Acórdão nº 3931/03.2TVPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: ANULADA A DECISÃO COM REMESSA À 2ª INSTÂNCIA Sumário : I - Foi intenção do legislador, expressamente confessada no relatório do DL n.º 39/95, de 15-02, criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, embora temperado pelo ónus imposto ao recorrente da delimitação concreta do objecto do recurso e da respectiva fundamentação, a fim de evitar a impugnação generalizada da decisão de facto – cf., no mesmo sentido, o preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12-12.

II - Em sede de reapreciação da prova, nos termos do disposto nos arts. 690.º-A e 712.º do CPC, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser devidamente fundamentada.

III - A Relação não deve limitar-se a procurar determinar se a convicção (alheia) formada pelo julgador de 1.ª instância tem suporte razoável na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, a fundamentação da decisão de facto para concluir, sem base suficiente, não existir erro grosseiro ou evidente na apreciação da prova pelo julgador de 1.ª instância, tudo em homenagem ao princípio da imediação das provas, erigido em princípio absoluto, que, na prática, impede o real controlo da prova pela 2.ª instância, como frequentemente se vê defendido ao nível da Relação.

IV - A sentença e o acórdão são documentos autênticos, no sentido do art. 363.º, n.º 1, do CC; tratase mesmo de documentos constitutivos que incorporam uma declaração de vontade dirigida a uma determinada alteração na esfera jurídica das pessoas, provando plenamente que em determinada acção foi proferida aquela decisão, a dirimir o pleito em certo sentido.

V - A extensão probatória – da sentença ou acórdão – coincide necessariamente com a extensão do caso julgado material; não prova plenamente, portanto, tudo quanto não esteja coberto pela força do caso julgado material.

VI - Se o autor/recorrente se limitou a oferecer como meio de prova as certidões das decisões proferidas numa primeira acção, o valor da factualidade ali provada não passará de simples princípio de prova que, podendo ser valorada em conjugação com a prova directamente produzida noutra acção, nunca poderá, por si só, suportar a resposta a qualquer quesito aí formulado.

Decisão Texto Integral: Relatório Nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, AA, Ld.ª, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a 1) Herança Ilíquida e Indivisa, aberta por óbito de BB, representada por CC, DD e EE, 2) FF e 3) GG.

Pede a condenação dos réus a pagarem-lhe a indemnização global de 1.117.503,61 €, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde 10/7/2003 até integral pagamento.

Em fundamento e resumidamente alegou: - A A. foi arrendatária dos 4º e 5º andares do prédio urbano sito na Av. … n.º … a … – Porto, onde explorava um estabelecimento de pensão denominado “Pensão …”; - Em fins de 1994 os aqui RR. e senhorios, intentaram acção de despejo contra a A..

- O peticionado despejo foi decretado por decisão transitada em julgado em 2000; - O prédio de que a A. foi arrendatária é um edifício construído no princípio do Sec. XX, pelo que começou a apresentar sinais de deterioração; - Segundo o contrato então existente, as infiltrações no telhado e os reparações exteriores do edifício ficaram a cargo dos senhorios; - Pelo menos desde 1992 a A. viu-se impedida de explorar inúmeros quartos do seu estabelecimento de pensão devido às constantes infiltrações de água e humidade que provocam constantes quedas de estuque dos tectos e gesso das paredes; - Tais infiltrações de água e humidades derivam do telhado e da caixilharia apodrecida; - Dessa situação a A. deu conhecimento aos RR., quer por contacto pessoal e telefónico, quer posteriormente, face à inércia dos RR., por correspondência (que documenta); - Porém, apesar dos inúmeros tentativas da A. de chamar a atenção dos RR. para tais deteriorações, estes nada fizeram; - Por isso a A. requereu à Câmara Municipal do Porto, em 31/1/95, uma vistoria ao telhado; - A Câmara procedeu à requerida vistoria em 11/7/95, vindo a concluir que o prédio possuía condições de utilização deficiente devido à sua degradação, oferecendo perigo para a saúde pelas infiltrações de humidade e perigo para a segurança das pessoas pelo mau estado dos estuques e tectos, propondo a realização de obras, designadamente no telhado e caixilharia exteriores, que vieram a ser impostos aos senhorios, com carácter de urgência.

- Os RR., porém, não tomaram qualquer iniciativa para reparar o prédio; - Face a tal situação, a A. teve muitos prejuízos decorrentes de não poder explorar muitos dos quartos da pensão (que identifica) e até a sua sala de jantar, o que tudo computa (concretizando os prejuízos) em 1.117.503,61€.

Contestaram os RR., alegando, no essencial, que as infiltrações de água e as humidades a que se refere a A. se ficaram a dever às obras que a A. levou a cabo no arrendado e que, por não autorizadas (e por isso ilegais) levaram ao despejo da A..

Argui ainda a ilegitimidade dos RR. e formulou pedido reconvencional (que tendo sido julgado parcialmente procedente, não está em causa no presente recurso).

Replicou a A. e treplicaram as RR.

Foi admitida a intervenção principal provocada de CC.(assim se sanando a arguida ilegitimidade passiva).

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Instruídos os autos foi realizado o julgamento e, lida a decisão de facto, foi proferida sentença final, que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo os RR., do pedido.

Quanto à reconvenção, julgou-a parcialmente procedente, condenando a A. a pagar aos RR. a quantia de 5.870,39 € (a condenação reconvencional não foi objecto do recurso).

Inconformada apelou a A. da parte da decisão que julgou improcedente a acção e absolveu os RR. do pedido.

No seu recurso, impugnou a A.

, essencialmente, a decisão de facto, traduzida na resposta a diversos quesitos, embora teça, igualmente, algumas considerações de direito para a hipótese de não ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidas.

Apreciada a apelação a Relação, a partir de algumas considerações de ordem meramente genérica, decidiu não se justificar a alteração da matéria de facto impugnada.

Ao mesmo tempo teve por improcedente a argumentação de direito oferecida pelo recorrente, julgando, portanto, improcedente a apelação.

Novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora para o S.T.J., arguindo, essencialmente, a nulidade do acórdão por não se ter pronunciado sobre a impugnação da matéria de facto, que não reapreciou como determina a lei.

O S.T.J., decidiu anular o acórdão recorrido determinando a baixa do processo ao Tribunal da Relação para aí se conhecer da impugnação da decisão de 1ª instância, proferida sobre matéria de facto, nos moldes superiormente e explicitados.

Devolvidos os autos à Relação foi proferido novo acórdão, no qual, apesar de se reafirmar os mesmos princípios teóricos em que se baseou o acórdão anulado, se reapreciou a prova testemunhal que a recorrente indicara como fundamento da sua impugnação.

Novamente se entendeu não ser de alterar a matéria de facto impugnada, pelo que se reafirmou a improcedência da apelação.

Mais uma vez inconformada, volta A. a recorrer de revista para este S.T.J..

Conclusões Apresentadas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:Conclusões da Revista1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no âmbito dos presentes autos, na sentença, que veio a considerar a acção improcedente e por via disso a absolver os R.R do pedido.

  1. Baseou-se o Mmo. Juiz a quo para tomar tal decisão, segundo...

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