Acórdão nº 167/19 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 167/2019

Processo n.º 848/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 26 de junho de 2018.

2. Pela Decisão Sumária n.º 771/2018 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso, com fundamento na circunstância de nenhuma das normas impugnadas ter sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi.

3. Tal Decisão Sumária veio a ser confirmada pela conferência, através do Acórdão n.º 15/2019, cuja fundamentação se reproduz:

5. Atento o teor da reclamação, importa esclarecer que a exigência de que a norma objeto do recurso de constitucionalidade tenha sido aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, encontra a sua razão de ser na instrumentalidade da intervenção do Tribunal Constitucional no processo, o mesmo é dizer, de que a decisão sobre a conformidade constitucional da norma sindicada se revista de utilidade nos autos. «A exigência, de que a norma aplicada constitua o fundamento da decisão recorrida, resulta do facto de só nesse caso a decisão da questão de constitucionalidade poder refletir-se utilmente no processo. Sendo a referência à norma questionada mero obiter dictum, a intervenção do Tribunal Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma impugnada não se refletirá utilmente no processo, uma vez que sempre a decisão recorrida seria a mesma, ainda que a norma questionada seja declarada inconstitucional» (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 497/99). Com efeito, se a norma objeto do recurso não constituir ratio decidendi da decisão recorrida – isto é, se não integrar o conjunto das suas condições necessárias −, um eventual juízo de inconstitucionalidade seria processualmente inerte, e, nesse exato sentido, inútil. Ora, constitui entendimento sedimentado deste Tribunal que «(…) não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso» (Acórdão n.º 366/96).

6. No que concerne à norma (i), foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se verificar o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de tal norma. Entendeu-se que a norma contestada pelo recorrente incorporava um pressuposto normativo – o de que o tribunal pode aceitar uma distribuição assente na violação das próprias regras e modos de distribuição – que não foi acolhido na decisão recorrida. Este, na decisão recorrida, considerou que os procedimentos concretamente adotados na distribuição do processo, ainda que diversos dos previstos no Código de Processo Penal e na Portaria n.º 280/2013, permitiam concluir pela não verificação de qualquer ilegalidade e pela não violação o princípio do juiz natural.

Neste contexto, a argumentação agora apresentada pelo recorrente continua a centrar-se na violação da lei, ou seja, na imputação ao Tribunal a quo de um erro de julgamento, quando o Tribunal a quo não respaldou a sua decisão no Código de Processo Penal ou na Portaria n.º 280/2013 – bem ou mal, reitera-se, é matéria que excede os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional no âmbito de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade –, mas antes em determinados procedimentos constantes do provimento referido na decisão recorrida. Pretendendo assegurar a utilidade da pronúncia do Tribunal Constitucional, o recorrente teria de ter questionado a constitucionalidade da norma em que efetivamente o Tribunal a quo fundou a sua decisão.

Aliás, deve notar-se que, em rigor, a «norma» questionada pelo recorrente dificilmente poderá ser tida por idónea, na medida em que mais não reflete do que a enunciação do comportamento judicial que se entende consubstanciar a violação de uma norma. Ou seja, através de uma aparente formulação normativa, a pretensão do recorrente dirige-se à sindicância da própria decisão judicial e não à de uma norma pela mesma aplicada.

7. As mesmas razões valem, mutatis mutandis, a respeito da norma (ii).

Também neste caso se entendeu na Decisão Sumária reclamada que tal norma, por incorporar um pressuposto não aceite pelo Tribunal recorrido, não constituiu ratio decidendi da decisão impugnada. E assim se entendeu porque o Tribunal da Relação não efetuou qualquer leitura do artigo 288.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com o sentido de que a competência do juiz de instrução que intervém na fase de inquérito para a prática dos atos jurisdicionais previstos na lei se estende para a fase de instrução, sem necessidade de prévia redistribuição. Ao invés, entendeu esse Tribunal que existiu essa redistribuição («tendo efetivamente existido uma distribuição do processo, para a fase de instrução, no caso, ao Juiz 3»), e mais, que a mesma foi legal e regular.

Contra esta evidência não colhe, pois, argumentar com a violação das regras legais da distribuição e com a preterição das formalidades previstas no Código de Processo Penal e demais diplomas adjetivos, pois, como se viu, não foi nessas normas que a decisão recorrida se baseou para afirmar a legalidade da distribuição efetuada. Essa argumentação seria atendível apenas se o objeto do presente recurso fosse a reapreciação do mérito da decisão recorrida − a reparação de erros de julgamento na seleção, interpretação e aplicação dos preceitos de direito ordinário. Ora, essa é matéria estranha às competências da jurisdição constitucional, cuja razão de ser se contra na especialidade dos problemas que se lhe colocam, respeitantes à interpretação de uma lei diferente das outras — a lei constitucional — e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns.

É deslocada a inovação do Acórdão n.º 41/2016, onde estava em causa uma norma efetivamente aplicada pelo Tribunal recorrido, nos termos da qual a competência fixada em fase de inquérito ao Tribunal Central de Instrução Criminal é automaticamente extensível à fase de instrução, independentemente de no processo ter sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da Lei Orgânica do Ministério Público e de se verificar qualquer dispersão territorial da atividade criminosa. Com efeito, no caso vertente, nenhuma norma idêntica – ou sequer análoga – foi aplicada como ratio decidendi; ao invés, o Tribunal a quo partiu do pressuposto contrário, isto é, de que os autos foram redistribuídos aquando da abertura da fase da distribuição.

8. No que respeita às normas (iii) e (iv), entendeu-se na Decisão Sumária recorrida que as mesmas não foram aplicadas na decisão recorrida, como ratio decidendi, por o Tribunal a quo ter entendido que a decisão de pronúncia era insindicável, mesmo na parte em que apreciava nulidades ou outras questões prévias ou incidentais, por via do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Por essa razão, não conheceu das arguidas nulidades, o que vale por dizer que não aplicou qualquer das normas identificadas como ratio decidendi.

Argumenta o reclamante que o Tribunal a quo, ao invocar a irrecorribilidade da decisão instrutória para negar provimento ao recurso, sem atender à invocação da inconstitucionalidade das normas em apreço, as aplicou efetivamente, ainda que de modo implícito. Mas sem razão. Ao postular a insindicabilidade da decisão instrutória, mesmo na parte em que a mesma incide sobre as nulidades ou demais questões prévias ou incidentais, decorrente do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo não aplicou nem desaplicou, expressa ou implicitamente, qualquer norma atinente a tais nulidades. Com efeito, a conclusão de que a decisão é insindicável pressupõe precisamente que o Tribunal em questão não se pronuncie nem decida, positiva ou negativamente, a questão em causa. Não há, pois, uma decisão de mérito quanto a tal questão, mas tão-só a verificação de que a mesma está excluída, por força de lei, dos seus poderes cognitivos.

A argumentação do reclamante, tendente a demonstrar a utilidade do presente recurso, segundo a qual, se o Tribunal a quo tivesse desaplicado tais normas com fundamento em inconstitucionalidade, nos termos do artigo 204.º da Constituição, necessariamente a decisão teria sido diversa, assenta no pressuposto, não verificado, de que o Tribunal a quo não só conheceu do mérito do recurso nesta parte, como ainda que teria aplicado tais normas se as mesmas não estivessem feridas de inconstitucionalidade. Mas assim não ocorreu, pois o Tribunal a quo efetivamente não tomou conhecimento do mérito do recurso, devendo as suas considerações sobre o tema ser tidas como meros obter dicta.

Também não procede o argumento de que a inconstitucionalidade de uma norma constitui matéria de conhecimento oficioso, o que prevalece sobre os limites do objeto do recurso. Se é verdade que a inconstitucionalidade normativa é uma questão de conhecimento oficioso e que, nessa medida, a suscitação prévia da mesma, imposta pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC, funciona essencialmente como um ónus processual que...

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