Acórdão nº 907/08.7TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | CONCEIÇÃO SAAVEDRA |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: JULGADA PROCEDENTE Sumário: I – Não aceitando o tribunal a recusa de informação que solicitou a um terceiro, fundada no dever de sigilo, a primeira questão a considerar será a da legitimidade ou ilegitimidade dessa recusa; II – Só se concluir que a recusa é ilegítima poderá o tribunal insistir pela prestação da informação ou dos elementos solicitados; III – Constatando-se a legitimidade da recusa, por a informação estar protegida pelo segredo bancário, só o levantamento do sigilo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação. Essa quebra de segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que cabe por força da lei a um tribunal superior, que deve ser suscitada, oficiosamente ou mediante requerimento, pelo juiz da 1ª instância (arts. 135º, nº 2 do CPP e 519º, nº 4 do CPC); IV – É nula, por violadora das regras de competência, a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância que, concluindo pela legitimidade da recusa, insistiu pela prestação da informação junto da entidade bancária, com o fundamento de que devia ser quebrado o dever de sigilo.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório: A CGD, S.A.
, interveniente nos autos de incidente de qualificação da insolvência em que é insolvente Cartonagem S...
, veio interpor recurso de apelação do despacho proferido em 22.7.09, o qual, renovando o anteriormente proferido em 9.7.09, ordenou que a ora recorrente prestasse determinadas informações bancárias, “com a cominação de que a falta de colaboração com este tribunal será sancionada com multa”.
Formula a apelante as seguintes conclusões que se transcrevem: “a) - O Tribunal a quo ordenou no despacho recorrido que a CGD informe «… se na conta 2008386602930 foi depositado o cheque nº.- 1600001808 emitido pela C..., datado de 15-01-2006, no valor de 1.098,25 €, bem assim quem é o titular dessa conta…», sob pena de ser sancionada com multa por alegada falta de colaboração com o Tribunal.
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- A CGD, invocando o dever de segredo bancário ao qual está por lei obrigada nos termos do art. 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), tinha já recusado a satisfação de anterior pedido idêntico (cfr. sua carta de fls.- de 03-07-2009).
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– Em nenhuma das notificações efectuadas foi invocada qualquer norma legal derrogatória do dever de segredo bancário, nem tão pouco foi mencionada qualquer circunstância que pudesse levar a CGD a concluir que a situação em causa teria enquadramento em norma legal derrogatória daquele dever.
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– Assim, é manifesto que as informações solicitadas estão necessariamente abrangidas pelo dever de sigilo bancário ao qual a CGD está legalmente vinculada.
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– O que, aliás, é expressamente reconhecido e assumido pela 1ª Instância.
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– O que acontece é que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo no despacho do qual ora se recorre, não invocando qualquer disposição legal que preveja uma excepção ao dever de sigilo, e considerando que «No conflito de interesses entre o dever dos bancos de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de o Tribunal averiguar os factos que podem conduzir à decisão de inabilitação de um cidadão e, logo, afectar a sua capacidade, não se pode deixar de entender que aquele dever cede perante este direito, manifestamente superior, por reconhecido na lei...
», ordenou a prestação das informações, invocando, designadamente, o dever de cooperação e o disposto nos arts.-519 e 266 do CPC.
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- Ora, parece que o melhor entendimento será o de que as invocadas normas não constituem, por si só, uma derrogação do dever de segredo bancário (profissional) legalmente imposto e cuja violação é penalmente sancionada (art.º 195.º do Código Penal), pois, a ter-se outro entendimento, tal deixaria sem qualquer sentido a legítima recusa de prestação de informação, prevista no art. 135º do Código de Processo Penal e o respectivo regime de verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado, previstos nos nºs 2 a 5 do mesmo art. 135º.
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- De resto, o próprio art.-519, nº.-3, al. c) (para onde o art.-266, nº.-3 também remete), ressalva expressamente a necessidade de salvaguarda do «sigilo profissional ou de funcionários públicos», considerando legítima a recusa com base em tal dever de sigilo, e estipulando que, neste caso, será então aplicável com as devidas adaptações o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo bancário - cfr nº.-4 do aludido art.-519 do CPC).
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- Do que decorre que o pedido de informação em causa, isso sim, de ser analisado à luz do disposto no art.º 135º do C.P.P., para onde se remetem tanto o nº.- 4 do art.- 519 do CPC, como a al. d) do nº 2 do art.- 79 do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.
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– Prevê, de facto, o art. 79º, nº 2, al. d) do RGICSF que os elementos sujeitos a segredo podem ser revelados nos termos da lei penal e de processo penal, e dispondo esta lei de uma previsão normativa especialmente aplicável a estes casos, constante dos arts. 182º e 135º do Código de Processo Penal, crê-se que deverão ser primacialmente estas as normas a aplicar.
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- Ora a ponderação de interesses que poderá conduzir à prevalência do interesse público na administração da justiça relativamente aos interesses protegidos pelo...
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