Acórdão nº 1746/7.8TXEVR de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA Sumário : «O período de adaptação à liberdade condicional previsto no artigo 62º do Código Penal, pode ser concedido, verificados os restantes pressupostos, a partir de um ano antes de o condenado perfazer metade, dois terços ou cinco sextos da pena, com o limite de cumprimento efectivo de um mínimo de 6 meses de prisão».

Decisão Texto Integral: Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1. O magistrado do Ministério Público junto do tribunal da Relação de Évora, invocando o disposto nos artigos 437º, nºs 2 e 4, e 438º do Código de Processo Penal, interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Évora, proferido no proc. nº 2770/08, em 8 de Dezembro de 2008, com fundamento em oposição com o decidido pela mesma Relação no proc. 1872/08, em 11 de Agosto de 2008.

Termina a petição de recurso com as seguintes conclusões: «1ª. No douto acórdão da veneranda Relação de Évora proferido no processo de recurso 2770/08-1, transitado em 5/01/2009, foi decidido que a adaptação à liberdade condicional prevista no art. 62° do C. Penal não é permitida enquanto não se mostrar cumprida metade da pena imposta; 2ª. No douto acórdão da mesma veneranda Relação proferido no processo de recurso 1872/08-1, no dia 12/08/2008, transitado em 8/9/2008, foi decidido que a adaptação à liberdade condicional prevista no art. 62° do C. Penal é permitida antes de cumprida metade da pena imposta.

  1. Os referidos acórdãos encontram-se, assim, em contradição, pelo que, estando reunidas as condições previstas nos arts. 437º, n.° 2 e 438º, nº l do CPP, impõe-se a fixação de jurisprudência pelo colendo STJ».

    1. Recebido o recurso no Supremo Tribunal, a Secção julgou verificada a oposição de julgados, determinando o prosseguimento do recurso nos termos dos artigos. 440.° e 441.° do Código de Processo Penal.

    2. Notificados os interessados, alegaram o Ministério Público recorrente e o arguido AA.

    O magistrado do Ministério Público termina as alegações formulando as seguintes conclusões: 1ª – A liberdade condicional, segundo o preâmbulo do Código Penal, tem como objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito de reclusão (…) sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade».

  2. - Com a Lei 59/2007, de 4.09. a liberdade condicional passou a poder ser concedida desde que esteja cumprida metade da pena (e no mínimo 6 meses), independentemente da duração desta ou da natureza do crime.

  3. – A regra para a concessão da liberdade condicional, é, pois, o cumprimento efectivo de metade da pena e mínimo absoluto de 6 meses, para além dos restantes pressupostos constantes do artigo 61º.

  4. – O mínimo de 6 meses surge enquanto excepção à regra do cumprimento da metade da pena, ou seja, quando a pena é inferior a l ano de prisão (ou 18 meses, na concessão aos 2/3 da pena).

  5. – O instituto da adaptação à liberdade condicional, como resulta da Exposição De Motivos, Proposta de Lei n.° 98/X, Relatório Final da CEDRSP, Resolução do Conselho de Ministros n.° 144/2004, e Acta n.° 8 da Unidade de Missão para a Reforma Penal, pretendeu flexibilizar o processo de reapreciação da liberdade condicional, evitando que o período de tempo pelo qual o condenado fica afastado da sociedade seja tão longo que possa comprometer as suas possibilidades de reinserção.

  6. – Tal deveu-se ao facto da Lei 59/98, de 22.08, ter revogado o art. 97.° do Dec.Lei n.° 783/76, de 29.10, que previa a reapreciação obrigatória da liberdade condicional de 12 em 12 meses, quando não fosse concedida.

  7. Foi esta situação de rigidez temporal, que existia no regime anterior – amplamente criticada pela doutrina -, que o regime de adaptação pretendeu corrigir, evitando que, em situações em que a liberdade condicional seja denegada ao ser atingida metade da pena, o condenado só a possa ver reapreciada após um largo período de tempo.

  8. – Deve-se, pois, concluir que o legislador, com a criação do instituto da adaptação à liberdade condicional, pretendeu, apenas, corrigir as situações que se enquadravam no âmbito das preocupações avançadas pela CEDRSP e já não generalizar a todos os casos a antecipação à liberdade condicional, independentemente do período de prisão cumprido.

  9. – A adaptação à liberdade condicional não é uma figura autónoma em relação à liberdade condicional na medida em que pressupõe a consagração legal desta última e o seu regime terá que ser apreciado conjuntamente com as outras disposições da Secção IV (relativa à matéria de liberdade condicional, designadamente, com o art. 61.°), bem como com as disposições que integram o Título III (relativo às consequências jurídicas do facto), e o Capítulo I (relativo às finalidades das penas), onde se encontra inserido.

  10. – Se o instituto se designa por adaptação à liberdade condicional, faz sentido que a sua aplicação ocorra nas situações em que, chegado o momento em que a lei, como regra, entende ser o adequado ao regresso à vida em sociedade (1/2 da pena), o condenado ainda não reúne os requisitos para que tal aconteça, pois só nestes casos é que se justificaria a necessidade de passar por uma fase prévia, de adaptação (caso contrário, beneficiaria, desde logo, da concessão da liberdade condicional).

  11. – O regresso a casa (ainda que sob prisão domiciliária) do condenado sem que este tenha cumprido o período mínimo considerado aceitável para a concessão da liberdade condicional (1/2 da pena), não deixaria de ser visto, aos olhos da sociedade, como uma desvalorização dos factos que motivaram a pena aplicada e uma indiferença do sistema penal pelos interesses da vítima.

  12. - A pena de prisão encontra a sua justificação não só em finalidades de prevenção especial, como também em finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, “de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”.

  13. – A solução que permita a adaptação à liberdade condicional sem que o condenado tenha cumprido, em efectiva reclusão, metade da pena (e no mínimo 6 meses) enfraqueceria e diluiria os efeitos de prevenção geral que a finalidade da pena visa acautelar (art. 40° n.° l do Cód. Penal).

  14. – O legislador, ao remeter genericamente para todos os requisitos do art. 61º, inclusive o cumprimento efectivo de metade da pena (com um mínimo de 6 meses, no caso desta ser inferior a l ano), para que seja concedida a adaptação à liberdade condicional, expressamente não prescindiu da necessidade de um tempo mínimo em que o condenado estará obrigado a passar pelo sistema prisional em cumprimento de pena.

    Em consequência, o Exmº Procurador-Geral propõe que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdãos recorrido e fundamento seja resolvido nos seguintes termos: «A antecipação da liberdade condicional regulada no artigo 62. ° do Código Penal, tem como requisito o cumprimento efectivo de metade da pena, e, quando a pena for inferior a l ano, um mínimo de 6 meses de prisão, sendo aplicável quando faltar um ano ou menos para o cumprimento de dois terços ou cinco sextos da pena».

    O arguido conclui pelo modo seguinte as alegações: 1ª. Foi o Supremo Tribunal confrontado com dois Acórdãos diferentes no que toca ao tratamento da mesma questão.

  15. Foi interposto recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

  16. No douto Acórdão da Veneranda Relação de Évora, proferido no processo de recurso 2770/08-1, foi decidido que a adaptação à liberdade condicional não é permitida, enquanto não se mostrar cumprida metade da pena imposta.

  17. No douto Acórdão da mesma Veneranda Relação, proferido no processo de recurso 1872/08-1, foi decidido que a adaptação à liberdade condicional prevista não é permitida antes de cumprida metade da pena imposta.

  18. O pressuposto de ½ de cumprimento da pena é aplicável aos casos do artigo 61° do Código Penal.

  19. O artigo 62° do Código Penal, aplica-se aos casos de adaptação à liberdade condicional e refere que a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada.

  20. É entendimento da doutrina, que: 8ª. “A colocação no regime de adaptação à liberdade condicional só é admissível verificados que estejam os pressupostos da liberdade condicional enunciados no artigo 61° do Código Penal, ou seja”; 1- “Que estejam cumpridos no mínimo 6 meses de pena.” 2- “ Que o condenado preste o seu consentimento.” 3- “Que seja fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão que ele, se colocado no regime em causa, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes juízo prognose favorável ao condenado num sentido estritamente de prevenção especial positiva ou de socialização” 4- “ Que a colocação no regime de adaptação à liberdade condicional se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social.

  21. O mesmo Tribunal da Relação de Évora, por douto Acórdão transitado em 5/01/2009, decidiu que a adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 62° do C. Penal não é permitida, sem que “…o condenado tenha cumprido metade da pena e no mínimo 6 meses”.

  22. O Tribunal da Relação de Évora na 2ª sentença decidiu pela concessão ao arguido do regime de adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 62° do C. Penal, sendo a mesma permitida antes de cumprida metade da pena imposta.

  23. O recorrido entende que a necessidade de cumprimento de metade da pena por parte do arguido se aplica apenas aos casos concessão de liberdade condicional, previstos no artigo 61° do C. Penal, e não aos de...

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