Acórdão nº 1095/07.1TBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ART.ºS 483º E 798º DO C. CIV.; LEI Nº 24/2007, DE 18/07 Sumário: I – Várias têm sido as teses jurisprudenciais e doutrinárias avançadas para se encontrar ou definir uma solução quanto ao modo de enquadrar a eventual responsabilidade das concessionárias de auto-estradas pelos acidentes que nelas ocorrem, resultantes de causas exógenas às próprias vias e à condução dos veículos sinistrados.

II - No entanto, defendemos a tese que segue a orientação de que a responsabilidade das concessionárias pelo referido tipo de acidentes tem de assentar nos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos dos artºs 483º a 498º e 562º a 572º, do C. Civ..

III - E isto porque os condutores numa auto-estrada, fora a circunstância de poderem circular a uma velocidade máxima superior à que o C.E. fixa para as estradas comuns, estão sujeitos à mesma disciplina de trânsito das demais estradas que compõem a rede nacional, e expostos, igualmente, aos riscos inerentes ao aparecimento súbito de obstáculos na via por acção de terceiros, só que beneficiando de um padrão mais elevado de qualidade rodoviária.

IV - Com a publicação da Lei nº 24/2007, de 18/07 – que define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis -, no seu artº 12º, nº 1, preceituou-se que “nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) atravessamento de animais; c) líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.

V - Mesmo que o acidente tenha ocorrido em data anterior à da publicação desta lei, é de admitir que lhe seja aplicada a letra e o espírito do citado preceito, isto é, que o ónus da prova de que foram cumpridas as obrigações de segurança em concreto cabe à concessionária da via em questão, sob pena de se presumir a culpa da dita nesse cumprimento, por falta de prova em contrário, mas não havendo qualquer restrição quanto ao modo de ilisão da presunção legal de culpa que impende sobre a concessionária, com o que também se permite que a aqui Ré demonstre, por qualquer meio, que agiu diligentemente no caso concreto, buscando, desse modo, o afastamento da sua eventual culpa na produção dos danos e, consequentemente, afastando o seu dever de indemnizar, nos termos do artº 798º, à contrário, do C. Civ. .

VI - No sentido de que o referido preceito é uma norma com carácter interpretativo, pelo que é de aplicação imediata e retroactiva, por força do art. 13º do CC, vejam-se os Ac. do STJ datados de 13/11/2007 e de 9.09.2008 ( este no Proc. 08P1856), e o Ac. desta Relação de 17/12/2008, in Proc. nº 1204/06.8TBAND.C1.

VII - Se resultar dos factos apurados que a Ré B... cumpriu com as suas obrigações de vigilância e de manutenção das vedações da via, afigura-se-nos que nenhuma culpa poderá ser-lhe imputada face ao aparecimento de um animal na estrada, se tal aparecimento se tiver dado por razões conhecidas mas fora do controlo de segurança a cabo dessa concessionária, como, p. ex., devido ao facto de existir um nó de acesso à dita via, sem quaisquer barreiras, a alguns metros do local do acidente, facto este seguramente fora do controle da Ré e fora do dever de vigilância que para ela resulta do contrato de concessão que a liga e à data a ligava ao Estado.

VIII - Não podia nem pode a Ré vigiar e controlar, em permanência, esses nós de acesso à auto-estrada, pelo que a possibilidade de entrada de um animal por esses pontos sempre será uma realidade, a qual os utentes dessa via não podem deixar de ter presente, tomando as necessárias cautelas na sua circulação estradal, como o devem fazer em quaisquer outras vias rodoviárias.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, A..., residente na Quinta do Prado, Maçainhas, Guarda, instaurou contra B..., com sede na Praça de Alvalade, nº 6 – 7º, Lisboa, e contra a C..., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de € 7.743,16, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto e muito em resumo, alegou que no dia 8/07/2004, cerca das 23H20, o A. circulava com o seu veículo matricula 32-78-UX na auto-estrada da Beira Interior (A23), no sentido sul-norte, e que ao chegar cerca do km 187 embateu com o dito veículo num cão, o qual se atravessou à sua frente, de forma imprevista.

Que, em consequência, teve diversos danos na sua viatura, que descreve, os quais foram orçados em € 6.268,16 e que o A. efectivamente despendeu na reparação da viatura.

Além do que o seu veículo esteve imobilizado desde o dia do acidente até 26/08/2004, o que lhe causou prejuízos não inferiores a € 1.225,00 (€ 25,00/dia).

Que a Ré B... é a concessionária dessa auto-estrada, razão pela qual deve indemnizar o autor pelos aludidos danos, na medida em que sobre a mesma impende a obrigação de fiscalizar e de manter em condições de segurança essa auto-estrada, o que não cumpriu, ao não ter evitado que um animal se introduzisse na mesma, como sucedeu.

Que a Ré seguradora assumiu, por um contrato de seguro, a responsabilidade da Ré B... pelo pagamento de indemnizações devidas a terceiros na sua qualidade de concessionária da auto-estrada.

IIA Ré B... contestou a acção, alegando, em síntese, que desconhece a forma como ocorreu o embate alegado pelo Autor, mas que cumpriu, de forma rigorosa, com todas as obrigações legais de vigia e de segurança que sobre si impendem relativamente à auto-estrada em causa, pelo que não teve qualquer culpa na alegada entrada do animal na auto-estrada, razão pela qual não responde civilmente pelos danos cuja reparação é pedida.

A Ré Companhia de Seguros também contestou, onde veio confirmar a existência de um contrato de seguro entre si e a Ré B..., nos termos em que o A. assim o alega, mas porque desconhece o alegado embate ocorrido com o veículo do A., disse apenas aceitar a versão do acidente que vier a ser apresentada pela ré B..., impugnado o demais.

Ambas as Rés pediram a improcedência da acção e as suas absolvições do pedido.

IIIO autor apresentou articulado de resposta, no qual impugnou a versão factual trazida a juízo pelas Rés, mantendo o seu pedido inicial.

IV Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada...

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