Acórdão nº 0659/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: O Ministério da Cultura veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão da 2.ª Subsecção da 1.ª Secção deste STA, constante de fls. 324 e ss., dizendo-o em oposição com o aresto do Pleno da mesma Secção, proferido em 6/10/2005, no recurso n.º 1256/02.

O recorrente terminou a sua alegação de recurso enunciando as conclusões seguintes:

  1. O presente recurso é interposto do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Setembro de 2009, que negou provimento ao recurso de revista interposto da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul que negara também provimento ao recurso interposto da sentença que intimou o ora Recorrente a emitir um conjunto de certidões requeridas por A…, relativas aos documentos preparatórios do despacho, de autoria conjunta de Suas Excelências o Ministro da Cultura e o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, de 28 de Julho de 2008, através do qual foi determinada a dissolução do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II (doravante, Teatro); b) Resulta a decisão ora sob censura, num primeiro momento, da consideração de que importava, em primeiro lugar, decidir sobre a natureza jurídica do acto de dissolução do Conselho de Administração do Teatro; c) E, depois, do efectivo entendimento de o quadro legal aplicado à decisão de dissolução do Conselho de Administração foi de direito público, consubstanciando aquela um acto administrativo; d) As conclusões vertidas na decisão agora em crise contrariam frontalmente o entendimento constante do Acórdão do Pleno da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Outubro de 2006, proferido no Processo n.º 1256/02, facto que constitui fundamento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 152.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para a admissão de recurso para uniformização de jurisprudência; e) Discute-se aqui, a propósito da aplicabilidade do regime jurídico da informação procedimental, a natureza jurídica do despacho conjunto de dois membros do Governo que, com fundamento no Estatuto do Teatro Nacional D. Maria II, entidade pública empresarial, e no Estatuto de Gestor Público, dissolveu o órgão de administração da empresa, tendo o Tribunal concluído, a final, tratar-se de um acto administrativo verdadeiro e próprio; f) No Acórdão proferido no Processo n.º 1256/02 estava em questão a impugnabilidade contenciosa, nos Tribunais Administrativos, em sede do então recurso contencioso de anulação, do despacho de Sua Excelência o Ministro da Cultura, de 1 de Abril de 2002, que, ao abrigo do respectivo Estatuto e do Estatuto do Gestor Público então em vigor, exonerou a ali recorrente do cargo de Vogal do Conselho Directivo do Teatro Nacional de S. Carlos, entidade com a natureza jurídica de «pessoa colectiva de direito público, com autonomia administrativa e financeira, sujeita à superintendência e tutela do Ministro da Cultura», regida pelo disposto no seu estatuto, «pelos seus regulamentos internos (...) e, subsidiariamente, pelo ordenamento jurídico das empresas públicas»; g) Ali se decidiu — na linha, aliás, daquela que é a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdãos ns.º 24548, de 9 de Fevereiro de 1989, 23626,de 2 de Maio de 1991, e 30788, de 13 de Janeiro de 1994) — que, estabelecendo-se naquele Estatuto que «em tudo o que não for ressalvado expressamente no presente diploma aplicam-se, ao regime do mandato, as disposições constantes da lei civil para o contrato de mandato», considerando o regime de renúncia por parte do gestor, e o regime de livre exoneração do gestor público pelas entidades que o nomearam e, finalmente, acolhendo as conclusões que haviam sido vertidas no Acórdão n.º 24.548 do Supremo Tribunal Administrativo, o acto de exoneração do gestor público «não é um acto sujeito a um regime de direito público ( … ), mas sim um acto sujeito a regime jurídico de direito privado»; h) É patente que as conclusões opostas a que se chegou nos dois Acórdãos cuja oposição se invoca incidem precisamente na mesma questão fundamental de direito: i) Em ambos os casos discute-se a natureza jurídica do acto que determina a cessação do mandato, operada pela entidade que os nomeia, de membro(s) do órgão de administração de entidades de direito público, subsidiariamente regidas pela legislação relativa às empresas públicas, ao abrigo do Estatuto do Gestor Público; j) Em ambos os casos é aplicável aos membros do órgão de administração o Estatuto do Gestor Público; k) Em ambos os casos as entidades geridas encontram-se sujeitas à tutela e supervisão do Estado, através do(s) membro(s) do Governo que determinaram a cessação do mandato; 1) Irreleva, contra a afirmação de que em causa está a mesma questão fundamental de direito, o facto de serem diferentes os regimes relativos às empresas públicas em vigor à data dos dois Acórdãos — antes, o Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, actualmente, o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro — , porquanto as actuais entidades públicas empresariais em que se integra o Teatro Nacional D. Maria II são aquelas que maiores similitudes apresentam com as empresas públicas que constituíam o objecto do Decreto-Lei n.º 260/76, sendo ambas pessoas colectivas de direito público sujeitas aos poderes de tutela e de superintendência do Governo; m) Como irreleva, também, o facto de ser diferente o Estatuto do Gestor Público em vigor no momento da emissão das duas decisões em oposição, na medida em que, ainda que a primeira decisão seja enquadrada pelo regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 464/82, as conclusões que dela se retiraram não se alteram perante o disposto no novo Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março: n) Mantém-se, neste último, a remissão para o Código das Sociedades Comerciais (artigo 40°) e deste para as regras relativas ao contrato de sociedade e de mandato constantes do Código Civil; o reflexo do princípio da livre revogabilidade do mandato (cfr. artigo 1170° do Código Civil) nas formas de cessação elencadas nos seus artigos 24.° a 27.º, que admitem a demissão/dissolução por mera conveniência de serviço e, bem assim, a renúncia do gestor; e a não submissão do procedimento que antecede a revogação a regras típicas do procedimento administrativo, como aquelas que impõem a fundamentação de todos os actos ou a audiência prévia de todos os interessados; o) Finalmente, irreleva para a conclusão de que se está perante idêntica questão fundamental de direito o facto de, no despacho de exoneração da Vogal do Teatro Nacional de S. Carlos, expressamente se mencionar o disposto no Estatuto do Gestor Público como fundamento, enquanto que o despacho de dissolução do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II invoca o Estatuto da empresa: p) Não só, por um lado, a referida alínea c), em que se fundamenta, prevê, como causa de dissolução, «outras situações previstas no estatuto do gestor público», como todo o aquele artigo 12° é mero reflexo do regime jurídico que regula a relação (de mandato) estabelecida entre a empresa pública e os seus administradores e que se encontra genericamente consagrado no artigo 24° do Estatuto do Gestor Público; q) O douto Acórdão recorrido e o Acórdão proferido no Processo n.º 1256/02 tratam da mesma questão fundamental de direito, decidindo-se, em cada um deles, de formas absolutamente opostas, sendo de rejeitar a posição tomada na decisão ora sob censura.

  2. Tal como agora reconhecido pelo Tribunal, o entendimento que se perfilhe no que à natureza jurídica do vínculo que se estabelece entre uma empresa pública e os seus gestores e do acto através do qual se procede à respectiva dissolução mostra-se determinante para a conclusão a retirar sobre a aplicação das regras relativas ao direito de obtenção documentos; s) O Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., é uma entidade pública empresarial que, não obstante a natureza jurídica de pessoa colectiva de direito público, rege-se, no que não estabelecido nos respectivos estatutos, regulamentos internos e legislação aplicável às empresas públicas, pelo direito privado, t) Consubstanciando, igualmente, soluções de direito privado, que prescindem das características e poderes inerentes à natureza pública da entidade, algumas das normas contidas nos respectivos estatutos. É o caso da norma estabelecida para a dissolução do respectivo órgão de administração; u) Aplica-se aos membros do conselho de administração do Teatro, nos termos do artigo 11º dos respectivos Estatutos, o Estatuto do Gestor Público, de cuja regulamentação se retira, tal como sucedia no âmbito do diploma que o antecedeu, consubstanciar o vínculo que se estabelece entre o gestor e a empresa uma relação de mandato, regido, no que ali não estivesse estabelecido, pela lei civil; v) A nomeação e tomada de posse de gestor para empresa pública consubstanciam a atribuição e aceitação de um mandato para o exercício de funções de administração pelo período estabelecido, sujeito, nos termos do disposto no artigo 1170° do Código Civil, ao regime da livre revogabilidade por qualquer das partes, de que são manifestações a demissão, o acto de dissolução do conselho de administração ou a renúncia ao mandato, meras declarações negociais no âmbito do contrato estabelecido, não submetidas a um regime de direito público, mas reguladas pelas normas e princípios do direito civil comum; w) No âmbito do referido contrato de mandato estabelecido, o acto de dissolução do órgão de administração consubstancia mera declaração de base negocial submetida a um regime de direito privado, sem que nesta se manifeste, por parte da entidade de que emana, a manifestação de qualquer poder de autoridade, mas mero exercício de...

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