Acórdão nº 259/98.1GCFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário: 1. As alterações legislativas operadas pelas Leis nºs 59/2007, de 4 de Setembro, e 48/2007, de 29 de Agosto deram origem a dois mecanismos distintos para a efectivação da aplicação retroactiva de lei penal mais favorável. Um deles está previsto na última parte do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal: tendo havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior. Estamos aqui perante situações em que a lei posterior é objectivamente mais favorável e em que a sua aplicação retroactiva depende da verificação do cumprimento da pena pelo condenado, o que se faz confrontando o limite máximo da pena aplicável ao crime cometido com o período de prisão já sofrido pelo condenado. Segue-se aqui o regime que já vigorava e se mantém, relativamente aos casos de descriminalização (artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal).

  1. O outro mecanismo é o que resulta do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, aplicável aos restantes casos, cuja efectivação depende de pedido do condenado e de realização de nova audiência cuja finalidade se restringe à apreciação de tal matéria.

  2. A aplicação do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, a condenado em pena de suspensão da execução da prisão, por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor daquele diploma legal, opera-se através de reabertura da audiência, a requerimento do condenado, nos termos do artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, como decidiu o STJ no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 15/2009, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 227, de 23 de Novembro de 2009.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I) 1.

    No processo comum, perante Tribunal colectivo,…do ..Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, por acórdão proferido em 6 de Abril de 2005 e transitado em julgado, o arguido, A., foi condenado nos seguintes termos: Pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de falsificação, previsto e punível pelo disposto no artigo 256.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.

    A execução desta pena foi suspensa pelo período de quatro anos, sob a condição do arguido depositar à ordem dos autos, no prazo de um ano, a quantia de € 15.000,00 destinada a reparar o mal do crime.

    Em 12 de Maio de 2009 foi proferido o despacho recorrido que determinou a redução do período de suspensão da pena para dois anos, por aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.

  3. O arguido, não se conformando com esta decisão, interpôs recurso.

    Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:

    1. Em 12 de Maio de 2009, o tribunal "a quo" decidiu, por motivo de aplicação do disposto no artigo 2.º, n.º 4 e 50.º, n.º 5, do Código Penal na actual versão, reduzir o período de suspensão da pena de 4 para 2 anos, o qual se mostraria ultrapassado desde 15 de Fevereiro de 2008.

    2. A referida decisão, salvo melhor opinião, viola o disposto no artigo 2.º, n.º 4, do mesmo Código Penal, uma vez que, em concreto, não é a mais favorável para o aqui Recorrente, dado que o impossibilita de socorrer-se da faculdade que resulta do disposto no artigo 51.º, n.º 2 e n.º 3 do Código Penal, impedindo, desta forma, o recurso à aplicação do princípio da modificabilidade.

    3. Essa questão é pertinente uma vez que a suspensão da pena de prisão de 2 anos foi considerada suspensa pelo período de 4 anos, na condição do Condenado, no prazo de 1 ano, depositar 15.000,00€ à ordem do lesado Rui Cristina (cf. fls.1007 a 1008), sendo que, a fls. 1214 a 1217, esse prazo foi alargado para 2 anos, com pagamentos em 6 prestações quadrimestrais de 2.500,00€ cada precisamente porque se levou em consideração o facto do período de suspensão ter sido de 4 anos e não inferior (cf. 1.º parágrafo da 2.ª página do despacho proferido em 25 de Setembro de 2006 de fls. 1214 a 1217).

    4. Acresce que, por o condenado ter estado preso preventivamente não pode pagar as 3.ª e restantes prestações dos 2.500,00€, apenas tendo pago duas, no total de 5.000,00€ entrando, pois, em incumprimento, pelo que, ao declarar extinto o prazo de suspensão da execução da pena, em Fevereiro de 2008, a decisão ora recorrida está a impossibilitar que aquele possa justificar e relevar o não pagamento dessas quantias, impedindo também a prorrogação e alteração do modo e prazo de pagamento do valor dos 10.000,00€ ainda em dívida ao lesado R..

    5. Pelo contrário, ao manter-se a decisão anterior, mantendo-se também a suspensão válida até Fevereiro de 2010, o Condenado pode ainda, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 2 e 3 do Código Penal requerer a modificação das condições impostas para a suspensão da execução da pena, o que pretende fazer, em breve, assim que tenha na sua posse a totalidade da documentação que sirva de base à sua pretensão, nomeadamente comprovativo da desvalorização e abate dos veículos automóveis referidos a fls. 1330 a 1344.

    6. Por fim, diga-se, a decisão recorrida é ainda, salvo o devido respeito, contraditória com o teor da promoção do Exmo. Procurador Adjunto que se lhe antecede na qual, por um lado, implícita e tacitamente se defende a manutenção da decisão condenatória anterior e, por outro lado, se propõe ainda a concessão de um prazo suplementar para o Condenado pagar o que deve e justificar as razões do não pagamento das prestações entretanto vencidas.

    Defende o recorrente que, com a procedência do recurso, deve ser revogada a decisão recorrida.

  4. O Ministério Público veio responder, formulando as seguintes conclusões.

    1 – O douto despacho recorrido, contrariamente ao que alega o recorrente, não viola o disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal; 2 – Na verdade, o artigo 51.º, do mesmo diploma não tem aplicação automática, desconhecendo-se inclusive se seria aplicado se se verificassem os seus requisitos; 3 - Mas, mais se acrescenta que a situação mencionada pelo arguido como lhe sendo desfavorável, sempre cairá na previsão do artigo 55.º, do citado código pelo que uma redução do período de suspensão da pena nunca o prejudicará; 4 - Deve, pelo exposto, ser mantido o douto despacho recorrido.

  5. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público apôs visto nos autos.

    5.1 Foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do recurso.

    5.2 Face às conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, importa apreciar, essencialmente, as seguintes questões: Saber se, tendo o arguido sido condenado, por acórdão transitado em julgado, numa pena de prisão cuja execução ficou suspensa por período superior ao que é permitido pelo actual artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal revisto, podia o tribunal, por sua própria iniciativa, aplicar retroactivamente esta norma.

    A este propósito se apreciará até que ponto esta norma assegura a aplicação ao arguido de regime concretamente mais favorável.

    II) 1.

    Com interesse para a matéria que aqui se discute, importa considerar os seguintes factos que resultam dos autos: 1.1 No âmbito dos presentes autos de processo comum perante tribunal colectivo n.º …, do...º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, por acórdão proferido em 6 de Abril de 2005, com trânsito em julgado, o arguido, A., foi condenado nos seguintes termos, conforme teor da certidão de fls. 1006: Pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de falsificação, previsto e punível pelo disposto no artigo 256.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

    A execução desta pena foi suspensa pelo período de quatro anos, sob a condição do arguido depositar à ordem dos presentes autos, no prazo de um ano, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a qual é destinada a reparar o mal do crime, sendo destinada a R..

    Nos termos consignados pelo recorrente em sede de motivação, o tribunal autorizou posteriormente o pagamento da quantia fixada como condição da suspensão da execução da pena em 6 prestações quadrimestrais, no valor unitário de 2.500,00€, a pagar no período de 2 anos.

    1.2 Em 12 de Maio de 2009, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “REDUÇÃO OFICIOSA DA PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO: A. foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 15-02-2006 (cf. fls. 1180), numa pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 4 (quatro) anos, sob a condição de depositar à ordem destes autos, no prazo de 1 ano, a quantia de €15.000,00, destinada a R.

    À data da prolação do acórdão proferido nos presentes autos, o período de suspensão era fixado entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado (cf. artigo 50º, nº 5 do Código Penal).

    Segundo tal disposição o período da suspensão podia ser superior à pena fixada, como ocorreu no caso em apreço.

    Entretanto, no dia 15 de Setembro de 2007, entrou em vigor a Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro, a qual veio alterar, além do mais, o artigo 50º, nº 5 do Código Penal.

    Com a referida alteração o período da suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a...

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