Acórdão nº 371/06.5GBVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 1º SECÇÃO - LIVRO 616 - 184.

Área Temática: .

Sumário: Não é proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos respectivos proprietários ou dos próprios clientes perante furtos ou roubos.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 371/06.5GBVNF.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que correu termos no .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão com o nº 371/06.5GBVNF, foi submetido a julgamento o arguido B……….

, tendo a final sido proferido acórdão que condenou o arguido: - como autor material de um crime de furto qualificado p. e p. nos artºs. 203º e 204º nº 2 al.e) do C.Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; - pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal p. e p. no artº 3º nº 2 do Dec-Lei nº 2/98, na pena de oito meses de prisão; - pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. no artº 291º nº 1 al.b) do Cód. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão; - em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de três anos e seis meses de prisão.

Inconformado com a decisão condenatória, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: 1 - Afigura-se ao aqui Recorrente que, salvo o devido respeito, carece de fundamento de facto e de direito o douto Acórdão de fls, que condenou o aqui arguido B………. na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, o aqui arguido pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203° e 204°, n.° 2, al.e), do Código Penal, na pena parcelar de dois anos e seis meses de prisão; de um outro crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. no art. 3°, n.° 2, do D.L. 2/98, na pena parcelar de oito meses de prisão, e de um outro de condução perigosa de veículo rodoviária, p. e p. no art. 291°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena parcelar de um ano e seis meses de prisão, que merecem a discordância do recorrente e se lhe afigura passível de reparo; 2 – Encontra-se erradamente e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 4, 5 a 13 dos factos provados, os quais deveriam antes ter sido dados como não provados; 3 – Contudo, como ponto prévio, não queremos deixar de salientar, sem prescindir as demais críticas que faremos, que é nosso entendimento que o Tribunal a quo não efectuou, salvo o devido respeito, com pequenas e relevantes excepções no que se refere aos crimes dos autos imputados ao arguido recorrente e à fixação da pena, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova produzida em julgamento; 4 - Não podemos deixar de começar por salientar, a este respeito, que, na formação da convicção, o Tribunal a quo deveria ter sempre como presente — o que não teve — que, tal como preceitua o artigo 32°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)”, e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M ZUGALDÍA ESPINAR, que “partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (...), a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida” (JOSÉ M ZUGALDÍA ESPINAR (dir.)/ESTEBAN J. PÉREZ ALONSO (coord.), Derecho Penal, Parte Generaj,2002, pág. 231); 5 - Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos crimes trazidos a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNANDEZ LÓPEZ, Prueba y presuncion de inocência, 2005, pág. 143 e nota 89); 6 - No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd NEVIO SCAPJNI, La prova per indizi nel vicente sistema de processo penaL 200], pág. 2); 7 - E nestes autos claramente também deveria ter sido ditada uma absolvição dos crimes de furto qualificado, de condução sem habilitação legal e de condução perigosa de veículo rodoviário, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a imputação ao arguido desses crimes, previstos e punidos pelos artigos arts. 203° e 204°, n.° 2, al.e), do Código Penal, art. 3°, n.° 2, do D.L. 2/98, e no art. 291°, n.° 1, al. b), do Código Penal.

8 - Desde logo, no ponto 1 dos factos assentes foi dado como provado que foi o arguido o autor do furto ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2006 no “C……….”, sito na ………., ………., loja ., em ………., Vila Nova de Famalicão. Ora, salvo o devido respeito não se pode concluir que o arguido, ora recorrente tenha sido o autor de tais factos. Desde logo o próprio arguido nega a autoria — cfr. depoimento gravado em suporte digital e que parcialmente transcrevemos; 9 - Acresce que o próprio proprietário do estabelecimento além de não se recordar da data dos factos, e de nunca ter sido confrontado com o arguido em fase de inquérito para eventual reconhecimento, afirmou em julgamento que não conhecia o arguido — cfr. depoimento da testemunha D………., gravado em suporte digital, que parcialmente transcrevemos; 10 - Salvo o devido respeito não existiam quaisquer indícios e a existir não eram de todo suficientes para que se pudesse chegar à conclusão que foi o arguido, ora recorrente o autor dos factos. Face ao depoimento da testemunha E………. confirma-se que apenas os indícios existentes basearam-se nas imagens retiradas do sistema de videovigilância instalado no Estabelecimento Comercial visionadas por si 38 dias depois da ocorrência do crime, tendo o mesmo referido que as imagens não eram nítidas, estava desfocada, mas que não teve dúvidas que era o arguido pelo facto de quando ia a passar ter alegadamente, no dia em que ocorrera o crime — ou seja 38 dias antes de ter visionado as imagens supra referidas e ter visto nestas ultimas a figura/vulto do alegado autor do crime —, avistado o arguido nas imediações, resultando do seu depoimento uma mera convicção, chegando mesmo a colocar a hipótese de não ser o arguido, mas o seu irmão — Cfr. depoimento da testemunha E.........., agente da GNR, que aqui parcialmente transcrevemos e damos por reproduzidos para os devidos e legais efeitos; 11 - No ponto 2 dos factos assentes foi dado como provado que o arguido “aproximou-se da entrada e com um instrumento metálico em tudo similar a uma chave de fendas, forçou a porta de entrada, entrou dirigiu-se à caixa registadora e retirou cerca de 100,00 euros em dinheiro, abandonando-o de seguida o local”.

12 - Ora, salvo o devido respeito, em momento algum foi referido ou visionado por qualquer testemunha o objecto usado para forçar e abrir a porta do estabelecimento, nem foi encontrado, pelo menos não é feita qualquer referência nos autos, qualquer instrumento metálico no interior do referido estabelecimento. Acresce que o próprio proprietário no que respeita a este facto apenas refere que “houve ali um pé de cabra ou qualquer coisa que rebentou a fechadura “, mas não sabe precisar; 13 - No que respeita à quantia de dinheiro que foi furtada, só temos a versão do proprietário do estabelecimento, que nem sequer referiu que foi ele quem retirou o dinheiro da caixa antes de ir almoçar, nem soube especificar quanto ficou na caixa — cfr. Depoimento da testemunha D………., que parcialmente transcrevemos e damos por reproduzido para os devidos e legais efeitos; 14 - No que respeita aos crimes de condução sem habilitação legal e de condução perigosa de veículo rodoviário, sem prescindir o principio da livre apreciação da prova e da imediação, além do depoimento da testemunha F………., agente da PSP, não há nenhuma outra prova, nomeadamente testemunhal que comprove que o arguido conduzia o referido carro no dia dos factos, antes havendo um depoimento, da companheira à data dos factos do recorrente B………., G………., alegadamente vista pela testemunha F………. na companhia do recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar em que alegadamente ocorreu o crime, que refere que não viu o recorrente a conduzir o veículo dos autos, nem o acompanhava naquele dia - cfr. depoimento da testemunha G………. que parcialmente transcrevemos e aqui damos por reproduzido para os devidos e legais efeitos; 15 - Assim, e tendo em conta que além do depoimento do gente da PSP F………., mais nenhuma prova existe que possa corroborar este depoimento, logo, em nosso entendimento, tal depoimento não é suficiente para se dar como provados os factos dos pontos 5 a 13, pelo que deveriam ter sido dados como não provados, face à ausência de prova; 16 - DA NULIDADE DA UTILIZAÇÃO DAS IMAGENS: O regime de proibições de prova no âmbito do processo penal, encontra-se essencialmente regulado pelo preceituado nos art. 125.°, 126.°, do Código Processo Penal, os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa, consagradas no art. 32.°, CRP, mormente a injunção imposta pelo seu n.° 8, bem como, com as disposições específicas que disciplinam a obtenção do meio de prova de que pretende se fazer uso; 17 - Deste regime podemos destacar que a...

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