/17.5JALRA-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • 14 de outubro de 2021
    ...suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Neste sentido, veja-se, entre outros: - O Ac. STJ de 20/01/2010, in Proc. nº 1536/03.7TAGMR-A.S (Relator Arménio Sottomayor): “I- Para efeito do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, enquanto fundamento do recurso extraordinári......
1 sentencias
  • Acórdão nº 253/17.5JALRA-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • 14 de outubro de 2021
    ...suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Neste sentido, veja-se, entre outros: - O Ac. STJ de 20/01/2010, in Proc. nº 1536/03.7TAGMR-A.S (Relator Arménio Sottomayor): “I- Para efeito do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, enquanto fundamento do recurso extraordinári......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT