Acórdão nº 43/07.3GEELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário: 1. A prova indiciária (ou indirecta) é aquela que não incide sobre os factos a provar (thema probandum) mas que, mediante processos lógicos, permite chegar à prova daqueles.

  1. Apesar de, face ao nosso direito positivo, não serem exigidos quaisquer limites ou exigências para a operatividade da prova indirecta , a respectiva decisão deve ser motivável e objectivável.

  2. Integra-se no conceito de “espaço fechado” para efeitos do disposto no art. 204.º n.º1, alin. f) do Código Penal, os espaços vedados ou cercados.

  3. Não elencando a sentença factos relativos à situação económica e financeira do condenado e seus encargos pessoais (por não terem sido apurados em julgamento) que permitam fixar, de acordo com os critérios legais, o quantitativo diário da pena de multa, ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que determina o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da determinação do quantitativo diário da referida pena.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes , após conferência , na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora : Relatório.

No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Elvas corre termos o processo Comum Singular nº … , no qual ao arguido T. ….

, foi imputada a prática , em autoria material e em concurso real , de um crime de furto qualificado na forma consumada , p. e p. pelo artº 204º , nº 2 , alínea e ) do Código Penal , por referência ao disposto no artº 203º , nº 1 daquele diploma e de um crime de furto qualificado na forma tentada , p. e p. pelo artº 204º , nº 2 , al. e ) do Código Penal , por referência ao disposto no artº 203º , nº 1 daquele diploma e ainda pelos artº 22º e 23º do mesmo diploma legal.

Realizada a audiência de discussão e julgamento , o arguido foi : 1 ) absolvido da prática , em autoria material em concurso real , de um crime de furto qualificado na forma consumada , p. e p. pelo artº 204º , nº 2 , alínea e ) do Código Penal , por referência ao disposto no artº 203º , nº 1 do mesmo diploma e de um crime de furto qualificado na forma tentada , p. e p. pelo artº 204º , nº 2 , al. e ) do Código Penal , por referência ao disposto no artº 203º , nº 1 e ainda pelos artº 22º e 23º , todos do mesmo diploma legal ; 2 ) condenado pela prática de um crime de furto qualificado , p. e p. pelos artº 203º , nº 1 e 204º , nº 1 alínea f ) do Código Penal , na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 , no montante total de € 2.450,00 e ainda no pagamento das custas do processo, tendo-se fixado a taxa de justiça em 3 UC (artº 85º , nº 1 , alínea b ) do Código das Custas Judiciais e artº 513º e 514º do Código de Processo Penal) , a procuradoria no mínimo e em 1% da taxa de justiça , nos termos e para os efeitos do disposto no artº 13º , nº 3 do Decreto-Lei nº 423/91 de 30/10 .

Inconformado , o arguido interpôs o presente recurso , apresentando as seguintes conclusões : A ) O recorrente não praticou os factos constantes da acusação.

B ) Os factos dados como provados sob os números 4 a 14 não encontram sustentabilidade na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento .

C ) É a douta sentença recorrida , em sede de motivação da matéria de facto , a admitir não ter tido qualquer dúvida em dar como provado ter sido o arguido o autor dos factos , ainda que com base em prova indirecta , já que ninguém presenciou o mesmo a fazê-lo.

O ) A douta sentença recorrida , decide pela condenação do arguido , com base única e exclusivamente na indiciação suficiente , sendo que , o domínio do Processo Penal , tal só é possível em certas fases do processo penal ( vide arts. 277° , 283° , 298° , 301° e 302° todos do CPP ) , não em sede de audiência de discussão e julgamento , onde a prova tem que ser concludente.

E ) Não o sendo , serão aplicados quer o princípio da presunção de inocência , segundo o qual um non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido e consequentemente o princípio " in dubio pro reo ".

F ) Não o fazendo, a douta sentença recorrida, violou estes princípios de Direito Penal.

G ) A acrescer , a douta sentença recorrida alterou a qualificação jurídica do crime pelo qual o arguido vinha inicialmente acusado ( artº 204° , nº 2 , al. e ) do C. P. ) , pelo facto de ter dado como provado que a conduta do arguido não integrava nenhuma de tais definições , e , posteriormente , imputou ao arguido a qualificativa prevista na alínea f ) do nº 1 do artº 204º do C. Penal .

H ) E foi integrada a qualificativa , com base na caracterização do local da alegada prática dos factos , de espaço fechado , porque vedado.

I ) Ora , espaço fechado não equivale a espaço vedado (cf. Acórdão da Relação de Coimbra , proferido no proc. 1503/2005 , datado de 29/06/2005 , e supra referido). Com efeito , espaço fechado , diz o citado acórdão , " tem , forçosamente , de ser entendido com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa ".

J ) Da prova produzida , tal não se logrou provar , razão pela qual , não pode ser considerada a qualificativa para a conduta alegadamente praticada pelo aqui recorrente.

L ) Não existindo fundamento para tal qualificativa , o tipo legal de crime em causa , seria o furto simples , pelo que , tendo o queixoso declarado pretender desistir da queixa apresentada contra o aqui recorrente ( a fls. 55 dos autos ) , deverá admitir-se a homologação da desistência de queixa , e em consequência , ser declarado extinto o procedimento criminal.

M ) A não se decidir desta forma , sempre se dirá que a determinação da medida da pena aplicada ao arguido , é excessiva , Senão vejamos: Os factos reportam-se , segundo a sentença recorrida , a Setembro de 2007 , em data não concretamente apurada , mas seguramente posterior a dia 14 , sendo que, N ) Como supra se referiu nenhuma prova quanto a este facto foi produzida , não se vislumbrando sequer , qual a data dos factos alegadamente praticados.

O ) Imperioso , in casu , se tornaria ter sido produzida prova que permitisse ao Tribunal fixar o dia em que os factos ocorreram , e isto porque entraram em vigor no dia 15 de Setembro de 2007 importantes alterações importantes ao Código Penal no que à fixação do quantitativo diário da pena de multa diz respeito ( por via da Lei nº 59/2007 , de 4 de Setembro ) , nomeadamente no que respeita ao artº 47°, nº 2 do C P.

P ) Com efeito , se os factos forem anteriores a esta data , a multa a aplicar poderia ser fixada em montante próximo dos seus limites mínimos e que à data eram de € 1 ( um euro ) , atenta a aplicação ao arguido do regime em concreto mais favorável.

Q ) Não o tendo feito , a douta sentença violou claramente este princípio geral de Direito Penal e constante do artº 2° , nº 4 do Código Penal.

R ) Por fim , se nenhuma destas conclusões proceder , sempre se dirá que a pena de multa é excessiva , devendo a mesma fixar-se dentro dos seus limites mínimos do quantitativo diário de € 5 ( cinco euros ), uma vez que , S ) Encontra-se totalmente desprovida de conteúdo legal a fundamentação para aplicação da pena de multa fixada em € 7 de taxa diária , limitando-se , de forma vaga e genérica , a fazer apelo à situação económica de uma pessoa da idade do arguido.

T ) O arguido , ora recorrente , tem 27 anos .

U ) Actualmente está a trabalhar como encarregado de refeitório na casa de Saúde de Idanha , em Belas ( Lisboa ) auferindo a remuneração líquida de € 679,30 ( conforme melhor resulta do Doc. 1 que ora se junta ) .

V ) Encontra-se assim desloca-se da sua anterior residência com os seus pais ( em Vila Boim ) , tendo de fazer face a todas as despesas , nomeadamente renda de casa , água , luz , gás e alimentação , sendo que , findo o pagamento das mesmas quase nada lhe sobra para extras de outra natureza .

Conclui pedindo que seja dado provimento ao recurso , revogando-se o douto acórdão ( ? ) , com todas as consequências legais daí decorrentes .

Em resposta , a digna magistrada do MP na 1ª instância , afirmou , em síntese , o seguinte: Estamos , com efeito , como bem se sublinha na sentença , e corresponde inquestionavelmente à prova produzida em julgamento , perante o que poderemos qualificar de prova indirecta, mas totalmente lógica e concludente: uma pessoa foi vista num dos furtos; pôs-se em fuga numa viatura usada pelo arguido; tal viatura foi encontrada no local onde o arguido guarda o seu gado (o que confere motivo e racionalidade ao furto) ; nesse local foram encontrados os fardos de palha que o ofendido identificou; a isto acrescem os outros indícios indicados na sentença referentes aos tipos de rodado das duas viaturas usadas nos furtos , sendo estes coincidentes com os dois tipos de rodados das duas viaturas utilizadas pelo arguido.

A prova indirecta não é excluída como fundamento da condenação , desde que - e é esse o caso ora configurado - dela resultem elementos que uma preponderância esmagadora tornem evidente o decurso dos acontecimentos recolhido nos factos dados como provados. Aliás, toda a prova é por definição indirecta , sendo certo que ela reconstrói uma realidade passada através dos elementos que no presente identificam indirectamente essa realidade .

Todo o raciocínio de um juiz assenta em factos ( em provas ) indirectamente percepcionados . A afirmação destes , enquanto pronunciamento judicial condenatório , depende da evidenciação que a sua apreciação lhes confere , numa perspectiva racional .

Relativamente ao segundo fundamento do recurso (verificação da qualificativa da alínea f ) do nº 1 , do artigo 204° do Código Penal) , sublinhar-se-á que o espaço onde ocorreram os factos , nos termos em que a douta sentença o descreve no seu ponto 2 a fls. 103 , traduz efectivamente um espaço vedado ( por uma rede fixa ao solo) e um espaço fechado (por uma porteira fechada com arame), sendo a acumulação destes elementos (rede e porteira) o modo habitual de vedar e de fechar os prédios rústicos...

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