Acórdão nº 222/09.9GBETR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGOS 189º, 2 CPP. ,2º, 1, G) L. 32/08 Sumário: A entrada em vigor da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, não revogou o disposto no art. 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, impossibilitando a obtenção da identificação de assinante de serviço de telemóvel para investigação de crime que não corresponda a um dos crimes classificados como “crime grave” pelo art. 2º, nº 1, al. g), daquela Lei.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO: O inquérito que originou estes autos de recurso em separado iniciou-se com a queixa apresentada por C... contra desconhecidos por factos susceptíveis de integrar a prática de crime de um crime de perturbação da vida privada previsto e punido pela norma do artigo 190.° do Código Penal, cometido mediante a utilização de telemóvel.

No decurso do inquérito e esgotadas as diligências possíveis, o M.P. requereu ao Exmº Juiz de Instrução Criminal que determinasse à operadora de comunicações Vodafone, a quebra do sigilo das telecomunicações, para que esta informasse os números de telefone que realizaram chamadas telefónicas para a queixosa, no período compreendido entre 6 de Julho de 2009 e 31 de Julho de 2009, o que veio a ser indeferido por despacho judicial em que foi invocada falta de fundamento legal.

Inconformado com esse despacho, o M.P. interpôs o recurso agora em apreço, de cuja motivação retirou as seguintes conclusões: 1 - A necessidade de dotar os Estados integrantes da União Europeia de instrumentos eficazes de combate à criminalidade organizada e terrorismo, levou as instâncias comunitárias a optar pela harmonização dos quadros jurídicos dos países membros, aplicáveis a esta matéria.

2 - Desta forma, verificou-se igualmente a necessidade de criar a obrigação sobre as operadoras de telecomunicações de conservação de dados de tráfego e de localização, relativos às comunicações entre pessoas singulares ou colectivas, com vista à prevenção, combate e repressão da criminalidade. ( In «Crime e Punição» de HELENA RESENDE DA SILVA, pag. 13.) 3 -Na tradução e sequência dessas recomendações comunitárias, foi publicada a Lei n.° 38/2008 de 17.Julho, que possui por objecto a conservação e a transmissão de dados de tráfego e de localização, bem como, dados conexos, para fins de investigação, detecção e repressão de crimes graves.

4- Este diploma, na focalização dos crimes graves, não revogou o regime do Código de Processo Penal, delineado nos artigos 189.° e 187.° n.° 1 deste compêndio legislativo, no que diz respeito à captura e obtenção processual desses dados.

5 - Não existe qualquer contradição substantiva insanável ou de relevo, entre os regimes legais que disciplinam a captura e intercepção de dados delineados na Lei n.° 32/2008 e nos artigos 187.° n.° 1, 189.° e 190.° do Código de Processo Penal.

6 - Estes regimes possuem áreas de aplicação não coincidentes, são substancialmente sobreponíveis, complementares e encontram-se simultaneamente em vigor.

7 - Com efeito, caso fosse intenção da Lei n.° 32/2008, revogar o regime do Código de Processo Penal, face ao melindre da matéria a disciplinar e em obediência à boa hermenêutica, o legislador tê-lo-ia dito de forma expressa e categórica, em homenagem às exigências de segurança e certeza na aplicação do direito.

8 - O despacho recorrido violou as disposições conjugadas dos artigos 1.°, 187.°, 189.° do Código de Processo Penal, bem como, dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 9.° da Lei n.° 32/2008 de 17.Julho.

9 - Razão pela qual, na declaração da sua ilegalidade, deverá ser dado sem efeito e revogado, bem como, substituído por outro, que em apreciação da promoção do Ministério Publico, a defira e atenda, ordenando-se à operadora móvel VODAFONE que forneça, aos autos, os elementos pretendidos.

* Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância pronunciando-se pela procedência do recurso.

* Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

* Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a questão que importa decidir consiste em saber se a entrada em vigor da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, revogou o disposto no art. 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, impossibilitando a obtenção da identificação de assinante de serviço de telemóvel para investigação de crime que não corresponda a um dos crimes classificados como “crime grave” pelo art. 2º, nº 1, al. g), daquela Lei.

* II - FUNDAMENTAÇÃO: O despacho recorrido tem o seguinte teor: “O sigilo das comunicações sofre as limitações que decorrem do disposto nos artigos 187.°, 189° e 190.° do Código de Processo Penal e ainda as decorrentes da Lei n°32/2008 de 17-7, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 7-8-2009.

Como o regime processual claramente pressupõe, a admissibilidade da transmissão de dados está conformada pelo princípio da proporcionalidade; não só pela especial gravidade dos casos em que é admitida (os chamados «crimes de catálogo»), mas também pela exigência de um juízo de necessidade e do grande interesse para a descoberta da verdade.

Especificamente quanto à obtenção e junção aos autos de dados sobre tráfego e de localização respeitantes a pessoas bem como de dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado para fins de investigação, detecção e repressão de crimes, esta só pode ser ordenada ou autorizadas por despacho do Juiz de Instrução sempre quanto a «crimes graves», tal como definidos na referida Lei (art. 2°, nl1 g) isto é: a) terrorismo; a) criminalidade violenta (condutas dolosas contra a vida, a integridade física ou a liberdade puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos); b) criminalidade altamente organizada (condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento); c) sequestro; d) rapto e tomada de reféns; e) crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal; f) crimes contra a segurança do Estado; g) falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda; h) crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

E apenas quanto às pessoas referidas no n°3 o artigo 9o da referida Lei: a) suspeito ou arguido; b) pessoa que sirva de intermediário - relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; c) vítima de crime, verificado o respectivo consentimento efectivo ou presumido.

No caso dos autos, está em causa a investigação de factos susceptíveis de integrar um crime de perturbação da vida privada p.p. pelo art.° 190° do Código Penal.

Tal crime, embora subsumível ao disposto no Código de Processo Penal quanto a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, não pode subsumir-se ao catálogo elencado na referida Lei n° 32/2008.

Ora, salvo melhor entendimento, não pode deixar de entender-se que a referida Lei derrogou, quanto aos dados ali previstos, o disposto no artigo 189° do Código de Processo Penal. Efectivamente trata-se de uma norma especial (relativamente ao disposto no artigo 189° do Código de Processo Penal). A referida Lei transpõe para o ordenamento nacional a directiva n° 2006/24/CE referente (unicamente, diga-se) à conservação de dados, mas o legislador foi mais além, estabelecendo um regime específico de acesso e divulgação dos dados em causa, ressalvando (apenas): - o disposto na Lei n°41/2004 de 18-8, designadamente a possibilidade referida no n°7 do artigo 6o daquela Lei - art. 1o, n°2 da Lei 32/2008; - o disposto no Código de Processo Penal quanto a intercepção e gravação de conversas telefónicas (cfr. o mesmo art. 1o n°2) e - o disposto no artigo 252°-A do Código de Processo Penal - art. 9° n°5 da Lei...

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