Acórdão nº 235/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Abril de 2019

Data23 Abril 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 235/2019

Processo n.º 148/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No âmbito do processo de inquérito n.º 1062/16.4PAOLH, que correu os seus termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Olhão, em que é arguido A. (o ora Recorrente), foi aplicada a medida processual de suspensão provisória do processo, mediante as injunções de prestação de serviço de interesse público e de não conduzir veículos de qualquer categoria durante 4 meses.

1.1. Não tendo sido cumprida a injunção relativa à prestação de serviço de interesse público, o processo prosseguiu os seus termos, tendo sido requerida pelo Ministério Público a aplicação da pena de 60 dias de multa e da pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir, em processo sumaríssimo, nos termos dos artigos 392.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

1.1.1. Notificado nos termos do artigo 396.º, n.º 1, alínea b), do CPP, o arguido não deduziu oposição, tendo sido proferido despacho pela senhora Juíza do Juízo de Competência Genérica de Olhão, aplicando as penas propostas, com desconto um dia de detenção, nos termos do artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal.

1.1.2. O arguido apresentou, então, um requerimento no qual, em síntese, referiu ter cumprido a injunção de não conduzir veículos de qualquer categoria, associada à suspensão provisória do processo, durante período que excedeu os 4 meses então determinados, que deviam ter sido objeto de desconto no cumprimento da sanção aplicada, concluindo que “não deve ao arguido ser aplicada qualquer sanção, porquanto promana de julgamento em que se mostra ferido frontalmente de inconstitucionalidade o que prescrito está no artigo 29.º, n.º 5, da CRP e que aqui tem aplicação direta ex vi o que disposto está no artigo 18.º do mesmo diploma legal, tudo com as legais consequências”.

1.1.3. No Juízo de Competência Genérica de Olhão, foi proferido despacho de indeferimento do requerido, datado de 12/06/2018, com os seguintes fundamentos:

“[…]

O Digno Magistrado do Ministério Público consignou não assistir qualquer razão ao arguido citando, desde logo, para o efeito, a jurisprudência vertida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2017, publicado no Diário da República n.º 115/2017, Série I de 2017/06/16, pp. 3037-3051.

A questão suscitada pelo arguido foi, já, conhecida no Acórdão acabado de referir, nos seguintes termos:

«O primeiro ponto a abordar, será o de saber se a tese negativa viola o princípio «ne bis in idem», como se disse no acórdão recorrido (supra) 2.1., depois de considerar que a injunção da proibição de conduzir veículos com motor é inequivocamente uma verdadeira pena, de execução efetiva, de tal modo que até nos casos de suspensão provisória do processo a mesma terá quer ser imposta.

[…]

Mas o princípio apenas proíbe a dupla condenação penal, sendo compatível com a condenação simultânea numa pena criminal e numa contraordenação ou sanção disciplinar pelos mesmos factos. Estranho seria que já não fosse compatível com uma medida processual como é, adiante se verá melhor, a injunção.

Depois, só haveria duplo julgamento se a suspensão provisória do processo correspondesse a um julgamento e a injunção a uma pena. Ora, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito, não se confundem com a de julgamento, na sua conformação e razão de ser, como o despacho de suspensão, enquanto encerramento do inquérito, não tem que ver com a sentença, seja ela condenatória ou absolutória.

[…]

A imposição, com o correlativo acatamento, de injunções e regras de conduta surge, pois, como manifestação de anuência, sendo indiferente, na perspetiva do arguido, que a fonte da injunção seja uma escolha do MP ou a lei. Em qualquer dos casos, estamos perante condições «sine qua non» da suspensão, que podem ou não ser aceites pelo arguido e, naquele caso, se lhe impõem.

Diferentemente se passam as coisas com a condenação surgida na sequência de um julgamento, porque ser algo a que o arguido não pode fugir. Tal como já não tinha dependido de si a detenção ou a escolha da medida de coação privativa de liberdade antes aplicada.

[…]

E chegou o momento da abordarmos o instituto do desconto da prisão preventiva e outras privações de liberdade dos arts. 80.º e segs. do CP, para o distanciarmos situação que agora aqui se discute.

É que se naquele caso a lei quis o desconto e o previu expressamente aqui não só o não previu e nada impedia que o tivesse feito (simultaneamente com a nova redação dada ao n.º 3 do art. 281.º do CPP) com a Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, como manteve a indicação de que o arguido não tiraria benefício do falhanço de uma suspensão que só a si é imputável. Essa indicação revela-se, já se viu, na impossibilidade de repetição das prestações feitas.

A explicação para que a prisão preventiva ou privações de liberdade que a lei lhe equipara sejam descontadas na pena da condenação assenta em imperativos de justiça material (cf. Figueiredo Dias) in «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 434, ou Germano Marques da Silva, in «Direito Penal Português», Ed. Verbo, pág. 176).

Descontam-se aquelas medidas nas penas, pese embora a diferença de natureza e razão de ser de ambas. Temos de um lado, na verdade, medidas processuais cautelares e não penas antecipadas, e do outro verdadeiras penas. Mas, porque medidas e penas se traduzem num sacrifício análogo e resultam todas da prática do crime que integra (ou deveria ter integrado) o mesmo processo, daí o desconto.

[…]

De qualquer modo, o que interessa aqui apontar é que tais razões de justiça material não são transponíveis, sem mais, do desconto da prisão preventiva (e medidas equiparadas) na pena da condenação para o desconto do tempo de proibição de conduzir da injunção, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir. E as razões já foram abordadas.

Em primeiro lugar, de um lado temos a imposição de medidas cautelares a que o arguido foi alheio, e do outro a aceitação por parte deste da suspensão, que inclui a aceitação da injunção de não conduzir veículo automóvel. Também a imposição de uma pena principal resultado da condenação foi algo a que o arguido não pôde fugir, distanciando-se da aplicação da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir na medida em que o arguido poderia ter evitado esta, se não tivesse inviabilizado o sucesso da suspensão.

Finalmente, não é indiferente, prosseguindo imperativos de justiça material, estar em causa o sofrimento causado por uma prisão ou a limitação de não poder conduzir. Trata-se de sacrifícios dificilmente equiparáveis.

Por todo o exposto se entende não estarem, no caso, preenchidos os pressupostos de que depende a configuração de uma lacuna da lei, que se preencheria com recurso à analogia, e por isso se acorda, no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em revogar o acórdão recorrido e fixar jurisprudência nos seguintes termos: tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4 do art. 282.º do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.»

Resulta, pois, patente, não só não se verificar a invocada inconstitucionalidade, bem como que o pretendido pelo arguido resultaria na frontal violação da Jurisprudência Fixada pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, acima transcrita, não se antevendo qualquer fundamento jurídico para a sua não aplicação in casu.

[…]”.

1.2. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

14 Ainda de acordo com o constante dos autos, cumpriu efetivamente a injunção de inibição de conduzir pelo prazo fixado (4 meses), ultrapassando mesmo, na prática, este período de proibição de conduzir.

15 – Uma vez que entregou nos Serviços do M.P. a sua carta de condução em 19/12/2016 (vd. fls. 39 dos autos).

16 – E que os referidos Serviços do M.P. procederam à devolução da carta de condução ao requerente em 27/06/2017 (vd. fls. 52 dos autos).

17 – O que totalizou 6 (seis) meses e 8...

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