Acórdão nº 125/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | Cons. Catarina Sarmento e Castro |
Data da Resolução | 21 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 125/2019
Processo n.º 924/18
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. e B. vieram interpor recursos de constitucionalidade, invocando o disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária de não conhecimento dos recursos, com a seguinte fundamentação:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade dos recursos, interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos, então, se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa – se encontram preenchidos in casu, relativamente aos recursos interpostos nestes autos.
Recurso interposto pelo recorrente B., visando, como decisões recorridas, os acórdãos de 14 de fevereiro de 2017 e de 4 de julho do mesmo ano.
O recorrente expressamente deixou consignado que o presente recurso, que «tem por objecto, em termos conjugados», os acórdãos de 14 de fevereiro de 2017 e de 4 de julho do mesmo ano, não prejudicava aquele, que interpôs na mesma data, visando apenas o referido primeiro acórdão, datado de 14 de fevereiro de 2017.
Delimitou o objeto do presente recurso, nos seguintes termos:
«A norma constante do artigo 409.º do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que é admissível ao tribunal de recurso, no âmbito de recurso interposto pelo arguido, reponderar e requalificar os critérios de determinação da medida da pena de forma a manter a pena aplicada pelo tribunal recorrido, pese embora em sede de recurso o quadro factual imputado ao arguido tenha sido alterado em termos que lhe são favoráveis».
Invocou que a aludida dimensão normativa violou o princípio do processo justo e equitativo e as garantias do processo criminal, nos termos previstos nos artigos 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 2, ambos da Constituição.
Independentemente de quaisquer outras considerações a propósito da formulação da questão apresentada – cujo enunciado, construído com base no juízo de avaliação subjetiva do recorrente, indicia que aquilo que o mesmo verdadeiramente pretende é a sindicância da violação do próprio artigo 409.º do Código de Processo Penal, pela decisão jurisdicional, no caso concreto –, constata-se que a mesma não encontra projeção na fundamentação aduzida pelo tribunal a quo.
Na verdade, o Tribunal da Relação, pronunciando-se sobre a questão suscitada pelo recorrente B., relativamente à invocada violação da proibição de reformatio in pejus, refere o seguinte:
«(…) no caso presente, o tribunal de recurso não alterou qualquer facto relevante a propósito da qualificação jurídica dos factos nem efetuou qualquer alteração relevante que, se o tribunal recorrido tivesse tido em conta, teria levado o mesmo a aplicar pena inferior, sem prejuízo da questão já tratada em 3.2.
O que sucede é que o tribunal recorrido mesmo considerando a medida da pena como média aplicou as referidas penas (…).
Porém, a Relação em momento algum considerou as penas benévolas ou teceu qualquer comentário acerca desse facto. No pressuposto do seu raciocínio está a premissa de que, embora por caminhos de fundamentação não inteiramente coincidentes com os nossos, o tribunal a quo encontrou uma pena que se mostra adequada, não obstante aquilo que esta Relação considerou ter sido uma errada definição da medida da culpa. (…)
(…).
De todo o modo, e não obstante a redefinição feita na 2.ª Instância acerca de tal consideração, do ponto de vista conceptual, a pena encontrada não foi mantida por se ter considerado a mesma benevolente, embora estando a Relação impedida pelo princípio da reformatio in pejus, mas antes porque, avaliando corretamente, em nosso entender, as premissas envolvidas estas conduziram à sua correção (…). A única alteração é conceptual e nem sequer se refere à qualificação jurídica de factos nem ao desagravamento ou abrandamento de factos daí decorrentes (…).
Nem se pode dizer que a redefinição do que o tribunal de recurso entendeu dever ser considerad[o] a propósito da medida da culpa poderia ter tido qualquer relevância significativa na forma de o tribunal recorrido decidir.
(…)
Isto não significa nem implica uma alteração, in pejus, da pena virtual que o tribunal inferior teria aplicado se tivesse corretamente julgado as questões objeto do recurso do arguido (…).
O tribunal de recurso não retirou quaisquer consequências práticas negativas para os reparos que fez à decisão quanto à medida da pena, o que é visível perante a fundamentação da decisão.
(…)
Outro entendimento não será adequado ao texto do acórdão sob reclamação pois pergunta-se “se este tivesse considerado que a culpa era média as penas teriam sido obrigatoriamente reduzidas?”.
E a resposta seria obviamente afirmativa se, da matéria de facto ou da sua qualificação ou enquadramento jurídico, tivesse resultado uma diminuição no “peso” global dos critérios a ponderar para o efeito da dosimetria da pena; mas será negativa, no caso, pois não se verificou tal diminuição e a definição do grau de culpa é meramente conceptual face à matéria de facto e circunstâncias de facto, estabilizadas e inerentes aos critérios a ponderar para a dosimetria da pena». (fls. 18515, 18516; negrito nosso).
Do exposto resulta que o enunciado da questão apresentada é construído com base na visão subjetiva que o recorrente assume sobre a avaliação feita pelo tribunal a quo, conducente à manutenção da pena aplicada, e sobre o seu significado, mas que, manifestamente, não merece adesão na fundamentação aduzida pelo mesmo tribunal.
De forma decisiva, pode ler-se ainda, no acórdão de 4 de julho de 2017, que «[a] alteração operada na matéria de facto apurada pelo Tribunal da Relação não justificou que este tivesse de alterar a pena aplicada» (fls. 18510).
Nestes termos, atenta a circunstância de a questão construída pelo recorrente não se refletir na fundamentação adotada pelo tribunal a quo, mostra-se necessariamente prejudicada a verificação do requisito de admissibilidade do recurso traduzido na coincidência entre a ratio decidendi da decisão recorrida e o objeto do recurso.
Assim, considerando a necessidade de verificação cumulativa dos pressupostos de admissibilidade do recurso, conclui-se, desde já, sem necessidade de apreciação dos restantes, pela inadmissibilidade do presente recurso e consequente não conhecimento do seu objeto.
Recurso interposto pelo recorrente B., visando, como decisão recorrida, o acórdão de 14 de fevereiro de 2017
O recorrente delimitou o objeto deste segundo recurso, identificando três questões, nos seguintes termos:
«– inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade, das normas resultantes dos artigos 103.º e 104.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), interpretadas e aplicadas no sentido de o ilícito criminal aí previsto poder ser praticado por qualquer pessoa ou entidade e não apenas pelo sujeito passivo da relação tributária, i. e., pela pessoa ou entidade sobre a qual recai o dever fiscal de declarar e pagar à Administração Tributária determinados factos ou valores.
– inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da legalidade e da igualdade, das normas resultantes dos artigos 40.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal, interpretadas e aplicadas no sentido de que a pena concreta aplicável ao extraneus é exatamente a mesma que a aplicável ao intraneus, não havendo lugar a qualquer diferenciação...
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