Acórdão nº 0815180 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 619 - FLS 31.

Área Temática: .

Sumário: I - Sendo o crime de abuso de confiança agravado (art. 205º, 1 e 4 al. a), com referência ao art. 202º, a) do CP) punido com pena de prisão até 5 anos, ou multa até 600 dias, o respectivo procedimento criminal prescreve em 10 anos e corre desde o dia em que o crime se tiver consumado – al. b) do art. 118º e n.º 1 do art. 119º do C. Penal.

II - Tendo-se consumado o crime entre data não apurada do mês de Junho e 17/10/92, tendo a queixa dado entrada no DIAP em 19/05/2003, constata-se que o procedimento criminal já se encontrava prescrito na data em que foi apresentada a queixa.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 5180/08 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório Na .ª Vara criminal do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu condená-lo, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado p. e p. pelo artº 205º nºs 1 e 4 al a) do C. Penal, com referência ao disposto no art.º 202º al a) do mesmo diploma, na pena de dois anos de prisão, com execução suspensa por igual período sob condição de, no prazo de seis meses contados desde a data do trânsito em julgado dessa decisão, entregar ao assistente/demandante C………. parte da quantia que também foi condenado a pagar-lhe, em concreto 8.728,96 €, e fazer, no mesmo prazo, prova nos autos dessa entrega.

Na procedência parcial do pedido indemnizatório que contra ele foi deduzido pelo referido demandante, foi, ainda, o arguido/demandado condenado a pagar a este quantia cuja liquidação foi relegada para execução de sentença e correspondente ao saldo resultante do valor titulado na letra de esc. 1.750.000$00 (correspondendo actualmente a 8.728,96 €) deduzido do valor dos juros pela antecipação do seu pagamento e das despesas bancárias originadas pelo seu desconto, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, sem prejuízo de ulterior alteração legal, desde 30/11/95 e até efectivo e integral pagamento.

Inconformados com o acórdão, dele interpuseram recurso o assistente/demandante e o arguido/demandado.

O primeiro, pretendendo a alteração da decisão apenas no que toca ao pedido indemnizatório e, em concreto, à taxa de juro que nele foi fixada, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta decisão do tribunal a quo, apenas na parte em que condenou o demandado a pagar juros civis à taxa de 4% desde 30 de Novembro de 1995. Ora, 2. Tratando-se de juros legais, a taxa é fixada por portaria conjunta do Ministro da Justiça e das Finanças - arts. 559.° n.º 1 e 806.° n.º 1 do Código Civil.

  1. Assim, deve o demandado ser condenado a pagar a quantia de 8 728,96€ desde 30 de Novembro de 1995, acrescida de juros calculados às taxas de 10%, 7% e 4%, respectivamente para os períodos de 30/11/1995 a 16/04/1999, 17/04/1999 a 30/04/2003 e desde 01/05/2003 até à presente data.

  2. Tudo nos termos das portarias 1171/95 de 25/09, 263/99 de 12.04 e 291/03 de 08.04.

  3. Por todo o exposto a decisão recorrida violou os artigos 559.º n.º 1 806.° n.º 1 do Código Civil, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nestas conclusões.

    O segundo, pugnando pela revogação do acórdão e pela sua substituição por decisão que o absolva em termos criminais e cíveis, quando não com base em erro de direito, pelo menos através da alteração da decisão da matéria de facto nos termos por ele defendidos ou, assim se não entendendo, pela extinção do procedimento criminal por prescrição, ou, pelo menos, pela verificação de vícios da decisão que determinem o reenvio do processo para novo julgamento, formulando as seguintes conclusões: I. Do erro de julgamento (erro da qualificação jurídica dos factos): 1. O Recorrente foi submetido a julgamento, pela prática de um crime de abuso de confiança, pelos factos constantes do despacho de pronúncia, os quais, definindo o objecto do processo, vinculam tematicamente o tribunal de julgamento.

  4. Segundo a pronúncia, a imputação do crime de abuso de confiança assenta na seguinte factualidade: - O Assistente recebeu do Membro da Direcção - Presidente - da Secção de Andebol da D………. (D1……….), para liquidação da dívida, duas letras, no valor de 1750 contos cada, sendo que uma delas foi entregue ao Recorrente, a sugestão sua, para providenciar pelo seu desconto, com a promessa de entregar ao Assistente o respectivo montante; - Tendo descontado a letra, o Recorrente não entregou o respectivo montante ao Assistente e utilizou-o em proveito próprio.

    Este núcleo essencial da pronúncia foi levado ao elenco dos factos provados no acórdão recorrido, constando dos pontos 1 a 13.

  5. Parece, assim, resultar do acórdão recorrido, que a condenação do Recorrente pelo crime de abuso de confiança assenta no facto essencial de se ter apropriado da quantia obtida através do desconto da letra.

    Isto mesmo é demonstrado pela fundamentação da qualificação jurídica dos factos, do acórdão recorrido, na parte extractada na motivação e é sintetizado no ponto 26 da matéria de facto provada.

  6. Salta à vista a incongruência da fundamentação jurídica transcrita, quando se diz que resulta dos factos que o Assistente, com a entrega da letra ao Recorrente, para o fim referido, lhe disponibilizou também a obtenção da dita quantia proveniente do desconto.

    E fica completamente por explicar - e o acórdão lava daí as mãos - como, em que qualidade, intervém o dito G………. e porque é que é ele a entregar ao arguido uma quantia que, na tese do acórdão, lhe foi disponibilizada pelo Assistente C………. .

  7. Aliás, já a expressão «ficou na posse de uma letra» que o tribunal usa, referindo-se ao Recorrente, expressão que, depois, adoça referindo a «transmissão» da letra, é completamente enigmática, porque não explica em que qualidade, na relação cartular, ficava o Recorrente em posição de proceder ao desconto da letra.

    Quando se escreveu, no acórdão, o portento de opacidade que se resume nas expressões «(...) o assistente, com a entrega da letra ao arguido para o fim referido, lhe disponibilizou também a obtenção da dita quantia proveniente do desconto, “uti alieno”, ou seja, com a obrigação de lha entregar, uma vez que a mesma lhe pertencia de facto, não obstante a dita “transmissão” que teve de efectuar da letra», mostra-se bem a falta de transparência da situação factual e a falta de clareza do discurso que sobre a mesma foi construído.

  8. É que a letra de câmbio é um título de crédito.

    O tribunal tratou o caso como se a letra fosse um meio de pagamento, como se fosse um cheque.

    Desconsiderou que a subscrição da letra se traduziu, apenas, numa datio pro solvendo, destinada, tão só, a tornar mais segura a satisfação do interesse do credor (adicionando à relação subjacente, uma relação cambiária, que incorpora um reforço ou garantia do crédito, pela incorporação da dívida no título, permitindo ao portador legítimo da letra a execução desta, directamente no património do devedor, na falta de pagamento).

    E não atendeu, por outro lado, a que, na data do respectivo vencimento, a letra descontada não foi paga pelo aceitante, E………., tendo a respectiva quantia titulada sido debitada pelo banco “F……….” na conta do terceiro que, a título de favor, havia procedido ao desconto da letra, como se deu por provado no ponto 13.

  9. A questão a pôr é a de saber a quem pertencia a quantia obtida com o desconto da letra.

    Não parece que se possa afirmar que o Assistente - o credor no quadro da -slação subjacente - seja, ainda, e antes de obtido o pagamento da letra, o “verdadeiro” dono da quantia obtida com o desconto da letra.

  10. Não tendo a letra sido paga, na data do vencimento, e vindo o montante do desconto a ser debitado na conta do descontário, se a quantia obtida com o desconto da letra tivesse sido entregue pelo Recorrente ao Assistente, ter-se-ia produzido na esfera jurídica do descontário um prejuízo patrimonial, com o correspondente enriquecimento indevido do Assistente.

  11. Antes de obtido o pagamento da letra, o seu mero desconto não investe o Assistente na qualidade de dono da quantia titulada pela letra, nem de dono da quantia obtida com o desconto da letra. Na prática, o descontário de favor limita-se a adiantar, a emprestar sobre a letra, na expectativa de se ver ressarcido na data do vencimento.

    Na própria lógica dos factos provados, a retenção, por parte do Recorrente da quantia obtida com o desconto da letra, por terceiro e por favor, não poderá conformar um crime de abuso de confiança relativamente ao assistente 10. Quando muito, poderíamos vislumbrar na conduta do Recorrente indícios de elementos de um crime de burla, que resultam de ter sido por sugestão do Recorrente que o Assistente lhe entregou a letra (pontos 6 e 7) e de, em consequência da conduta do Recorrente, a letra nunca mais ter voltado à posse do Assistente «que nunca pôde sequer accioná-la para obter o pagamento da quantia titulada» (ponto 28).

  12. Assim, em conclusão, a conduta do Recorrente, mesmo na versão dos factos que o tribunal deu por provada, não integra qualquer ilícito criminal e muito menos o de abuso e confiança, por nele estar claramente ausente o elemento da apropriação ilegítima. Ou entenderá o Tribunal que, para não haver apropriação ilegítima, o arguido devia ter entregue a quantia resultante do desconto da letra ao assistente C………., tê-la também devolvido ao Eng.º G………. e arcar ele com o prejuízo relativo ao pagamento de uma dívida de que não era o obrigado? 12. O que existe, nestes autos, é uma questão de prestação de contas, de negócios que o processo não esclarece suficientemente, matéria que escapa ao foro criminal, dada a natureza subsidiária do direito penal - que não é...

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