Acórdão nº 103/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 103/2019

Processo n.º 1166/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 15 de novembro de 2018, daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. O ora reclamante, na qualidade arguido em processo-crime, foi condenado pelo tribunal de 1.ª instância numa pena única conjunta de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e acompanhada de regime de prova, pela prática, em concurso, de um crime de homicídio agravado, sob a forma tentada, bem como de um crime de detenção de arma proibida.

Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal da Relação do Porto, visando a revogação da sentença, no segmento em que suspende a execução da pena de prisão.

Respondendo a tal recurso, afirmou o ora recorrente:

«1. Antes de mais, o arguido pugna pela confirmação integral do douto Acórdão recorrido, uma vez que, atendendo a tudo quanto ficou provado em sede de audiência de discussão e julgamento, acredita que se trata de uma decisão justa, equilibrada e proporcionada.

2. Sobre as questões levantadas pela Ilustre Procuradora da República diremos o seguinte:

Quanto ao entendimento de não estarem reunidos todos os pressupostos legais de que depende a aplicação do instituto da suspensão da pena, atentemos no n.º 1 do artigo 50 do Código Penal: “O tribunal suspense a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (sublinhado nosso).

3. Efetivamente, este poder-dever do tribunal tem de basear-se em pressupostos formais e materiais e, bem assim, atender às finalidades da punição (cfr. artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal).

4. Mas quem estará em melhores condições para avaliar e decidir sobre a sua verificação?

5. Ora, o douto Tribunal a quo fundamentou a determinação da medida da pena aplicada ao arguido A. deste modo: “Relativamente aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins ou motivos que os determinaram, importa considerar que o arguido atuou num contexto de conflito familiar que perdurava há horas, após ter advertido por várias vezes o ofendido para parar de importunar o pai de ambos, persistindo aquele nesse comportamento, que representa falta de respeito pelo progenitor”.

E ainda: “No que tange à conduta posterior, há que registar que o arguido, quando a vítima regressou ao local onde ocorreram os factos, alguns minutos após os disparos, não mais atentou contra a vida ou integridade física daquela, o que denota que se terá arrependido dos por si levados a cabo num momento de maior irritação e irreflexão”.

6. A decisão do douto Acórdão recorrido é, no que toca à fundamentação da verificação dos pressupostos do artigo 50.º do Código Penal, inatacável.

7. Pretende a Ilustre Procuradora da República questionar se a decisão de suspensão de execução da pena aplicada ao arguido A. acautelou ou não as expectativas comunitárias na efetiva validade e vigência das normas jurídicas violadas (prevenção geral).

8. Mas, a resposta encontra-a já no douto Acórdão recorrido, que começa por evidenciar precisamente essa preocupação: “tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão como sinal de impunidade, retirando toda a confiança ao sistema repressivo penal”.

Para depois concluir: “O referido circunstancialismo e, bem assim, o facto de não se registarem fenómenos de rejeição na comunidade local fazem com que, apesar das fortes exigências de prevenção geral inerentes ao tipo de crimes cometidos, à sociedade não repugne, in casu, a suspensão da execução da pena de prisão, desde que condicionada a regime de prova, nos termos previstos no art. 53.º do Código Penal, em moldes a definir pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, nos termos do art. 494º, n.º 2, do Código de Processo Penal” (sublinhado nosso).

9. Efetivamente, e como bem sustenta o douto Acórdão recorrido, a suspensão da execução da pena constitui o corolário dos princípios da sociabilidade – cfr. artigos 2.º e 9.º da Constituição da República Portuguesa – e da preferência pelas penas não detentivas – cfr. artigo 78.º da Constituição da República Portuguesa.

10. Deve pois, manter-se inalterado o douto Acórdão recorrido, concretamente o que concerne à suspensão da execução da pena aplicada ao arguido A.

3. Por acórdão datado de 17 de outubro de 2018, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a pena de prisão aplicada ao arguido.

Foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:

«1. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro e suas alterações ulteriores.

2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, na interpretação e no sentido em que foi aplicada no douto Acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto, e que, salvo o devido respeito, viola os princípios constitucionais da sociabilidade (artigos 2.º e 9.º da Constituição da República Portuguesa) e da preferência pelas penas não detentivas (artigo 18.ºda Constituição da República Portuguesa).

3. A interpretação dada à norma pelo douto Acórdão da 1.ª Instância é sem dúvida a mais correta e a única que acautela verdadeiramente os citados princípios constitucionais e as garantias de defesa do arguido.

4. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na resposta do ora recorrente ao recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto.

5. Ademais, o douto Tribunal recorrido põe em causa o princípio da imediação, previsto nos artigos 127.º e 355.º do Código de Processo Penal, parecendo esquecer que tais normas se aplicam para assegurar as garantias de defesa do arguido, violando deste modo o artigo 32º da Constituição da República...

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