Acórdão nº 279/06.4GBOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 618 - FLS 99.

Área Temática: .

Sumário: I - A suspensão generalizada e tida como “normal” ou “corrente” das penas de prisão de amplitude elevada, prejudica grandemente, por motivos óbvios de afrouxamento da reacção penal executiva, a eficácia do direito penal.

II - Os acidentes rodoviários com consequências graves (mortos ou feridos graves) constituem um grave problema de saúde pública e uma causa importante de morte, sendo um dos principais factores de morte entre os 5 e os 44 anos de idade.

III - Assim, e existindo fortes razões de prevenção especial de defesa da sociedade e de protecção eficaz dos bens jurídicos violados, seja ao nível da responsabilização do arguido, seja ao nível da prevenção geral, não deve suspender-se a execução da pena de 3 anos e 3 meses de prisão aplicada pela prática de um crime de homicídio negligente (acidente de viação), conduzindo o arguido a uma velocidade superior a 100 Km/hora, quando o limite era de 50 Km/hora, com uma TAS de 1,47 g/l e do qual resultou a morte de 3 pessoas.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso n.º 279/06.4GBOAZ.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro.

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.- RELATÓRIO 1.- No PCC n.º 279/06.4GBOAZ.P1 do ..º Juízo Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis, em que são: Recorrente/Arguido: B………. .

Recorrido: Ministério Público.

Demandante: Instituto de Segurança Social.

foi o arguido condenado, entre outras coisas, por acórdão de 2008/Nov./24, a fls. 577-602: a) Um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art.º 137º nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; b) Um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º e pelo art.º 69º, do Código Penal, na pena principal de 6 (seis) meses de prisão e, na sanção acessória de 1 (um) ano de inibição de conduzir; Seguindo-se, em cúmulo jurídico, a condenação do arguido numa pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir toda e qualquer categoria de veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano 2. O arguido interpôs recurso em 2008/Dez./15, a fls. 606-638, pugnando pela existência de erro na apreciação da prova, a nulidade da sentença ou então a suspensão da pena de prisão, invocando essencialmente que: 1.ª) Da prova produzida em Audiência do Julgamento, designadamente da prova documental, ‘… documentos atendíveis juntos aos autos e perícias, designadamente do Relatório elaborado pelo Núcleo de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana, Brigada de Trânsito, DT – Aveiro, refere e bem, o que o Tribunal recorrida não atendeu…” resultou mais do que evidente, que o falecido C………., não fazia uso da cinto de segurança [1., 5 a), b)]; 2.ª) Da prova documental atendível junta aos autos resulta inequivocamente, que o Honda ………., só se imobilizou, após se ter precipitado numa ravina, com cerca de 4 metros de declive [2.]; 3.ª) Da prova documental atendível junto aos autos resulta inequivocamente, a inexistência de medidas paliativas, da responsabilidade da entidade que tem jurisdição na conservação da referida via, as quais serviriam para minimizar ou mesmo impedir que acontecessem acidentes rodoviários da natureza do que está plasmado nos autos [3. 4. 5. c)]; 4.ª) Em obediência ao princípio "in dubio pro reo" deve a decisão da matéria de facto ser alterada no sentido dela ser retirado que: “O sinistro e as consequentes mortes apenas ocorreram em virtude do arguido não colocar na condução a atenção e as faculdades necessárias, como devia e podia, nomeadamente, por não se ter abstido de exceder desproporcionadamente a ingestão de bebidas alcoólicas e, bem assim, de ter conduzido a velocidade que ultrapassava largamente o limite máximo admissível no local” [5.].

5.ª) Tais factos, são indispensáveis e fundamentais para a boa decisão da causa, devendo, por via disso mesmo, constar do elenco dos factos provados, sob pena da sentença padecer de vício da insuficiência quanta à matéria de facto [6.] 6.ª) Acresce que, ao não valorar o que dos documentos atendíveis juntos aos autos, na que tange ao ponto supra, o tribunal dá como não provado, aquilo que dos próprios documentos consta (relatório elaborado pelo Núcleo de Investigação criminal da Guarda Nacional Republicana, Brigada de Trânsito, DT – Aveiro, perícia baseada e sustentada no mesma relatório, permite concluir pelo erro notório na apreciação da prova [7.]; 7.ª) Pelo que, imperioso se torna concluir pela manifesta existência dos vícios de insuficiência de matéria de facto e erro notória na apreciação da prova, previstos nas alíneas a) e c) do 2 do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [8.]; 8.ª) Existe uma dúvida que terá que favorecer o arguido, mostrando-se o Aresto recorrido violador do disposto no art. 127.º, do C. P. P. e 32.º da lei Fundamental [9.]; 9.ª) Existe, nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 379.º, alínea a) do C. P. P, o que sucede se esta não tiver as menções referidas no artigo 374, n.º 2 e 3 alínea b) C. P. P. [10, 1 a 4] 10.ª) O acórdão recorrido não cumpre o disposto no art. 374.º, n.º 2 do C. P. P., pois refere sem descrever “…os documentos atendíveis junto aos autos e a perícia – elementos que foram criticamente conjugados entre si …, na medida em que permitiu formar um todo lógico e coerente de verdade”, não quantifica nem qualifica a valoração que lhe deu [10.5]; 11.ª) Com o que não cumpre o exigido no referido preceito legal, pois não conjuga, pela confrontação directa a que deveria se ter feito, o relatório elaborado pelo Núcleo de investigação criminal da Guarda Nacional Republicana, Brigada de Trânsito. DT – Aveiro [10.6 a 10.9]; 12.ª) Mesmo assim, caso se entenda pela condenação do arguido na pena de prisão efectiva, a pena aplicada foi manifestamente exagerada [11.] 13.ª) Considerando-se correcta a qualificação jurídica dos crimes, a pena única de 3 anos e três meses de prisão efectiva revela-se, desajustada à conduta do arguido, às suas condições de vida, à inexistência de exigências de prevenção especial a acautelar e às demais circunstâncias processuais, porquanto a conjugação dos elementos probatórios das autos, permitia concluir pela aplicação ao recorrente de uma pena da prisão nunca superior a dezoito meses [12.]; 14.ª) Neste pressuposto, deverá ser equacionada a hipótese de aplicar ao Arguido uma pena de prisão, sempre, suspensa na sua execução, ainda que subordinada à obrigação de cumprimento de deveres, a fixar equitativa e proporcionalmente, de acordo com os critérios legais, nos termas da disposto no art. 50.º, do Código Penal [13.]; 15.ª) Não pode o Arguido ser penalizado por ter tentado, na audiência de julgamento, em transmitir ao Tribunal, o que sabia e se lembrava do acidente, sendo que, a demonstração de arrependimento, para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão, consiste num elemento a ter em consideração conjuntamente com os outros a que alude o art. 50.º, n.º 1, do C. P. [14., 15, 16]; 16.ª) Considerando as aspectos pessoais do arguido, mormente a sua idade (30 anos) e o seu comportamento exemplar, sem que até à data do acidente das autos, alguma vez tenha posto em causa a integridade física e a vida de outrem, a sua inserção social e familiar, sendo considerado boa pessoa e respeitada no meio onde vive, o ordenamento jurídico não ficará posto em crise com a suspensão da execução da pena [17, 18, 19, 20, 21 e 22]; 17.ª) Foram violados os art. 97.º, n.º 5, 125.º, 127.º, 374.º, n.º 2, 379.º, 410.º e 412.º, todos do Código de Processo Penal; os art. 40.º, n.º 1 e 2, 42.º, 50.º, 51.º, 52.º, 70.º, 71.º, 72.º, al. c) e d) do Código Penal; bem como o art. 32.º, n.º 1 e 2 da Constituição [23].

  1. O Ministério Público respondeu em 2009/Fev./09, a fls. 645-666, sustentado que deve ser negado procedência ao recurso, porquanto e em suma: 1.º) Um eventual recurso da matéria de facto que o Recorrente parece ter querido interpor nos termos do art. 412° do C.P.P. deve ser rejeitado, uma vez que não é minimamente respeitada a disciplina das al.s b) e c) do n°3 e do n°4, ambos do mencionado preceito, não sendo tal deficiência, porque relativa à própria Motivação, susceptível de correcção; 2.º) O mesmo deve ocorrer com o recurso baseado na arguição do vício da al. a) do n.º 2 do art. 410.º, do mesmo Código — insuficiência para a decisão da matéria de facto provada — atento o facto de tal matéria ser, pura e simplesmente, ignorada no texto da Motivação, aparecendo apenas nas Conclusões; 3.º) No que concerne à alegação do vício da al. c) daquele n.º 2 – erro notório na apreciação da prova – não assiste qualquer razão ao Recorrente, porque a dita “prova documental” em que intenta basear-se para pôr em causa a conclusão do tribunal acerca da exclusividade da sua conduta como causa do acidente e das três mortes não é nenhuma prova e, muito menos, documental, tratando-se, tão somente, de uma síntese conclusiva elaborada pelo agente da GNR encarregado da investigação; 4.º) Não constitui, pois, “facto provado” a afirmação de que o malogrado C………. não fazia uso do cinto de segurança e, mesmo que o fosse, isso nunca constituiria a causa adequada do acidente e, sequer, da sua morte; 5.º) O mesmo se diga em relação à inexistência de guarda metálicas na estrada – cuja utilidade, de resto, o próprio “Relatório” em que o Recorrente se baseia tem por discutível - já que se trata de uma entre miríades de hipóteses que não põem em causa a afirmação de que a condução do Recorrente, nas condições em que ocorreu, foi a causa (adequada) do despiste e das mortes; 6.º) Não havia, pois — nem há — lugar à aplicação do princípio “in dubio pro reo”, até porque, do acórdão, não transparece a mínima dúvida dos julgadores — e só as dúvidas deles seriam relevantes — à cerca identificação daquela causa...

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