Acórdão nº 0817271 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 609 - FLS 200.

Área Temática: .

Sumário: I - No crime de abuso de confiança (art. 205º, 1 e 4 do CP) pretende-se tutelar a propriedade, mas a actuação tipificada deve revestir-se de dois momentos distintos: a entrega e um abuso da posse de outrem.

II - No crime de burla (artigos 217º, n.º 1 e 218º, 2, a) do CP) o bem jurídico tutelado é o património globalmente considerado, entendido este como qualquer bem, interesse ou direito economicamente relevante. A conduta deste crime deverá ser astuciosa de modo a induzir em erro ou enganar outra pessoa, podendo tanto consistir na afirmação de factos falsos, como numa simulação ou deturpação dos verdadeiros.

III - Se o arguido praticou factos que integram o crime de abuso de confiança e tais factos foram qualificados na sentença condenatória como um crime de burla, deverá a sentença ser revogada, por se tratar de uma alteração substancial, sem prejuízo do subsequente procedimento criminal que o MP venha a instaurar (art. 359º, 2 do CPP).

Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso n.º 7271.08-1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro.

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.- RELATÓRIO 1. No PCC n.º 425/03.0TAOAZ do ..º Juízo Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis, em que são: Recorrentes/Arguidos: B………. e C………. .

Recorridos: Ministério Público.

Recorridos/Assistentes/Demandantes: D………. e E………. .

foi proferido acórdão em 2008/Mai./07 a fls. 1265-1315 que condenou ambos os arguidos pela prática, como autores materiais, de um crime de burla qualificada dos art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, sendo o arguido B………. numa pena de 6 anos de prisão e o arguido C………. numa pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período de 4 anos, mediante a condição de, nesse prazo, pagar aos assistentes a quantia de € 250.000.

  1. Ambos os arguidos interpuseram recurso em que pugnam pela revogação deste acórdão e pela sua absolvição.

    2.1 No recurso formulado pelo arguido C………. em 2008/Jun./03 a fls. 1323-1327V, o mesmo apresentou, em suam, as seguintes conclusões: 1.º) O Falecido F………. deu o dinheiro aqui em causa ao recorrente e ao seu filho B………., com a condição de consigo o utilizar, se necessário até à morte e ainda enquanto vivesse a G………. em Portugal, não se visionando porque foi desvalorizado o seu depoimento; 2.º) O tribunal não trouxe a G………. a depor nem os funcionários do H………., que o recorrente não conhece, sendo certo que era o arguido B………. quem, em exclusivo, tratava dos assuntos do F……….; 3.º) A prova testemunhal não permite a convicção do Tribunal de que o recorrente, de comum acordo com o seu filho e na sequência de um plano previamente combinado, disponibilizaram-se para auxiliar o F………. a gerir a sua fortuna e passaram a partir do início de 2001 a movimentar os seus valores, acabando por ficar com eles e usando-o em proveito próprio; 4.º) Pois as testemunhas não só nunca referem o C………. como tendo praticado qualquer crime, como também referem o contrário, nomeadamente a que é considerada pelo Tribunal de “credibilidade total”, o I………., isto é, o C………. nunca falou consigo sobre contas, era o B………. quem tratava de tudo o que se relacionava com a situação financeira do F……….; 5.º) Também não se pode dar como provado que os movimentos da conta do H………. de ………. foram, por ordem do recorrente, pois igualmente não há prova testemunhal que a tal se refira e os documentos não o relevam, não se sabendo inclusive como foi ordenado (se por escrito ou telefone, etc.) e por quem (tem de admitir-se até a co-titular G……….); 6.º) É contraditória essa prova com a consideração efectuada pelo tribunal recorrido de “pelo menos desde a entrada de F………. no Hospital ………. da Feira, pela primeira vez passou a ser o arguido B………. a tratar, EM EXCLUSIVO, dos assuntos bancários do F……….”; 7.º) Igualmente a contraprova de que a doença do F………. não era impeditiva de saber o que se passava não pode deixar de ser considerada face ao depoimento científico, objectivo e desinteressado do Dr. J……….; 8.º) Caso não se entenda que o recorrente seja absolvido, deve a pena ser a do limite mínimo da moldura penal; 9.º) E face à sua situação económica e social nunca a pena deve ser condicionada ao pagamento de tão avultada quantia (250.000 €), por lhe faltar razoabilidade na exigência, traduzindo-se em obrigação impossível e condenação em prisão efectiva, o que seria inconstitucional por violação dos art. 27.º, 32.º, 202.º e 205.º da C. Rep.; 10.º) Foram violados os art. 26.º, 40.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 71.º, 217.º, 218.º, do Código Penal e os art. 124.º, 128.º, 410.º, do Código de Processo Penal e 27.º, 32.º e 205.º da C. Rep..

    2.2 O arguido B………. apresentou o seu recurso em 2008/Jun./05, a fls. 1330-1402, onde reitera a pretensão, ainda que de uma forma enviesada[(1)], de ver conhecidos os recursos intercalares, formulando as conclusões que se resumem no seguinte: 1.º) O acórdão recorrido é nulo porquanto não contém um exame crítico da prova, faz meras referências genéricas e não, como se impunha, a competente motivação da matéria de facto assente, não revelando o caminho seguido para dar os factos como provados, não indicando o sentido das declarações dos vários intervenientes processuais, os motivos da sua valoração, não indicando quais os concretos meios de prova utilizados, não esclarecendo quais os concretos meios de prova que serviram para demonstrar os diferentes pontos da matéria de facto, não efectuando uma análise comparativa e crítica das diferentes provas (oral, documental) [1-4]; 2.º) O acórdão recorrido parte de uma valoração negativa e meramente conclusiva dos depoimentos dos arguidos para daí tornar verosímil a tese da acusação, confundindo o princípio da livre apreciação da prova (127.º. C. P. P.) com uma apreciação arbitrária dessa mesma prova, não explicitando os esforços comuns dos arguidos no intuito de convencerem o F………. a entregar-lhes os montantes aí referidos nem de que forma os arguidos tinham o propósito de ludibriá-lo, acabando por condenar sem provas [5-10]; 3.º) Desta forma inviabilizou-se qualquer sindicância que se queira efectuar à decisão final, violando-se os 32.º, n.º 1, 205.º, n.º 1, da C. Rep., art. 97.º, n.º 5, 127.º, 374.º, n.º 2 do C. P. P., conduzindo à nulidade do acórdão recorrido nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do C. P. P. [11]; 4.º) Foram erradamente julgados como provados os pontos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3. 2.1.4, 2.1.5 e 2.1.6 da matéria de facto que deviam ter sido julgados como não provados [12-14]; 5.º) O tribunal “a quo” impôs aos arguidos um dever de falar, valorando negativamente as suas declarações, apreciando prova que não é legalmente admissível, violando-se o art. 61.º, al. d), 133.º, n.º 1, al. a), 124.º, n.º 1, 125, 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 4, todos do C. P. P. [15-19]; 6.º) Não foram correctamente valorados os documentos médicos de fls. 601 a 603, 701 a 713 nem os pareceres do Prof. Pinto da Costa de fls. 539 e 679, mesmo se comparados com o constante no Relatório de fls. 50 [20-21]; 7.º) É inaceitável a fundamentação do tribunal “a quo” para desvalorizar por completo o depoimento da testemunha J………., constante no CD 1 (00:33:19) a (01:58:20), da audiência de 2008/02/14, médico no Hospital ………., que assistiu o referido F………. desde o seu internamento até à sua morte [22-23]; 8.º) Todos os depoimentos das testemunhas da acusação e ainda os depoimentos dos assistentes impõem um julgamento diverso nos concretos pontos de facto assinalados, uma vez que não permitem a convicção positiva dos mesmos, para lá da dúvida razoável [24]; 9.º) Dos demais factos impugnados não foi produzida qualquer prova em concreto, que de resto o tribunal não indica, limitando-se a presumir [25-30]; 10.º) O depoimento da testemunha I………., com o documento de fls. 116 permite concluir que a transferência de 2001/Jul./31 do K………. de ……… para a conta de G………. para o H………. de ………. foi ordenada pelo F………. [31-32] 11.º) Deve merecer credibilidade o depoimento da testemunha J………., constante na cassete n.º 1, lado A (000-2425) e cassete n.º 1 lado B (000-1235), não podendo ser liminarmente desvalorizados os depoimentos das testemunhas de defesa, ofendendo-se o disposto nos art. 125.º, 127.º, 133.º, 140.º, n.º 3 e 340.º, do C. P. P. [33-37]; 12.º) Há insuficiência para a decisão da matéria de facto (410.º, n.º 2, al. a) C. P. P.), quando da factualidade vertida na decisão verifica-se que faltaram elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição [38-39]; 13.º) Existe uma contradição e erro na apreciação da prova quando se conclui na fundamentação dos factos provados que os assistentes e grande parte das testemunhas da acusação sabiam perfeitamente que o dinheiro estava nas mãos do arguido B………., como sempre lhes referiu F………. e se dá como provado que os arguidos urdiram um plano mediante o qual induziram em erro e enganaram o mesmo F………., no sentido de colocar o dinheiro nas suas mãos [40-41]; 14.º) Os art. 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, ambos do C. P. P., violam o disposto no art. 205.º, n.º 1 da CRep. se interpretados no sentido de que, podendo a decisão conter uma exposição dos motivos, de facto e de direito, que a fundamentam, a mesma não contiver uma indicação e, sobretudo, um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, para além de eventuais elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, podem constituir o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido, não permitindo perceber os diversos e concretos meios de prova apresentados em audiência, consideradas analiticamente nas suas possíveis combinações [42]; 15.º) E ainda se interpretados no sentido de tal fundamentação não impõe o...

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