Acórdão nº 491/00.0TAMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 394 - FLS 308.

Área Temática: .

Sumário: As condutas integradoras do crime de abuso de confiança à segurança social, relativas a montantes inferiores a €7.500,00 não se mostram descriminalizadas Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 491/00.0TAMTS.P1 4ª Secção Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto, I - RELATÓRIO No Tribunal Judicial de Matosinhos, o Magistrado do Ministério Público acusou, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, as arguidas B………. e “C………., L.da”, com os demais sinais dos autos, imputando-lhes a prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punível pelos arts. 27º-B, do Dec. Lei n.º 20-A/90, de 15/1, na redacção do Dec. Lei n.º 140/95, de 14/6, e 30º, do Código Penal, com fundamento na falta de entrega das cotizações dos trabalhadores e contribuições dos membros dos seus órgãos estatutários, descontadas nas remunerações dos meses de Janeiro e Fevereiro de 1999, nos valores de, respectivamente, 78.956$00, 76.239$00, 27.500$00 e 27.500$00.

Remetidos os autos para julgamento veio a ser declarada a contumácia da arguida B………., por despacho datado de 26/9/2002, a qual apenas veio a ser declarada cessada em 14/10/2005.

Após vários adiamentos da audiência de julgamento foi proferido despacho a declarar extinto o procedimento criminal intentado, face às alterações introduzidas ao RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6) pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

Inconformados recorreram o Ministério Público e o assistente “Instituto da Segurança Social, I.P.”, sendo tais recursos julgados procedentes, com a consequente revogação do despacho recorrido (v. fls. 330 e segs.).

Todavia, recebidos os autos na 1ª instância não foi designada audiência de julgamento, como determinado, mas proferido novo despacho a declarar extinto o procedimento criminal instaurado contra as arguidas e a ordenar o arquivamento dos autos, agora com fundamento na alteração introduzida ao art. 105º, do RGIT, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12.

Discordando de tal entendimento, o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: (transcrição) «1 - Os arguidos encontram-se acusados da prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo art. 27.º -B, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro e art. 30.°, do Código Penal, actualmente p. e p. pelo art. 107.°, n.º 1 da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho (R.G.I. T.) e pelo mesmo art. 30.° do Código Penal; 2 - O citado art. 107.° remete para o art. 105.° do mesmo diploma no que concerne à pena a aplicar bem como ao disposto nos n.ºs 4, 6 e 7; 3 - A Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro veio alterar o referido art. 105.° que passou a ter a seguinte redacção: «1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500 …»; 4 - Operou-se, pois, uma despenalização no que se refere ao art. 105.° e às prestações retidas de valor igual e/ou inferior a € 7500; 5 - Tal despenalização não se estende ao crime p. e p. pelo art. 107.° do R.G.I.T. já que este é um tipo autónomo relativamente ao art. 105.° sendo este apenas aplicável na parte que respeita à moldura abstracta da pena e ao disposto nos n.ºs 4, 6 e 7 (sendo que no entanto o n.º 6 foi revogado); 6 - Não tendo o legislador alterado o disposto no art. 107.° do R.G.I. T. nos mesmos termos em que o fez para o art. 105.° do mesmo diploma, não subsiste qualquer despenalização no que concerne à falta de entrega de prestações de cotizações à Segurança Social de valor igualou inferior a € 7500; 7 - Sendo, por isso, inaplicável in casu o preceituado no n.º 2 do art. 2.° do Código Penal; 8 - Ao proferir o despacho recorrido o Mmo. Juiz violou, por erro de interpretação, o preceituado no art. 107.º da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho; 9 - Pelo que, em consequência, deverá o mesmo ser revogado e determinada a sua substituição por outro que ordene a prossecução dos autos.»*Terminou pedindo o provimento do recurso.

*Igualmente inconformado, interpôs também recurso o “Instituto da Segurança Social, I.P.”, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) “1 - O despacho objecto de recurso incide sobre o crime de abuso de confiança fiscal e não sobre o crime objecto de acusação que é de abuso de confiança contra a segurança social, pelo que a argumentação vertida no douto despacho não se aplica aos presentes autos.

2 - Os aqui arguidos encontram-se acusados, nos presentes autos, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p., inicialmente pelo artigos 27°-B, do Decreto-lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, e actualmente pelo artigo 107° e 105° n.° 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias introduzido pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (doravante, apenas RGIT) e a sociedade arguida, incorre na prática do mesmo ilícito, por força do disposto no art. 7° do referido normativo legal.

3 - A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2009), veio introduzir alterações ao tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art. 105 n.° 1 do RGIT.

4 - Contudo, tais alterações não têm aplicação ao aqui ajuizado tipo legal de crime em apreço – abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 107.° do RGIT.

5 - O actual art. 105.°, n.° 1 da Lei 64-A/2008, de 31/12, com as alterações introduzidas pela lei do Orçamento de Estado, veio introduzir um novo elemento objectivo do tipo ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art. 105° n.° 1 do RGIT - a prestação tributária deverá ser de valor superior a € 7.500,00.

6 - O art. 107.° do RGIT, no seu item 2, remete apenas para os números 4 e 7 do artigo 105.° do RGIT, ou seja, a sobredita remissão respeita tão só às penas e não aos elementos objectivos do tipo de crime.

7 - Assim, a actual redacção do art. 105 n.º 1 do RGIT não é aplicável ao abuso de confiança contra a segurança social, não se mostrando, ipso facto, descriminalizada a conduta dos arguidos.

8 - Os tipos legais de crime em causa - abuso de confiança fiscal (p. e p. pelo art. 105.° do RGIT) e abuso de confiança contra a segurança social (p. e p. pelo art. 107.° do RGIT) - são distintos, não se podendo aplicar analogicamente (cfr. artigo 1º, n.º 3 do Código Penal) as alterações que foram efectuadas ao elemento objectivo do tipo de crime de abuso de confiança fiscal ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.

9 - Acresce, ainda, que no espírito do legislador não poderia estar em causa aplicar ao crime de abuso de confiança contra a segurança social as recentes e supra referidas alterações legislativas, pois se tal sucedesse a conduta, que agora é criminalizada pelo art. 107° do RGIT, deixaria, até € 7.500,00 por cada prestação mensal, de estar protegida na esfera jurídica, uma vez que não está previsto no nosso ordenamento jurídico qualquer contra-ordenação que sancione a conduta em causa...

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