Acórdão nº 172/19 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 172/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da relação do Porto (TRP), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pela primeira interposto recurso (cfr. fls. 1784 a 1790), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão, doravante designada LTC), na sequência do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação em 7 de junho de 2017 (cfr. fls. 1718-1779), que confirmou a decisão condenatória proferida em primeira instância.

2. Tendo os autos subido a este Tribunal, a relatora proferiu despacho de aperfeiçoamento (cfr. fls. 1798), convidando a recorrente a indicar, «de modo claro e inequívoco, quais as exatas normas e sua interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, conforme impõe o n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC (…), qual a peça processual em que suscitou a questão (ou cada uma das questões) de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada(s), conforme impõe o n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC» e a identificar, «de modo claro e inequívoco, qual a decisão judicial (ou decisões judiciais) de que interpõe recurso para este Tribunal.».

Em resposta (cfr. fls. 1800-1810) veio a recorrente, além do mais, enunciar a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada do seguinte modo (cfr. fls. 1803-1804):

«(…)

4.º) Mais respondendo ao convite ao aperfeiçoamento formulado, concretiza-se também o seguinte: o presente recurso vem, pois, interposto da interpretação que se extrai do disposto nos artigos126.º, 135.º e 182.º do Código de Processo Penal, sem olvidar o recurso a normas que gravitam na sua esfera de acção, como sejam nos artigos 78.º a 84.º do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), e mesmo no artigo 195.º do Código Penal, no sentido de que podem ser usados e valorados como prova em processo penal, pela prática dos crimes em causa nestes autos, documentos/ elementos bancários cedidos (como aqueles que foram oportunamente elencados) pelas respectivas instituições bancárias à autoridade policial que tinha a seu cargo a investigação – in casu, a Polícia Judiciária –, e obtidos a pedido desta mesma autoridade policial, sem cumprir o “ritualismo procedimental” previsto no Código do Processo Penal (mas também no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – e, diga-se, no próprio Código Penal), é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do princípio da legalidade, da igualdade, e, de não somenos importância (antes pelo contrário), do direito à integridade moral e à reserva da intimidade da vida privada, sem esquecer – obviamente – o princípio das garantias de defesa, o princípio da tutela jurisdicional dos actos instrutórios e de inquérito, bem como da inviolabilidade da correspondência e o princípio do processo equitativo.

(…)»

3. Nos autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 37/2019 (cfr. fls. 1812-1823), na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso, interposto do acórdão do TRP proferido em 7/06/2017, por se concluir não se mostrarem verificados os requisitos relativos à dimensão normativa do objeto do recurso, à suscitação prévia e adequada de uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido e à ratio decidendi. Isto, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 6 e ss):

«6. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (mais recentemente, v., v.g., os Acórdãos deste Tribunal n.os 344/2018, 640/2018, 652/2018, 658/2018, 671/2018, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso, ainda que este tenha sido admitido pelo tribunal a quo. Conforme resulta do n.º 3, do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, pelo que se deve antes de mais apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos na LTC. Caso o Relator verifique que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

7. Cabendo aos recorrentes identificar o objeto do recurso – a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada –, a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, bem como a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente.

No caso em apreço, depois de convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, veio a recorrente esclarecer que «o presente recurso vem (…) interposto da interpretação que se extrai do disposto nos artigos 126.º, 135.º e 182.º do Código de Processo Penal, sem olvidar o recurso a normas que gravitam na sua esfera de acção, como sejam nos artigos 78.º a 84.º do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), e mesmo do no artigo 195.º do Código Penal, no sentido de que podem ser usados e valorados como prova em processo penal, (…) documentos/elementos bancários cedidos (…) pelas respectivas instituições bancárias à autoridade policial que tinha a seu cargo a investigação (…), sem cumprir o “ritualismo procedimental” previsto no Código do Processo Penal (mas também no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – e, diga-se, no próprio Código Penal), é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do princípio da legalidade, da igualdade, e, de não somenos importância (…), do direito à integridade moral e à reserva da intimidade da vida privada, sem esquecer – obviamente – o princípio das garantias de defesa, o princípio da tutela jurisdicional dos actos instrutórios e de inquérito, bem como da inviolabilidade da correspondência e o princípio do processo equitativo.» (cfr. resposta ao convite de aperfeiçoamento, par. 4.º, supra transcrito em I, 5.).

Considera a recorrente que aquele ritualismo não foi observado no caso dos autos, porque os documentos foram cedidos pelas instituições bancárias sem que a recorrente tenha autorizado a sua divulgação. Assim – não obstante esses dados respeitarem a contas bancárias de que a recorrente é co-titular e a autorização para a sua divulgação ter sido concedida por outro titular da conta – as provas foram obtidas mediante ilegítima intromissão na sua vida privada, sendo como tal nulas (à luz do artigo 126.º, n.º 3, do Código do Processo Penal e do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição). Aduziu também que pretende recorrer das decisões judiciais das várias instâncias, «com singular incidência agora no Venerando Tribunal da Relação do Porto» (cfr. resposta ao convite de aperfeiçoamento, par. 10.º, supra transcrito em I, 5.), e alegou ter suscitado em diversos momentos as questões de inconstitucionalidade «em virtude dessas doutas decisões judiciais terem levado em conta, (…) no por si decidido, os documentos/elementos bancários (…) obtidos com violação do sigilo bancário (prova proibida) (…)» (cfr. resposta ao convite de aperfeiçoamento, par. 3.º, supra transcrito em I, 5.).

8. Ora, atentos os termos genéricos em que foram identificadas as decisões recorridas e enunciadas as questões de constitucionalidade, forçoso é concluir que não se encontram reunidos vários dos pressupostos, cumulativos, de que depende a admissibilidade do presente recurso.

Em primeiro lugar, facilmente se verifica que, nos vários momentos em que suscitou as supostas questões de constitucionalidade, a recorrente se limitou a imputar às decisões judiciais contestadas vícios que decorrem do que entende ser uma violação do direito infraconstitucional aplicável ao caso. As referências feitas à Constituição servem o propósito de realçar o desvalor da prova e das decisões adotadas pelas instâncias, e não o propósito de eleger os parâmetros com os quais poderia ser confrontada qualquer norma, ou interpretação normativa, devidamente identificada, em termos claros e inteligíveis.

Assim por exemplo, nas alegações apresentadas ao tribunal recorrido, conclui a recorrente (a fls. 1663, n.ºs 14. e 15.) que «não sobejam assim quaisquer dúvidas que aqueles documentos bancários foram, ilegal e até inconstitucionalmente, considerados e/ou valorados. (…) pelo que tal prova é nula e inconstitucional, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e, outrossim, nos termos supra referidos na motivação recursiva – NULIDADE e INCONSTITUCIONALIDADE estas, pois, que se invocam e aqui se deixam expressamente arguidas, para todos os devidos e...

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