Acórdão nº 58/07.1TAVNH.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: ANULADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 620 - FLS 86.

Área Temática: .

Sumário: I - O despacho de pronúncia ou de não pronúncia deve conter, ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária.

II - O Tribunal da Relação tem de conhecer quais os indícios tidos por assentes pela 1ª Instância, para que possa fazer uma valoração lógica da gravidade, precisão e concordância dos mesmos, de molde a tê-los como suficientes ou insuficientes à aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e desta forma poder confirmar o despacho de pronúncia ou de não pronúncia.

III - A não descrição dos factos acarreta a nulidade da decisão instrutória por ausência de fundamentação de facto da mesma.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 58/07.1TAVNH.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito dos autos de Inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Vinhais com o nº 58/07.1TAVNH, B………., por si e na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ………. apresentou queixa contra C………. por factos que, no entender do denunciante, consubstanciariam a prática de crimes de difamação e injúria agravadas p. e p. nos artºs. 180º, 181º, 182º e 187º, com referência ao artº 184º, todos do Cód. Penal.

Findo o inquérito, o Mº Público proferiu despacho de arquivamento pelos fundamentos constantes de fls. 147 a 156.

O denunciante, entretanto admitido a intervir nos autos na qualidade de assistente (cfr. fls. 52), notificado daquele despacho, veio arguir perante o Mº Público a irregularidade do mesmo por falta de fundamentação de facto.

Sobre tal requerimento recaiu o despacho de indeferimento proferido a fls. 176 a 178, que conclui pela inexistência de qualquer vício.

Ainda inconformado, o assistente requereu a abertura de instrução, que veio a ser admitida por despacho de fls. 197.

Realizados os actos de instrução requeridos e considerados úteis, veio o Sr. Juiz de Instrução a proferir decisão instrutória, que concluiu pela não pronúncia do arguido (cfr. fls. 275 a 295).

É dessa decisão que o assistente interpõe o presente recurso, extraindo das suas motivações as seguintes conclusões: 1. “A douta decisão não enumerou especificadamente os dados de facto e de direito em que se fundamentou; 2. A douta decisão não se pronunciou criticamente sobre uns e outros; 3. A douta decisão não se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas; 4. Todos estes factos constituem nulidade, por violação do artº 97º nº 1, 2, 3, 4, e 5 do C.P.Penal, nº 2 do artº 374º do C.P.Penal, e alínea c) do nº 1 do artº 379º do C.P.Penal e nº 1 do artº 205 da CRP; 5. Já o douto despacho de arquivamento não se fundamentava especificando os dados de facto e de direito, violando também o artº 97º nºs. 2, 3 e 4 do C.P.Penal e nº 1 do artº 205º da CRP; 6. Também faltou averiguar em inquérito se os factos propagados eram verdadeiros, falsos ou inverídicos, e se o agente da infracção não tinha fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiros os factos inverídicos; Há assim, insuficiência de inquérito, nulidade prevista na al. d) do nº 2 do artº 120º do C.P.Penal, sempre tempestivamente alegada; 7. Falta um elemento do inquérito, como se referiu em 2 c), o que ofende o princípio da acusação e pode ferir o da imparcialidade da decisão, bem como o princípio da publicidade, previstos no nº 5 do artº 32º da CRP e 86º do C.P.Penal; 8. Dos elementos de inquérito e de instrução resulta claro haver indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, pelo que deveria ter sido proferido despacho de pronúncia, como se alegou em 3.; 9. Houve violação do nº 1 do artº 308º do C.P.Penal.

*Na 1ª instância, o Mº Público respondeu às motivações do recorrente, concluindo que o recurso não merece provimento.

*Neste Tribunal da Relação do Porto, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a resposta do Mº Pº na 1ª instância.

*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

*Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

* *II – FUNDAMENTAÇÃO A decisão recorrida é do seguinte teor: (transcrição) “O Tribunal é competente.

*Da Nulidade do Despacho de Arquivamento No seu requerimento de abertura de instrução, veio o assistente invocar a nulidade do despacho de arquivamento, invocando para o efeito que: - O despacho do M.P. em que esta entidade se decida pelo arquivamento, é um acto decisório que deve revestir os requisitos formais dos actos escritos, e que são sempre fundamentados, nos termos do art. 97º, n.ºs 2, 3 e 4 do C. P. Penal.

- A fundamentação deve sempre especificar os motivos de facto e de direito da decisão.

- O douto despacho refere, de forma genérica e não com total precisão, o conteúdo da participação.

- Também a fls. 2, em simples sete linhas, enumera que pessoas foram ouvidas.

- Logo a partir do meio de fls. 2 até ao fim de fls. 10, o douto despacho descreve, com o brilhantismo que os livros e os acórdãos contêm, uma série de razões de direito pelas quais o Mui Digno Magistrado do Ministério Público se decide pelo arquivamento. Mas quem lê, que é o assistente, não consegue vislumbrar a que factos são aplicadas as noções de direito.

- O Ministério Público não diz quais os factos que apurou para nos poder elucidar e demonstrar se as questões de direito estão bem aplicadas ao caso concreto.

Como só apresenta, de forma genérica e resumida, o conteúdo da participação, se o participado não é crime, não havia necessidade de inquérito. Podia logo ter-se lavrado despacho de arquivamento.

- Como se fizeram actos de inquérito terá, salvo o devido respeito, que é muito, ou melhor opinião, de haver os dados de facto, as conclusões de facto a que se chegou, o que se apurou. É a mais elementar regra: não há decisões sem factos especificados.

- Sobre isso nada nos diz o douto despacho. Tal não nos permite ajuizar da objectividade do mérito ou demérito do douto despacho de arquivamento.

- E isto, porque este douto despacho não fala do inquirido, não tem factos.

- E o que é necessário, e é só isso, é que perante a explanação de conceitos de democracia, cidadania, liberdade de expressão, etc., etc., se concretize o direito de sabermos as conclusões de facto a que o Ministério Público chegou, os factos que inquiriu e o que averiguou, e que nos dê a sua opinião concreta e crítica sobre cada um deles, que nos explique como e porquê aplica a cada um dos factos tais conceitos; é isso que sucede nas decisões judiciais, e que a lei exige para sua objectiva compreensão.

- Só assim, na perspectiva da pessoa que recorre à justiça, se poderá ficar a saber o motivo por que se decide de uma maneira e não de outra.

- O assistente arguiu tal irregularidade no prazo devido, que não foi suprida, o que constitui por isso invalidade do douto despacho.

Cumpre decidir: Nos termos do 277º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal “o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento. O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.” Na verdade, os despachos do Ministério Público em que se decida pelo arquivamento são actos decisórios e, como tal, devem ser sempre fundamentados – cfr. artigo 97º do Código de Processo Penal. Incluindo a fundamentação, necessariamente a exposição das razões que levaram o Ministério Público a concluir pelo arquivamento, cfr. neste sentido Manuel Lopes Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 602.

Todavia, não comina a lei com qualquer nulidade a falta de fundamentação, donde a falta de fundamentação implicará, a verificar-se, uma irregularidade sujeita ao regime de arguição a que alude o artigo 123º do referido diploma legal.

Nesta sede, alega o assistente que o douto despacho refere, de forma genérica e não com total precisão, o conteúdo da participação. Em simples sete linhas, enumera que pessoas foram ouvidas e logo a partir do meio de fls. 2 até ao fim de fls. 10, o douto despacho descreve, com o brilhantismo que os livros e os acórdãos contêm, uma série de razões de direito pelas quais o Mui Digno Magistrado do Ministério Público se decide pelo arquivamento, não diz, contudo, quais os factos que apurou para poder elucidar e demonstrar se as questões de direito estão bem aplicadas ao caso concreto.

Ora, salvo o devido respeito, não podemos aqui concordar com a invocada invalidade de falta de fundamentação.

Na verdade, ao longo do seu despacho o Ministério Público não só elenca o essencial dos factos participados (não se impondo a nosso ver que reproduza integralmente as queixas efectuadas), como se reporta às diligências levadas a cabo no âmbito do inquérito e analisa detalhadamente os tipos legais de crime em causa, tendo em conta os factos concretos que estão em causa e conclui pela inexistência da prática de qualquer crime, determinando o arquivamento dos autos, pelo que o despacho de arquivamento se encontra fundamentado, não se verificando aqui qualquer falta de fundamentação.

Nestes termos, improcede a invocada nulidade do despacho de arquivamento por falta de fundamentação.

*Da Insuficiência do inquérito No seu requerimento de abertura de instrução, vem ainda o assistente invocar a insuficiência do inquérito alegando, em síntese, que: - Ficaram por esclarecer duas questões, que deveriam ter sido esclarecidas, essenciais, e que nada têm a ver com política:

  1. Se os factos propagados são verdadeiros...

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