Acórdão nº 555/07.9GAMMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS 212º,40º,47º,70º,71º DO CP E 410º, 412º,428 DO CPP Sumário: 1.Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

  1. O julgador está obrigado a indicar os meios de prova em que fez assentar a sua convicção e a esclarecer as razões pelas quais lhes conferiu relevância, não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

  2. Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do Código de Processo Penal, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

  3. O modelo de prevenção – porque de protecção de bens jurídicos – acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

  4. De acordo com o disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, o montante diário da pena de multa deve fixar-se em função da situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais Assim arredadas aqui quaisquer considerações de prevenção geral e especial, bem como o grau de culpa do arguido – vectores essenciais à determinação da medida da pena 6.Pena que sem implicar para o condenado um sacrifício insuportável em detrimento das obrigações e encargos a que ele tem que fazer face, sempre deve traduzir-se na imposição de um real sacrifício para o mesmo, única forma de sentir o desvalor da sua conduta.

    Decisão Texto Integral: I – Relatório.

    1.1. O arguido J.

    , com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento, porquanto indiciado segundo oportuna acusação deduzida pelo Ministério Público, da prática de factualidade consubstanciadora da autoria material consumada de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal.

    A.

    , alegando terem-lhe sobrevindo danos patrimoniais por virtude dessa conduta delitiva, formulou tempestivo pedido de indemnização, pedindo a condenação do arguido a solver-lhe, por tal facto, a quantia de € 3.777,00, acrescida dos juros moratórios legais, contabilizados desde a notificação do demandado, até seu integral pagamento ao demandante.

    Na subsequente e normal tramitação processual, realizado o contraditório, proferiu-se sentença determinando, ao ora relevante, a condenação do visado arguido/demandado enquanto agente do assacado ilícito, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, seja, na multa global de € 1.680,00, bem como na obrigação de ressarcir aquele lesado, entendeu-se, pelo montante de € 1.971,18, acrescido dos juros moratórios legais, contabilizados desde a data da sua notificação, e até seu integral pagamento ao demandante.

    1.2. Porque dissentido com o sentenciado, o condenado interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação a formulação das conclusões seguintes: 1.2.1. Encontram-se incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto: - (não provado que...) “o prédio em causa tenha sido arrendado ao Arguido.”; - (não provado que…) “o Arguido tenha pago, mediante cheque, o valor de € 7.500,00 ao proprietário do terreno na sequência das negociações tidas com este para a compra do prédio.”; - (provado que…) “A. não fora a destruição da sementeira de milho pelo Arguido, colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual seria vendido a, pelo menos, € 0,15/Quilo, deixando, portanto, de auferir € 1.950,00.” 1.2.2. Impõem decisão diversa da recorrida as seguintes provas: - Carta que constitui o documento n.º 7 junto à P.I., do punho do proprietário do terreno, AB, recepcionada pelo arguido em Abril de 2006, em que aquele reconhece este último como inquilino e preferente na alienação do prédio; - Documentos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 nos quais se verifica que o arguido recebeu pagamentos do Ministério da Agricultura, quer por indemnização por impedimento de cultivo, quer subsídios por pousio agronómico de terra arável, ambos relativos ao prédio em causa nos autos; - Cheques sacados à ordem de AB que constituem os documentos juntos à contestação sob os n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.

    1.2.3. Existe erro notório na apreciação da prova, que, por absoluto desprezo da disciplina do arrendamento rural (concedendo-se, neste particular, que é difícil cindir matéria de facto e matéria de direito), culminou em dar por não provado que o prédio tenha sido arrendado ao Arguido, isto quando: - O arguido sucedeu ao seu pai no arrendamento do terreno e que o podia fazer atento o disposto no art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de Outubro; - Não obstante não existir escrito, nem por isso o arguido estava impedido de fazer prevalecer os seus direitos como arrendatário atento o disposto no art.º 3.º, n.ºs 3 e 4 desse diploma; - Atento o recebimento de rendas pelo proprietário, qualquer iniciativa visando o despejo mediante invocação de falta de forma, ficaria paralisada por manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium; - A falta de pagamento de rendas posterior a 2005 não é de molde a que o arguido deixasse de ser arrendatário uma vez que de acordo com o n.º 3 do art.º 12.º do sobredito diploma legal “o arrendatário pode obstar à resolução do contrato desde que até ao encerramento da discussão em 1.ª instância proceda ao pagamento da renda ou rendas em falta acrescidas de juros de mora à taxa oficial das operações passivas respeitantes ao período de um ano e um dia.”.

    1.2.4. No mínimo, existe contradição na fundamentação em matéria de facto porquanto ter-se dado por não provado o arrendamento do prédio ao arguido é contraditório com que se deu por provado sob os pontos 11), 12), 13) e 14) e com o que mais vem expendido pelo próprio Tribunal a quo na motivação da sua decisão em matéria de facto.

    1.2.5. A indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, por ilíquida, resulta num injusto locupletamento do ofendido à custa do arguido (recebe pela mesma quantidade de milho o que não receberia se o tivesse de colocar no mercado) pelo que, de duas uma: - A equidade prevista no n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil imporá desconto não inferior a 30% na quantia ilíquida apurada pelo mesmo Tribunal; - O concreto quantum indemnizatório deverá ser relegado para liquidação em sede de execução de sentença para apuro dos custos inerentes à colheita, secagem e transporte do milho.

    1.2.6. Deveria, pelo exposto, no que concerne aos pontos n.ºs 1) e 2) da Matéria de facto dada por não provada e 16) da matéria de facto dada por provada o Tribunal recorrido ter decidido o seguinte: 1 - Provado que o gozo do prédio em causa nos autos foi cedido ao arguido contra o pagamento de uma renda de € 2000,00, que este nunca foi despejado e que era reconhecido pelo respectivo proprietário e pelo Ministério da Agricultura como inquilino; 2 - Provado que, para aquisição do prédio, o arguido entrou em negociações com AB, proprietário a quem entregou cheque no valor de € 7.500,00, não descontado por este último; 16 - Provado que A. não fora a destruição da sementeira de milho pelo arguido, colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual seria vendido ao preço de € 0,15/Quilo, deduzido do que tivesse de despender em colheita, secagem e transporte para colocação do cereal no mercado.

    1.2.7. A medida da pena em que o arguido foi condenado não considerou que a sua conduta não deu origem a consequências especialmente gravosas, a ausência de reincidência, o facto de o arguido ter actuado sob circunstâncias adequadas a tolher a sua liberdade de actuação (com reflexos numa menor intensidade dolosa), os fins que motivaram o arguido e a sua situação económica – art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal –.

    1.2.8. A pena de multa fixada ultrapassa, para mais atenta a situação económica do arguido, os montantes comummente fixados pelas instâncias em penas em que estão em causa lesões de bens com outra ressonância ético-jurídica – crimes contra a honra, a integridade física.

    1.2.9. É adequada à culpa do arguido e atende aos propósitos de prevenção, seja geral positiva, seja especial, uma pena de multa fixada em 70 dias à razão diária de € 5,00, isto é, num total de € 350,00.

    Terminou pedindo que na procedência do recurso, seja decretada a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que decida em conformidade com o assim alegado.

    1.3. Notificados ao efeito, responderam os sujeitos processuais visados, sustentando ambos – Ministério Público e demandante –, o improvimento da oposição apresentada.

    1.4. Remetidos os autos a esta instância, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

    Foi dado acatamento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

    Por via do que se determinou o prosseguimento do recurso, com recolha de vistos – o que sucedeu –, bem como...

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