Acórdão nº 218/08.8GBGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 180.º, 184.º E 132.º, N.º 2, ALÍNEA 1) CÓDIGO PENAL Sumário: 1. É susceptível de ofender a honra e consideração a narração inexacta de factos consignada em livro de reclamações.

  1. Expressões como “arrogante e prepotente” são juízos de valor e não factos cuja prova da verdade se possa realizar.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

    Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia, sob acusação do Ministério Público, foi submetida a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida T…, divorciada, desempregada, natural de Angola, residente em Q…, Gouveia.

    imputando-se-lhe a prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 29 a 32, pelos quais teria cometido um crime de difamação agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180.º, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea 1), todos do Código Penal.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 17 de Abril de 2009, decidiu: - julgar a acusação procedente, por provada e, consequentemente, condenar a arguida T…, como autora material, na forma consumada, de um crime de difamação agravado na pessoa de P..., previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º, alínea 1), ambos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), ou seja, na multa total de € 560 (quinhentos e sessenta euros).

    Inconformada com a douta sentença dela interpôs recurso a arguida T…, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1) A conduta da recorrente não é subsumível ao disposto no art.180.º do C.Penal.

    2) As expressões que utilizou inseriam-se num direito legítimo de expressão, crítica e indignação pela actuação da autoridade.

    3) Não tinha intenção de ofender a honra e consideração pessoal de nenhum agente.

    4) Mas antes a de manifestar, enquanto cidadã educada, correcta, boa filha e boa mãe e acima de tudo carente de protecção das autoridades policiais, o seu profundo desagrado com uma postura ou conduta profissional da GNR e seus agentes.

    5) O Tribunal recorrido interpretou incorrectamente o n.º 1 e não observou o n.º 2 do art. 180.º, bem como o art. 37.º da Constituição Portuguesa.

    O Ministério Público na Comarca de Gouveia respondeu ao recurso interposto pela arguida T…, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.

    O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que a sentença não merece qualquer censura e que deve improceder o recurso da arguida.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1) No dia 12 de Outubro de 2008, cerca das 15.00/15.10 horas, a arguida solicitou telefonicamente a comparência da GNR na Q…, Gouveia, alegando designadamente que se encontrava um rebanho de ovinos e caprinos dentro da sua propriedade.

    2) Em consequência do que, seguidamente, se deslocou para esse local uma patrulha da GNR de Gouveia, composta por P..., , e pelos soldados, BF..., e BR..., todos devidamente uniformizados.

    3) Chegados ao local, a arguida, do interior do prédio em que se encontrava, dirigiu-se àquela patrulha, referindo-lhe que quando chegara à sua propriedade encontravam-se algumas ovelhas no seu interior e que tinham causado prejuízos em algumas árvores, solicitando-lhe que fosse verificar os danos dentro da sua propriedade.

    4) Sendo que, nessa altura, os elementos que compunham a patrulha da GNR, comandada pelo indicado soldado P..., tinham parado e encontravam-se do lado de fora do prédio em causa, que se encontrava vedado, com rede ovelheira, com cerca de um metro de altura.

    5) Em face da alegação da arguida e não tendo detectado quaisquer danos ou derrube na vedação, o indicado agente da GNR, P..., enquanto comandante da patrulha, informou-a que “se estava perante um crime de dano por negligência e que teria que apresentar queixa para Tribunal”.

    6) Então, a arguida, dirigindo-se-lhe, disse que “a patrulha andava ali para passear e não para resolver os problemas dos cidadãos e que sempre pensou que a patrulha a ser chamada ao local, pelo menos, poderia meter um cagaço ao pastor para que o mesmo futuramente não deixasse que as ovelhas entrassem novamente na sua propriedade”.

    7) Sendo seguidamente informada que a patrulha não o poderia fazer, que o serviço da Guarda tinha que seguir pelos trâmites legais; que, a seguir, iriam proceder à identificação do pastor e do proprietário do rebanho para que posteriormente, se a mesma pretendesse, apresentasse queixa e que a ocorrência ficaria registada no Posto da GNR.

    8) A arguida, não se conformando com tais informações, referiu ao mencionado soldado P... que uma vez que a patrulha não podia fazer nada, se ia deslocar ao Posto para falar com o Comandante, sendo então informada por este soldado que o Comandante do Posto não se encontrava ao serviço, mas que o podia fazer no dia seguinte a partir das 9 horas.

    9) A arguida solicitou ainda ao soldado P... a sua identificação que o mesmo lhe forneceu e que a mesma não quis verificar.

    10) No dia 13 de Outubro de 2008, cerca das 14 horas, nas instalações do Posto da GNR de Gouveia, onde a mesma se havia deslocado, a arguida pediu o livro de reclamações («livro amarelo»), que lhe foi fornecido.

    11) Então, referindo-se aos factos do dia anterior e à intervenção da Patrulha da GNR e, designadamente, à do indicado soldado P..., escreveu naquele livro, pelo seu próprio punho, a reclamação de fls. 13 e 14, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, a fim de, nos termos da lei, ser enviada à Administração Pública e ao Gabinete do Ministro da Administração Interna.

    12) Nessa reclamação a arguida, depois de descrever as circunstâncias de tempo e de lugar em que solicitara a intervenção da GNR no local, escreveu que: “ Às 15 horas chegou o carro patrulha c/ três elementos. Sem que saíssem do carro perguntaram o que se passava. Expliquei o sucedido e pedi que fossem verificadas as árvores comidas pelos animais. Então o GNR que estava sentado ao lado do condutor saiu do carro e disse-me que não tinha que verificar as árvores porque «Eu não vi, não sei se foram as ovelhas que as comeram, ou a senhora que as cortou». Pedi-lhe, que identificasse o pastor, respondeu «Não temos nada c/ isso, o pastor não tem que ser identificado, saiba quem é o proprietário, e apresente queixa, mas primeiro arranje advogado». Perante esta atitude mal educada, arrogante e prepotente que em nada condiz com o Código de Honra da GNR, pedi-lhe que se identificasse ao qual ele respondeu «Não tenho que o fazer». Disse-lhe então que iria de imediato ao posto, falar com o Comandante tendo mais uma vez respondido mal educadamente «Ele não trabalha aos domingos». Os outros dois elementos mantiveram-se sempre silenciosos.

    13) Agiu a arguida livre, deliberada e conscientemente, bem querendo e sabendo que as expressões por si escritas na dita reclamação, dirigidas a...

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