Acórdão nº 09B0332 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução12 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADO PROVIMENTO Legislação Nacional: – REGULAMENTO (CEE) Nº 2677/85, DA COMISSÃO, DE 24 DE SETEMBRO – DECRETO-LEI Nº 183/88, DE 24 DE MAIO – DECRETO-LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL – DECRETO-LEI Nº 446/85, DE 25 DE OUTUBRO – CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 236º, 238º, 334ºCÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 721º, 754º Jurisprudência Nacional: – 14 DE NOVEMBRO DE 2006, PROC. NºS 06A3441, – 3 DE ABRIL DE 2008, PROC. Nº 08B470 – 3 DE JULHO DE 2008, PROC. Nº 08B2002, – 18 DE DEZEMBRO DE 2008, PROC. Nº 08B3154 – 23 DE SETEMBRO DE 2008, PROC. Nº 08B2346 – 31 DE MARÇO DE 2009, PROC. Nº 09A0537 – 16 DE ABRIO DE 2009, PROC. Nº 77/07.8TBCTB.C1.S1). – 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B659 Sumário : Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. É aplicável aos contratos de seguro-caução celebrados antes da sua revogação pela al. a) do nº 2 do artigo 6º do citado Decreto-Lei nº 72/2008 o artigo 426º do Código Comercial, que exigia a redução a escrito do contrato de seguro e enunciava os pontos que deviam constar da respectiva apólice.

  1. Tratando-se de contratos formais, aplicam-se à respectiva interpretação as regras definidas pelos artigos 236º e 238º do Código Civil e pelos artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.

  2. A intervenção do Supremo Tribunal da Justiça no controlo da interpretação de declarações negociais limita-se à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos para o efeito, já que a averiguação da vontade real dos declarantes se situa no domínio da matéria de facto.

  3. Se o sinistro coberto pelos contratos de seguro-caução é o cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador do seguro em virtude do recebimento antecipado da ajuda ao consumo de azeite, nos termos do Regulamento (CEE) nº 2677/85, da Comissão, de 24 de Setembro, e de todas as obrigações inerentes ao sistema de ajuda comunitária correspondente, o que releva é o momento em que a reposição e o pagamento em dobro foram determinados, ainda que com base nos resultados de uma colheita de amostras efectuada em data anterior à do início da vigência dos contratos.

  4. Para ocorrer abuso de direito é necessário que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil).

  5. Não se demonstrando que a actuação da seguradora foi objectiva e manifestamente apta a criar no tomador do seguro a convicção de que não iria proceder ao pagamento, não pode ter-se como abusivo o posterior exercício do direito de regresso.

    Decisão Texto Integral: 1. AA, SA instaurou contra BB, SA uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 230.883,93, acrescida de juros de mora vencidos (€ 14.188,40) e vincendos.

    Para o efeito, e em síntese, invocou ter pago aquela quantia ao abrigo de três contratos de seguro-caução celebrados com a ré a favor do CC.

    A ré contestou, sustentando nada dever à autora porque o sinistro invocado pelo CC para executar os seguros-caução assenta em fundamentos anteriores ao início de vigência dos contratos (“pedido representado nas amostras expressas no auto de colheita nº 02-92-93”, de 2 de Dezembro de 2002) e alegando que a autora tinha justificadamente recusado o pagamento até ter sido coagida a pagar pelo mesmo CC.

    Na réplica, a autora considerou: tratar-se de “garantias pessoais de funcionamento à primeira interpelação”, que não permitem a oposição ao beneficiário de qualquer excepção, quando accionadas; não ter a ré demonstrado “um comportamento fraudulento ou abusivo por parte do segurado”, quando lhe comunicou que o mesmo tinha exigido a indemnização; não ter procedido ao imediato pagamento por ter recebido instruções nesse sentido do segurado; e que o sinistro – o incumprimento, ainda que reportado a “amostras expressas num auto de colheita” de 2002, – coberto pelo seguro se verificou já na vigência dos contratos.

    Por sentença de fls. 243, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar à autora “a quantia de € 230.883,93, acrescida de juros de mora à taxa legal estabelecida na Portaria n° 597/2005, de 19.07 e Aviso DGT 310/2005, DR II, 14.10; Aviso DGT 6923/2005, DR II, 25.07; Aviso DGT 240/2006, DR II, 11.01; Aviso DGT 7706/2006, DR II, 10.07; Aviso DGT 191/2007, DR II, 05.01 e Aviso DGT 13665/2007, DR II, 30.07, desde 30.04.2005, no tocante às quantia de € 78.414,90 e € 70.522,77, e desde a citação, no tocante à quantia de € 81.946,26, até integral pagamento.” A 1ª Instância considerou terem sido celebrados três contratos de seguro-caução com “cláusula de pagamento à primeira solicitação”, não podendo a autora “discutir o incumprimento contratual” e assistindo-lhe o direito de reaver o que pagou da ré; e que esta não tinha cumprido a obrigação de reembolso, encontrando-se em mora desde que foi interpelada para cumprir (extrajudicialmente, desde 30 de Abril, quanto às quantias de € 78.414,90 e 70.522,77 e pela citação, quanto à quantia de € 81.946,26).

    Esta sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 353, do qual se salientam dois pontos: – considerando que “No caso dos autos, tudo se resume afinal a saber se a Autora ora Apelada podia e devia ter invocado, perante o segurado CC, quando este lhe exigiu o pagamento dos montantes caucionados, com fundamento no alegado incumprimento das obrigações legais e/ou contratuais assumidas pela tomadora dos seguros (a ora Ré/Apelante), que os factos que fundamentaram a correlata execução dos contratos de seguro caução em análise, por parte do Segurado CC, remontam a Dezembro de 1992, e, por conseguinte, não podiam constituir sinistro, nos termos e para os efeitos do disposto nas condições gerais das apólices em causa, na medida que anteriores ao início da sua vigência, respectivamente, em 12.01.1993, em 18.02.1993 e em 11.03.1993”, entendeu que “irreleva que o auto de colheita de azeite nº 02-92-93, que esteve na base do invocado incumprimento da tomadora ora Apelante, date de 02 de Dezembro de 1992”, porque “as apólices de seguro em questão não estabelecem a sua aplicabilidade e o início de produção dos seus efeitos jurídicos em função da data dos ‘autos de colheita de azeite’, sendo antes destinadas a caucionar o recebimento antecipado da ajuda ao consumo de azeite, nos termos da regulamentação aplicável, bem como o cumprimento de todas as obrigações inerentes ao referido sistema de ajuda comunitária”; – decidiu não proceder a alegação de abuso de direito por parte da autora, ao exercer “um direito de regresso em contradição com o comportamento que anteriormente assumiu por efeito do contrato”, no qual a ré “confiou e pelo qual se guiou”, observando que a razão pela qual a autora não procedeu aos pagamentos logo que solicitados foi a de “dar oportunidade à Apelante de se pronunciar quanto ao accionamento das apólices por parte do segurado, por forma a aferir da existência de dolo, má-fé e/ou comportamento abusivo por parte deste último, conforme a mesma sustentava, caso em que aquela, enquanto garante, poderia recusar-se a pagar as quantias caucionadas.

  6. A ré recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi recebido como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: a) Entre recorrente (BB, Lda. - doravante BB) e recorrida (AA) foram celebrados 3 (três) contratos de seguros de caução, com as apólices n°s …., …. e …., outorgados respectivamente em 12 de Janeiro de 1993, 18 de Fevereiro de 1993 e 11 de Março de 1993 (conforme se provou na 1ª instância - cfr. Pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos factos provados da decisão de 1ª instância - e se não discutiu e, portanto, confirmou em 2ª - págs. 7, 8 e 9 da decisão); b) Não subsiste qualquer dúvida quanto ao início de vigência dos referidos contratos, tendo-se como tal as datas da respectiva convergência contratual – data indicada nas condições particulares e até que seja comprovada a extinção das obrigações seguradas ou seja comunicado pelo segurado o cancelamento das apólices – (12/01/1993,18/02/1993 e 11/03/1993 – cfr. cits. docs. A fls. 8,11 e 14, al. j) dos factos assentes na 1ª instância e pág.9 da decisão de 2ª instância); c) E não pode ser escamoteada a fixação do prazo dos contratos de seguro, pois que, nos termos do Art. 426°, § e n° 5º do C.Com. Aplicável ex-vi do Art. 1º, n° 1, in fine e Art. 8º, n° 1 do Decreto-Lei 183/88, de 24 de Maio, é requisito de validade que seja aposta data de início e de termo dos seguros; d) De notar que os factos que fundamentam o sinistro que veio a dar lugar ao accionamento daquelas apólices pelo segurado CC remontam a Dezembro de 1992, e é, portanto, anterior ao início de vigência dos contratos supra referidos e anteriores, inclusive, à sua existência e negociação, como vem desde sempre dizendo a ora recorrente (como se poderá verificar no ponto 28 dos factos provados, fls. 249 da decisão de 1ª instância e ponto 28, pág. 13 do acórdão da Relação); d) E bem assim tem-se, ab initio e em nossa opinião muito bem, por provado que o único argumento invocado pelo segurado (CC) como fundamento para o chamamento das apólices reporta-se ao pedido representado nas amostras expressas no auto de colheita n° 02-92-93, de 02 de Dezembro de 1992 (cfr. ponto 28 dos factos provados, fls. 249 da decisão de 1ª instância e ponto 28, pág. 13 do acórdão da Relação), como aliás já se referiu supra no artigo 9º da presente; e) Ora, a decisão de 1ª instância, ignorou de forma clara toda a argumentação produzida pela ora recorrente, abstendo-se de se pronunciar quanto às questões levantadas por aquela em toda a sua defesa e impunha que delas se conhecessem, procedendo-se à respectiva aplicação e resolução, nos termos do Art 660°, n° 2 do Código de Processo Civil {doravante CPC) e tal omissão de pronúncia não poderá deixar de consubstanciar uma nulidade nos termos do Art. 668°...

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