Acórdão nº 588/12.3TBPVL.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Relatório 1. A Autora “AA, S.A. “ instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário, contra os Réus BB e mulher CC, “DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda” e EE pedindo: a) sejam declaradas ineficazes em relação a si as escrituras de compra e venda de 23 de Fevereiro de 2012, bem assim como a transmissão da quota no valor de € 40.000 em 3 de Abril de 2012; b) a segunda e o terceiro Réu sejam condenados a restituir ao património do primeiro Réu os bens imóveis e móvel para aí ser executado na medida do seu interesse e até onde necessário for para a cobrança dos seus créditos descritos nos artigos 19º e 20º nos termos dos artigos 610º a 618º do Código Civil; c) seja ordenado o cancelamento do registo da aludida aquisição e transmissão da quota.
Alega, para tanto e em síntese, que no exercício da sua atividade o Banco FF, S.A. celebrou com o réu BB um contrato de abertura de crédito até ao montante de € 85.000, formalizado por documento particular celebrado em 10 de Março de 2008, para reforço da tesouraria deste, clausulando-se que o capital mutuado venceria juros à taxa anual efetiva de 6,022%, alterável em função da variação da mesma, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa de 4%; o aludido Banco cedeu-lhe estes créditos, tendo instaurado contra o réu BB, em 17 de Outubro de 2011, execução que corre termos sob o nº 534/11.1TBPVL para cobrança do valor de € 85.000 acrescido de juros liquidados em € 14.562,07 em 7 de Dezembro de 2012 e despesas de € 4.989,45; porém, em 23 de Fevereiro de 2012 o réu BB vendeu à ré, “DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda”, cujo capital se encontra distribuído por uma quota de € 40.000 àquele pertencente e duas de € 5.000 pertencentes à ré mulher, CC, e ao filho de ambos, EE, dezoito imóveis pelo preço global de € 32.751,36; após a penhora da quota do réu BB na ré DD – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Ldª, com registo a seu favor em 23 de Março de 2012, aquele transmitiu-a ao réu EE.
Com estas vendas o réu BB deixou de ter outros bens de relevo e com valor suficiente para a integral satisfação dos seus créditos, sabia que quando efetuou as vendas cerceava as possibilidades de cobrança e a sociedade ré conhecia as dívidas do mesmo, tendo plena consciência que a aquisição era feita com prejuízo dos credores.
2. Os réus BB e CC contestaram, contrapondo que o réu marido tem apenas como credor a autora e que venderam os bens à ré sociedade unicamente por razões fiscais e económicas, na medida em que a exploração do turismo rural por esta sociedade permitia descontar todas as despesas do negócio, pagar menor taxa de imposto sobre o rendimento e evitar a retenção de 20% do valor de renda de alguns imóveis.
Mais alegaram que o réu BB avisou o gerente de conta do balcão do FF e um diretor do Banco GG antes de efetuar a constituição da sociedade, não tendo os mesmo deduzido qualquer oposição à intenção de transmitir os imóveis.
E alegaram ainda serem proprietários de outros imóveis, não alienados por não estarem agregados ao turismo rural nem à exploração agroflorestal, de valor suficiente para liquidar a quantia em dívida à autora.
3. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância.
4. Selecionados os factos assentes, foi elaborada a base instrutória, que se fixou sem reclamações.
5. Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente provada e procedente e, consequentemente: a) absolveu os Réus CC e EE dos todos os pedidos formulados pela Autora AA, S.A..; b) absolveu a Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda do pedido de cancelamento do registo da aquisição a seu favor dos imóveis identificados no ponto 2) da fundamentação de facto; c) declarou ineficaz em relação à Autora AA, S.A. a venda formalizada por escritura pública de 23 de Fevereiro de 2012 relativamente aos imóveis descritos no ponto 2) da fundamentação de facto; d) declarou que a Autora pode penhorar no património da Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda os prédios identificados no ponto 2) alíneas a) a c), e), k), l) da fundamentação de facto para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB e dos restantes identificados no mesmo ponto, subsidiariamente, na hipótese de insuficiência dos anteriores e nas condições previstas no artigo 740º do Código de Processo Civil.
6. Inconformado com esta decisão, dela apelou o réu, BB, para o Tribunal da Relação de … que, por acórdão proferido em 17 de Março de 2016, decidiu anular a sentença recorrida, determinando a repetição parcial do julgamento relativamente à matéria de facto do quesito 1º, com correspondência ao facto provado nº 9, ressalvando, em tudo o mais, o julgamento da matéria de facto já realizado, designadamente a demais factualidade já respondida e fixada.
7. Realizado novo julgamento, nos termos delimitados, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos: « a) absolve os Réus CC e EE dos todos os pedidos formulados pela Autora AA, S.A..; b) absolve a Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turisticos, Lda do pedido de cancelamento do registo da aquisição a seu favor dos imóveis identificados no ponto 2) da fundamentação de facto; c) declara ineficaz em relação à Autora AA, S.A. a venda formalizada por escritura pública de 23 de Fevereiro de 2012 relativamente aos imóveis descritos no ponto 2) da fundamentação de facto; d) declara que a Autora pode penhorar no património da Ré DD - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda os prédios identificados no ponto 2) alíneas a) a c), e), k), l) da fundamentação de facto para satisfação integral da quantia exequenda do processo de execução nº 534/11.1TBPVL instaurado contra o Réu BB e dos restantes identificados no mesmo ponto, subsidiariamente, na hipótese de insuficiência dos anteriores e nas condições previstas no artigo 740º do Código de Processo Civil».
8. Novamente inconformado, interpôs o réu BB recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 18.01.2018, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença recorrida.
9. Mais uma vez inconformado, veio réu BB interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1o. A fls ... dos autos, o Réu arguiu nulidade decorrente de deficiências verificadas na gravação áudio do depoimento da testemunha HH, que, em grande medida, o tornam imperceptível, o que foi atestado pela secretaria do Tribunal de 1a instância que atestou a existência de palavras inaudíveis e ruídos de fundo que se sobrepõem a esse depoimento, sendo que, segundo o parecer dos técnicos de informática, a inaudibilidade ou imperceptibilidade daí resultante não é susceptível de reparação; 2o. Na sequência do recurso interposto pelo recorrente da decisão de 1a instância que considerou intempestiva aquela arguição de nulidade, o Tribunal da Relação de …, por douto Acórdão proferido em 18.12.2017, julgou tempestiva a arguição da sobredita nulidade e, nessa conformidade, determinou que "a Ia instância conheça da verificação ou não da nulidade arguida"- cfr., doc. n.° 1. junto adiante e que aqui se dá por integrado e reproduzido; 3o. O Tribunal a quo, por virtude do exercício das suas funções, tinha conhecimento do Acórdão supra referido e as consequências nele implicadas -, porquanto o mesmo foi, de igual modo, proferido pela 1.
a Secção Cível do Tribunal da Relação de …, no qual foi relator o mesmo Ilustre Juiz Desembargador que exerceu as mesmas funções no Acórdão recorrido - facto que, assim, nos termos do n.° 2 do art. 412.° do NCPC, não carece de prova; 4o. A finalidade precípua do legislador com a gravação das audiências de julgamento é a de, através do confronto com a generalidade dos meios de prova oralmente produzidos, colocar o Tribunal da Relação, para efeitos de reapreciação da matéria de facto, na situação em que se encontrava o Tribunal de 1 .
a instância quando proferiu a decisão recorrida, de modo a poder formar a sua própria convicção probatória e concluir, eventualmente, acerca da existência de erro susceptível de implicar a modificação da decisão da 1.
a instância - cfr., art. 155.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil; Ac. STJ de 11.2.2016, Proc. n.° 907/13.5TBPTG.E1.S1, Ac. STJ de 22.2.2001. Proc. n.° 3678/00; 5°. Nesta sede, é ainda de assinalar que, quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova, a Relação actua como tribunal de substituição e não de cassação. Cabe a essa instância recursiva a directa e imediata alteração, se for caso disso, do que a esse respeito foi decidido no tribunal a quo, e não a anulação da decisão para que a 1.
a instância a reformule - cfr., Ac. STJ de 19.4.2001, Proc. n.° 435/01; 6°. Para poder formar um juízo valorativo, próprio e autónomo, de confirmação ou de alteração da decisão recorrida, a Relação tem de dispor dos mesmos elementos probatórios (maxime, prova testemunhal) de que dispôs o Tribunal de 1 .
a instância, o que não sucede in casu fruto dos vícios existentes no depoimento supra identificado; 7°. Em face do que antecede, a Relação não estava em condições de proceder a uma efectiva reapreciação da matéria de facto, nos termos do art. 662.° do NCPC, pelo que, tal como se decidiu, v.g., no Ac. STJ de 12.3.2002 (Proc. n.° 01A4057), se impõe a revogação do Acórdão recorrido; 8°. As normas contidas nos n.°s 1 e 4 do art. 20.° da CRP asseguram o acesso ao direito e aos tribunais, garantindo a todos os que intervenham numa causa o direito a um processo equitativo - cfr., Ac. TC n.° 330/01 (in Acs. TC, vol. 50.°, pgs. 771 e ss), Ac. TC n.° 259/00 (DR II série, de 7.11.00), Ac. TC n.° 86/88 (Acs. TC, vol...
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