Acórdão nº 18/06.0 TAPNC.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS 180.º, N.º 1 E 183.º, N.º 2,,3 E4 DO CP E 410º, 412º,428º DO CPP Sumário: 1.O previsto no artigo 410.º, n.º 1, alínea a) do CPP emerge quando da factualidade vertida na decisão em recurso se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.

  1. A conduta prevista no artigo 180º, nº1 do CP não é punível, nomeadamente, quando agente tiver fundamento sério para, em boa fé, reputar como verdadeira imputação feita.

  2. No caso, o Tribunal a quo fundamentou a boa fé do arguido em reputar as expressões em causa como verdadeiras, enquanto um dos requisitos para lançar mão da causa de justificação prevista no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal, não apenas arrimando-se no indicado ponto 9) da matéria de facto dada como provada, mas também louvando-se na conjugação da demais prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente no depoimento da testemunha F .

    Toda esta factualidade é claramente suficiente para sustentar, por si só, a boa fé do arguido em reputar as suas expressões como verdadeiras, e em consequência, determinar o sentenciado juízo da sua absolvição .

  3. Decorre do teor das entrevistas dadas como provadas, o conhecimento que o arguido tinha sobre a matéria e os contactos com os diversos organismos oficiais e com os próprios populares. Tudo moldes bastantes para permitir a conclusão extraída na sentença em causa de que o recorrido acatou com o dever de informação que sobre ele incidia antes de proferir as expressões em litígio.

  4. No caso vertente depara-se-nos o confronto entre o direito à honra da assistente e o direito do arguido, enquanto detentor de um cargo público de eleição, em defender os interesses daqueles que o legitimaram com o seu voto, atribuindo-lhe um mandato por cujo intermédio ele se transformou também no porta voz público, quando necessário, da salvaguarda dos direitos e interesses dos seus munícipes.

    No caso ponderando os interesses em conflito, nas circunstâncias em que as expressões foram proferidas, entendemos também que os prosseguidos pelo arguido sobrelevam sobre a honra da assistente.

    Decisão Texto Integral: I – Relatório.

    1.1. Após pronúncia, o arguido DA, já mais devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento porquanto indiciariamente incurso, entendeu-se, na prática de um crime de difamação, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal.

    Operado o contraditório, por sentença de 7 de Janeiro de 2009 [por lapso manifesto, que se corrige, ut artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, consignou-se “7 de Janeiro de 2008” – fls. 672 -], entretanto alvo de correcção deferida – fls. 813 –, decretou-se a absolvição daquele mesmo arguido.

    1.2. Porque se não revê no veredicto assim emitido, recorre a assistente Maria, também já devidamente identificada, extraindo da oportuna motivação as seguintes (diga-se que, por vezes, repetitivas) conclusões: 1.2.1. Impõe-se proceder à correcção de alguns lapsos constantes do texto da decisão, mormente, dos factos provados.

    1.2.1. Isto uma vez que o Tribunal a quo ao reproduzir as entrevistas concedidas pelo arguido aos diversos meios de comunicação social optou por efectuar uma apresentação truncada das mesmas, limitando-se a transcrever os trechos que continham afirmações que pudessem consubstanciar a prática do crime de difamação de que o arguido vinha acusado.

    1.2.3. Todas as afirmações assim proferidas foram dadas como provadas. Porém, certamente por lapso, o Tribunal recorrido olvidou transcrever algumas passagens que se mostram relevantes para a apreciação da presente impugnação. Especificando, não transcreveu o Tribunal a quo o seguinte trecho: Quanto ao ponto 5 da matéria dada como provada – Entrevista concedida pelo arguido à Rádio ….: “Teve que fazer o abate dos animais porque entretanto algumas ficaram com brucelose, é evidente que se suspeita que possa ser da invasão dos pastos por esses animais, mas isso é apenas uma suspeita, não afirmamos absolutamente mais nada, mas que realmente aconteceu, aconteceu e estas coisas não se podem continuar a verificar.” Quanto ao ponto 3 da matéria dada como provada – Entrevista concedida pelo arguido à Rádio C…: “Desta vez as pessoas perderam simplesmente a paciência para continuarem a ser usadas no meio disto tudo porque quem não trata do seu gado e por simplesmente se limitar a receber o subsídio, eu acho que o próprio Ministério da Agricultura aí é responsável e foi também um pouco este o teor da conversa que eu tive com o próprio director regional que está dentro do dossier.” Quanto ao ponto 4 da matéria dada como provada – Entrevista concedida pelo arguido à Rádio ….: “Nós também não queremos que a população se sinta ainda mais injustiçada relativamente à forma lenta como a justiça tem funcionado, porque há queixas no tribunal encaminhadas via GNR e que neste momento a população perdeu a paciência e a Câmara Municipal está solidária com a população, porque realmente não se consente que no Século XXI estejamos a atravessar situações destas.” Quanto ao ponto 8 da matéria de facto provada onde consta que à Rádio V… o arguido declarou as mesmas expressões aludidas no ponto 7 deverá passar a constar pontos 3, 4 e 5, pois que se depara mero lapso susceptível de reparação no Tribunal ad quem, e resulta directamente da transcrição das entrevistas concedidas.

    1.2.4. Porque a matéria de facto constante das gravações áudio foi, na sua íntegra, dada como provada e imputada ao arguido, ocorre estarmos na presença de um mero lapso cuja eliminação não importa qualquer modificação essencial e que como tal deve ser corrigida, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.

    Como corolário, depois de corrigida, deve tal matéria passar a integrar a matéria dada como provada.

    1.2.5. A decisão recorrida padece de nulidade, que se invoca, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Isto porquanto: 1.2.6. O arguido vinha acusado de ter insinuado que a assistente propagou a brucelose a uma exploração vizinha; que, como consequência e culpa sua, o proprietário dessa exploração foi compelido a abater todos os seus animais – 550 cabeças de gado; aquela propagação, segundo insinuação do arguido, resultou do facto de os animais de que a assistente é proprietária contaminarem os campos que alegadamente invadem. Tais factos foram dados como provados nos pontos 5 e 7 da matéria provada.

    1.2.8. Ora, não obstante o Tribunal sindicado ter dado tais factos como provados e, o artigo 180.º do Código Penal prever e punir como difamação os factos ou juízos, que sejam imputados, ainda que sob a forma de suspeita.

    1.2.9. Bem como apesar de a assistente ter deduzido acusação particular, quanto a estes factos, certo é que não conheceu da referida suspeição.

    1.2.10. Caso assim se não considere, sempre por tal circunstância padeceria a sentença recorrida do vício de insuficiência da matéria de facto, nos termos a que se alude no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, vício que, aliás, é de conhecimento oficioso do Tribunal.

    1.2.11. Da factualidade vertida no ponto 9) dos factos dados como provados o Tribunal a quo retirou, no que aos factos atinentes ao sequestro por brucelose e prejuízos dos agricultores respeita, que: “é legitimo concluir que o arguido, em boa fé, reputou as suas afirmações como verdadeiras sendo que actuou na qualidade de Presidente da Câmara com o objectivo de esclarecer os populares das medidas adoptadas pelas instituições públicas no sentido de resolver a situação dos animais da exploração da assistente não continuarem a deambular pelas propriedades vizinhas e não provocarem estragos nem disseminarem doença, podendo originar o abate de animais de outras explorações.” 1.2.12. Ora, se nos ativermos a tal factualidade, conclusão será a de que, então, se limitou a transcrever os factos constantes da fundamentação de um Acórdão que teve o seu trânsito em julgado no dia 24 de Janeiro de 2006.

    1.2.13. Ou seja, 4 anos após o arguido ter proferido as expressões que integram o crime de difamação com publicidade, pelo qual se encontra acusado nos presentes autos.

    1.2.14. Entende, pois, a recorrente, que o Tribunal da 1.ª instância ao concluir da boa fé do arguido e da verdade das afirmações sobre os alegados apenas com fundamento nos factos a que se alude em 9), violou o cumprimento do dever de descoberta da verdade que lhe é imposto pelo normativo do artigo 340.º do Código de Processo Penal.

    1.2.15. Na verdade, não consta da descrição da matéria de facto, que o arguido, à data da prática do ilícito, tivesse conhecimento da matéria a que se alude no ponto 9) da matéria de facto dada como provada.

    1.2.16. Desconhece-se, não resultando da decisão recorrida, que o arguido, no momento em que concedeu as entrevistas aos diversos órgãos de comunicação social tinha conhecimento das queixas apresentadas? Era conhecedor do seu teor e dos alegados prejuízos? O arguido sabia que as entidades competentes tinham decretado o sequestro? Perguntas que ficaram por responder.

    1.2.17. Todas elas absolutamente relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente, para se poder aquilatar da boa fé do agente e da verdade das imputações.

    1.2.18. Boa fé e/ou verdade, cuja verificação, cumulativamente com a realização de interesse legítimo [alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º, do Código Penal], constituem condições necessárias à procedência da causa de justificação.

    1.2.19. Assim, para que fosse legítimo ao Tribunal lançar mão da causa de justificação – de que se socorreu para formular o seu juízo absolutório – impunha-se que a boa fé do arguido se encontrasse provada, sendo exigível que o seu suporte fáctico constasse da decisão, o que não sucede. Bem como se...

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