Acórdão nº 1899/08.8TBPFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: LIVRO 351 - FLS. 74.

Área Temática: .

Sumário: Não se verifica o litisconsórcio necessário exigido pela própria natureza da relação jurídica, a que alude o n.º 2 do art. 28.º do Código de Processo Civil, na acção em que se pede o reconhecimento da existência de servidão de passagem constituída por usucapião a favor de prédio rústico encravado dos autores sobre dois ou mais prédios rústicos vizinhos, em que apenas os réus, enquanto proprietários de dois dos prédios servientes, obstruíram a passagem com a colocação de um portão fechado à chave e impediram o exercício normal da servidão pelos autores.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1899/08.8TBPFR.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 21-12-2009 Relator: Guerra Banha Adjuntos: Anabela Dias da Silva e Sílvia Maria Pires Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B……………. e C………….., residentes na freguesia de ……….., concelho de Paços de Ferreira, instauraram, no Tribunal Judicial dessa comarca, acção declarativa de condenação com processo comum sumário contra D…………… e E……………, residentes no Lugar …………, da dita freguesia de ……..

Alegaram, em síntese, que são donos de um prédio rústico, constituído por terreno de cultura, sito no lugar de ……….. da referida freguesia de ……., que não tem acesso directo à via pública, pelo que o acesso ao referido prédio, a pé, por carro de bois e tractor, tem sido feito, desde tempos imemoriais, através de dois prédios rústicos pertencentes aos réus; sucede que estes, em meados do ano de 2004, colocaram um portão na entrada dos seus prédios, impedindo os autores de acederem àquele seu prédio.

Pedem, em consequência, que os réus sejam condenados: a) a reconhecer que os autores são legítimos donos do prédio rústico que identificam no n.º 1 da p.i.; b) a reconhecer que o único acesso a esse prédio dos autores é o que descrevem nos n.ºs 14 a 19 da p.i. e passa pelos prédios dos réus identificados no n.º 10 da p.i.; c) absterem-se de actos que lesem o direito dos autores de acederem àquele seu prédio, designadamente retirando o portão que colocaram na entrada dos seus prédios ou, em alternativa, entregando aos autores uma chave para que possam transitar e aceder livremente ao seu prédio através do dito portão.

Os réus contestaram, alegando, em síntese, que o acesso ao prédio de que os autores se arrogam donos não é e nunca foi feito através dos seus prédios, mas através de outro percurso que descreve nos n.ºs 7, 14 e 15 da contestação e passa por "entre diversos campos ali existentes" não pertencentes aos réus. Concluindo pela improcedência do pedido.

Realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto controvertida que constava da base instrutória, através do despacho a fls. 110-117, foi proferida sentença, a fls. 118-130, que, julgando a acção procedente por provada, decidiu:

  1. Declarar que os autores B…………… e C……………. são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito no Lugar ……………, freguesia de …….., Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 8304, do Livro B19, que nos termos definidos pela inscrição do registo é conhecido por F…………., composto por mata e árvores de vinho, confrontando do nascente com G………….. e outro, de poente com H………….. e outro, de sul com I……………. e de norte com vários, estando tal prédio inscrito na matriz sob o artigo 462.

  2. Condenar os réus D………….. e E………….. a reconhecerem que o único acesso da via pública ao prédio dos autores inicia-se junto ao largo da Desfolhada e continua por um caminho público, que segue no sentido nascente/poente, com cerca de 145 metros de comprimento e cerca de 3,60 metros de largura, ladeado de muros de pedra e coberto por ramada. Chegado ao final desses 145 metros, que coincide com o fim da ramada, vira à esquerda e passa a caminho de servidão, com trilho traçado, com cerca de 2,70 metros de largura e 119 metros de comprimento até a um portão, que marca o início dos prédios dos réus, passando na estrema poente de um prédio aí existente pertencente ao conhecido J……………., sendo que nesse percurso o caminho acentua-se ainda mais para a esquerda. Desde o portão em ferro mencionado até ao prédio dos autores distam cerca de 200 metros de comprimento, sendo que a contar do dito portão percorre-se cerca de 79 metros até se chegar a uma bifurcação à direita, podendo seguir-se pela esquerda, pelo caminho de servidão mencionado, por uma rampa em direcção ao prédio dos autores, onde se chega pela estrema norte/poente deste, tratando-se este de um acesso a pé, de carro de bois e de tractor.

  3. Condenar os réus D…………… e E……………. a absterem-se de actos que lesem o direito de propriedade dos autores sobre o seu prédio, designadamente impedindo-os de aceder da forma descrita ao seu prédio, retirando o portão de ferro que colocaram no caminho ou, em alternativa, entregando aos autores uma chave para que possam transitar e aceder desde a via pública até ao seu prédio pelo caminho descrito.

  1. Os réus apelaram dessa decisão, extraindo das suas alegações as conclusões que formularam a fls. 177-184, as quais, por não observarem a forma sintética imposta pelo n.º 1 do art. 685.º-A do Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, aqui aplicável, se sintetizam na seguinte súmula, em que também é tida em conta a rectificação requerida a fls. 166: 1º- O presente recurso prende-se, natural e essencialmente, com as respostas dadas aos n.ºs 4, 11, 12, 13 e 14 da base instrutória, respostas que ignoraram o quadro geral em que se inserem os factos articulados pelos réus na contestação e a prova gravada nos autos produzida.

    1. - Pretendem, assim, os réus com o recurso interposto ver alteradas as respostas dadas aos referidos quesitos, que foram julgados provados.

    2. - Intentaram os Autores contra os Réus, aqui Recorrentes, uma acção para constituição de servidão de passagem, sobre o caminho descrito e dado como provado na resposta aos quesitos 4 a 9 da base instrutória.

    3. - Acontece, porém, conforme está provado nos autos (resposta ao n.º 5 da base instrutória), tal servidão de passagem onera também o imóvel pertencente ao conhecido J……………, situado a poente dos imóveis dos Réus, descritos na matéria de facto assente.

    4. - Ora, quando a servidão se traduza numa ligação de um terreno dominante a uma via pública, através de dois ou mais prédios (de mais do que um proprietário), isso implica que o direito do titular do prédio dominante tem de ser feito valer (i.e., accionado) perante todos os proprietários desses prédios onerados, sob pena de esse direito não poder ser oposto a todos, caso em que não se obteria o efeito pretendido com a passagem, que é o de se alcançar a via pública a partir do prédio dominante.

    5. - Entende-se, pois, estar perante uma situação em que «a natureza da relação controvertida exige a intervenção dos vários interessados nesta relação», ou seja, será um caso de litisconsórcio necessário natural (passivo), ao qual se refere o art. 28.º, n.º 2, do CPC: «É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal». E este conceito de efeito útil normal traduz-se no seguinte: «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais» (LEBRE DE FREITAS et alií, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, Coimbra Editora, 1999, p. 58).

    6. - Ora, não produziria efeito útil uma decisão que estabelecesse (hipoteticamente) uma servidão de passagem através de um terreno confinante (com o prédio dominante) que não desembocasse numa via pública (mas antes num outro terreno sobre o qual não se pudesse declarar constituída a continuação daquela servidão, por falta de intervenção processual do respectivo proprietário).

    7. - Note-se que, no caso dos autos, a M.ma Juiz a quo aludiu à necessidade de «identificação de todos os prédios rústicos por onde devia passar o caminho de acesso do seu prédio [dos AA] até à via pública», mas daí não inferiu a indispensabilidade de intervenção processual dos proprietários desses outros prédios rústicos, em termos de litisconsórcio necessário passivo – o qual, no entanto, se entende impor-se no caso, e cuja preterição consubstancia ilegitimidade, constituindo excepção dilatória, de conhecimento oficioso e determinante de absolvição da instância, nos termos dos arts. 28.º, 288.º, n.º 1, aI. d), 493.º, n.º 2, 494.º, aI. e), e 495.º do CPC.

    8. - Perante isto, surge a questão de saber se é possível conhecer em sede de recurso dessa ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo.

    9. - Sobre essa matéria pronunciou-se AMÂNCIO FERREIRA, sustentando que o tribunal de recurso pode «conhecer de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado» e que essas questões podem referir-se «à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do art. 495.º» (Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 151). E também na jurisprudência se mostra consolidado esse entendimento, de que se salientam os Acs. RP de 14/9/2006 e de 9/11/2006 (Procs. 0633963 e 0635479, respectivamente).

    10. - Posto isto, forçoso é concluir que, por ocorrer in casu uma situação de litisconsórcio necessário natural (passivo), ocorre a excepção dilatória de ilegitimidade dos RR., de conhecimento oficioso – pelo que, apesar de não ter sido suscitada anteriormente (seja pelas partes, seja pelo tribunal recorrido) deve este tribunal de recurso dela...

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